O centro direita e a extrema direita disputam Portugal e a esquerda assiste do 1.º balcão


A AD não vinha preparada para isto, mas era bom que se preparasse rapidamente se quer poder disputar com a extrema direita populista a alma de Portugal.


“Portugal é nosso” gritavam os fãs do Chega no comício/festa/proclamação que marcou o discurso de Ventura no Domingo, 18 de maio, à noite. Com 22% dos votos, ainda não é, mas lá que chamaram a nossa atenção, chamaram.

Na campanha da AD também se celebrava e rijo. Idem na sede de campanha da Iniciativa Liberal (IL). Os três polos do centro e da direita terão 159 ou 160 deputados. A maioria necessária para alterar a Constituição são 155 deputados e, pela primeira vez desde 1976, data em que a nossa Constituição (CRP) foi aprovada pela Assembleia Constituinte, o PS não faz falta nenhuma para alterar a CRP. O que mais se pode dizer sobre o colapso da esquerda?

Infelizmente, esta hegemonia da direita não se traduz em maioria operacional de governo. Com o Chega, como ainda ontem à noite se viu, não é possível dialogar. Lamento dizê-lo assim, mas é como se uns cavalheiros do século XXI, habituados à electricidade, água corrente e internet tivessem de repente de dialogar com uns antropófagos da Papua Nova Guiné… Não há diálogo possível.

Daqui concluo que o verdadeiro combate pela alma de Portugal, nos próximos tempos, vai ser entre o centro e a direita e a extrema direita.

Isto coloca-nos um problema de ingovernabilidade? Sim e não.

Sim, se a AD com ou sem a IL, não conseguir descortinar – rápido – o caminho para a frente; não, se apresentar ao País um programa de reformas consistente e que vá de encontro às preocupações que os Portugueses realmente têm.

O dilema entre governar em minoria ou encontrar pontes de diálogo com os populistas de direita, hoje, é um dilema que afecta quase todos os países Europeus. O crescimento da extrema direita fez-se na Europa com base quase única numa agenda anti-imigração. Por demasiados anos o centro político fingiu ignorar este tema, desvalorizando-o, apenas para descobrirmos atónitos, que entre 2015 e 2025 o número de imigrantes legais e sobretudo ilegais, passou em Portugal de 400.000 para 1.600.000, número impensável num país de 10 milhões de habitantes.

Em abono de Ventura há que dizer que não se cansou de falar neste tema, para além da pena de morte, prisão perpétua, castração química e outros horrores sortidos de que o bando se foi lembrando. Em desabono, há que dizer que, como em tudo o mais, denunciou, denunciou, mas não propôs quaisquer soluções. Esse é o problema da direita populista europeia: denuncia chagas reais, mas não propõe qualquer terapêutica exequível. Nada que se possa discutir.

Do lado da AD as ideias também não abundam; ele há grandes questões, como dizia o Conselheiro Acácio do Eça, mas quando toca a elencá-las, o discurso seca.

Miguel Sousa Tavares, no Expresso da semana anterior à última, declarava que a maior reforma fazer em Portugal era a da ferrovia, passando da rede do século XIX para uma rede moderna que sirva as populações no século XXI. O que tivemos no último ano, no seguimento do que tivemos nos últimos nove, foram umas vagas declarações de intenções sobre investimento mal feito na ferrovia. Ideias demasiado vagas para resolver seja o que for.

Carmen Garcia, no Público de Domingo apontava numa direcção totalmente diferente (e nada incompatível): uma reforma do sistema eleitoral que permitisse valorizar todos os votos em urna e não apenas os dos grandes centros urbanos. Duvido que alguém verdadeiramente queira ir por aí pelo que se viu nos últimos dez anos, mas bem falta faria uma reforma que criasse os círculos uninominais que a CRP já permite, a par com um círculo nacional de compensação.

Há imensas reformas urgentes à nossa espera, entre as quais na educação uma que aponte no sentido da autonomia de gestão e de recrutamento dos estabelecimentos de ensino a par do crédito por alunos de que cada escola usufruiria.

Uma profunda reforma do sistema nacional de saúde norteada por uma ideia simples: não interessa se são os privados ou o público quem providencia os serviços, o que interessa é que estes sejam prestados nas melhores condições e da forma mais racional. Não há racionalidade nenhuma em ter duplicado o orçamento da saúde em dez anos e prestar um serviço cada vez pior no momento em que a classe média já emigrou para o sector privado da saúde.

Na Justiça são múltiplas as reformas que gritam por ser realizadas, a começar por uma de fundo que consiste em acabar com a jurisdição administrativa e fiscal, um pequeno monstro que não funciona e cria problemas insolúveis aos portugueses e à economia.

Eu sei que, como disse um dia Durão Barroso, a AD não vinha preparada para isto, mas era bom que se preparasse rapidamente se quer poder disputar com a extrema direita populista a alma de Portugal. Para não ficar, como no poema de Fernando Pessoa (in “a mensagem”) a interrogar-se “que farei eu com esta espada?”.

Advogado, ex-secretário de estado da Justiça

Subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade

O centro direita e a extrema direita disputam Portugal e a esquerda assiste do 1.º balcão


A AD não vinha preparada para isto, mas era bom que se preparasse rapidamente se quer poder disputar com a extrema direita populista a alma de Portugal.


“Portugal é nosso” gritavam os fãs do Chega no comício/festa/proclamação que marcou o discurso de Ventura no Domingo, 18 de maio, à noite. Com 22% dos votos, ainda não é, mas lá que chamaram a nossa atenção, chamaram.

Na campanha da AD também se celebrava e rijo. Idem na sede de campanha da Iniciativa Liberal (IL). Os três polos do centro e da direita terão 159 ou 160 deputados. A maioria necessária para alterar a Constituição são 155 deputados e, pela primeira vez desde 1976, data em que a nossa Constituição (CRP) foi aprovada pela Assembleia Constituinte, o PS não faz falta nenhuma para alterar a CRP. O que mais se pode dizer sobre o colapso da esquerda?

Infelizmente, esta hegemonia da direita não se traduz em maioria operacional de governo. Com o Chega, como ainda ontem à noite se viu, não é possível dialogar. Lamento dizê-lo assim, mas é como se uns cavalheiros do século XXI, habituados à electricidade, água corrente e internet tivessem de repente de dialogar com uns antropófagos da Papua Nova Guiné… Não há diálogo possível.

Daqui concluo que o verdadeiro combate pela alma de Portugal, nos próximos tempos, vai ser entre o centro e a direita e a extrema direita.

Isto coloca-nos um problema de ingovernabilidade? Sim e não.

Sim, se a AD com ou sem a IL, não conseguir descortinar – rápido – o caminho para a frente; não, se apresentar ao País um programa de reformas consistente e que vá de encontro às preocupações que os Portugueses realmente têm.

O dilema entre governar em minoria ou encontrar pontes de diálogo com os populistas de direita, hoje, é um dilema que afecta quase todos os países Europeus. O crescimento da extrema direita fez-se na Europa com base quase única numa agenda anti-imigração. Por demasiados anos o centro político fingiu ignorar este tema, desvalorizando-o, apenas para descobrirmos atónitos, que entre 2015 e 2025 o número de imigrantes legais e sobretudo ilegais, passou em Portugal de 400.000 para 1.600.000, número impensável num país de 10 milhões de habitantes.

Em abono de Ventura há que dizer que não se cansou de falar neste tema, para além da pena de morte, prisão perpétua, castração química e outros horrores sortidos de que o bando se foi lembrando. Em desabono, há que dizer que, como em tudo o mais, denunciou, denunciou, mas não propôs quaisquer soluções. Esse é o problema da direita populista europeia: denuncia chagas reais, mas não propõe qualquer terapêutica exequível. Nada que se possa discutir.

Do lado da AD as ideias também não abundam; ele há grandes questões, como dizia o Conselheiro Acácio do Eça, mas quando toca a elencá-las, o discurso seca.

Miguel Sousa Tavares, no Expresso da semana anterior à última, declarava que a maior reforma fazer em Portugal era a da ferrovia, passando da rede do século XIX para uma rede moderna que sirva as populações no século XXI. O que tivemos no último ano, no seguimento do que tivemos nos últimos nove, foram umas vagas declarações de intenções sobre investimento mal feito na ferrovia. Ideias demasiado vagas para resolver seja o que for.

Carmen Garcia, no Público de Domingo apontava numa direcção totalmente diferente (e nada incompatível): uma reforma do sistema eleitoral que permitisse valorizar todos os votos em urna e não apenas os dos grandes centros urbanos. Duvido que alguém verdadeiramente queira ir por aí pelo que se viu nos últimos dez anos, mas bem falta faria uma reforma que criasse os círculos uninominais que a CRP já permite, a par com um círculo nacional de compensação.

Há imensas reformas urgentes à nossa espera, entre as quais na educação uma que aponte no sentido da autonomia de gestão e de recrutamento dos estabelecimentos de ensino a par do crédito por alunos de que cada escola usufruiria.

Uma profunda reforma do sistema nacional de saúde norteada por uma ideia simples: não interessa se são os privados ou o público quem providencia os serviços, o que interessa é que estes sejam prestados nas melhores condições e da forma mais racional. Não há racionalidade nenhuma em ter duplicado o orçamento da saúde em dez anos e prestar um serviço cada vez pior no momento em que a classe média já emigrou para o sector privado da saúde.

Na Justiça são múltiplas as reformas que gritam por ser realizadas, a começar por uma de fundo que consiste em acabar com a jurisdição administrativa e fiscal, um pequeno monstro que não funciona e cria problemas insolúveis aos portugueses e à economia.

Eu sei que, como disse um dia Durão Barroso, a AD não vinha preparada para isto, mas era bom que se preparasse rapidamente se quer poder disputar com a extrema direita populista a alma de Portugal. Para não ficar, como no poema de Fernando Pessoa (in “a mensagem”) a interrogar-se “que farei eu com esta espada?”.

Advogado, ex-secretário de estado da Justiça

Subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade