Infiltrados no submundo Incel. ‘Incentivei a matar-se’

Infiltrados no submundo Incel. ‘Incentivei a matar-se’


Em fóruns como o Incels.is e grupos privados no Discord, há misoginia, portugueses à procura de validação e até planos de vingança. Quem incentiva uma jovem ao suicídio é chamado de ‘herói’.


Durante várias semanas infiltrámo-nos no fórum internacional Incels.is e num grupo privado da rede social Discord, onde sob o anonimato, milhares de jovens – alguns deles portugueses -, partilham frustrações, discursos de ódio contra mulheres e fantasias de violência.

Os chamados “incels” ou celibatários involuntários são na sua maioria homens heterossexuais, que se definem como incapazes de encontrar uma parceira romântica ou sexual. A maior parte dos membros diz sentir-se invisível para o sexo oposto – e alguns chegam a descrever desejos de vingança.

Entrar nestes grupos não é difícil. Com um nome falso e uma fotografia de uma personagem masculina de um “dark anime” (série de animação japonesa com temas sombrios), estávamos dentro do “The Incel Lounge”, um grupo privado da plataforma online Discord. «És um verdadeiro incel?», questiona um dos 50 membros do grupo, assim que aceitámos o convite para entrar. Respondemos que sim e, pelo menos para já, conseguimos ter acesso a todas as mensagens trocadas no chat. A maioria das conversas são inofensivas: memes, piadas racistas e misóginas e desabafos sobre a rejeição por parte das mulheres por estas só quererem saber dos “chads” – termo usado para se referirem aos “machos alfa” ou homens atraentes, confiantes e populares.

Mas há quem vá mais longe. Um dos membros, que se apresenta com o username “Quil”, começa por perguntar: «Já algum de vocês matou alguém?». Ao início, ninguém parece levar a sério a questão e um dos participantes chega a ironizar que «suspeitava» que um ex-membro já o tivesse feito.

“Quil” continua então a contar que conversava com uma rapariga através das redes sociais, mas que também ela acabou por o rejeitar, o que o deixou com uma raiva profunda. «Comecei a mandar-lhe mensagens sem parar no whatsapp e por sms, até ela partir o telemóvel. Atirava-lhe à cara coisas que ela me contou sobre agressões por parte da mãe, sobre ela ter pensamentos suicidas e incentivei-a a matar-se», conta “Quil”, acrescentando que depois disso, a rapariga desapareceu das redes sociais. «Espero mesmo que se tenha matado».

Seja a história real ou apenas mais uma fantasia de violência contra mulheres, as reações de outros membros do grupo transformam “Quil”, numa espécie de «herói» ou «génio», como alguns o chamaram. É esta validação e sentimento de apoio que pode «amplificar ainda mais o risco de radicalização», alerta a psiquiatra Elsa Fernandes. «Estes grupos funcionam como um amparo psicológico. É acolhedor, os outros entendem o que eu sinto, há uma partilha, há um apoio mútuo. É como se eu fosse à procura de uma cura que alimenta a doença», diz.

Discord usado para incitar a violência
Inicialmente criado para comunidades de videojogos, o Discord tem-se tornado um terreno fértil para misoginia e radicalização. Dentro da plataforma, os utilizadores podem criar comunidades ou servidores, que podem ser privados ou públicos. Embora a empresa defenda que mantém políticas de tolerância zero para discurso de ódio, a estrutura descentralizada da plataforma dificulta a fiscalização efetiva.

Em 2024, foi detido um jovem português de 17 anos, no Norte do país, que geria um grupo no Discord em que incitava crimes violentos, incluindo um ataque a uma escola no Brasil com uma vítima mortal. O adolescente foi acusado de homicídio qualificado e incitamento ao ódio e à violência, que incluía automutilação grave de jovens, mutilação e morte de animais, ataques nas escolas. Todas estas ações eram filmadas pelos membros para depois partilhar no grupo.

Um relatório do “NYU Stern Center for Business and Human Rights”, divulgado em 2023, alerta para o facto de «o Discord, em particular, continua a alojar facilmente salas de chat detetáveis e explicitamente violentas entre os seus servidores». 51% de todos os jogadores inquiridos no estudo afirmam ter visto comentários extremistas e 36% sofreram assédio enquanto jogavam jogos multijogador online no ano anterior.

A maioria dos utilizadores (53%) da plataforma Discord tem entre 24 e 34 anos, seguidos por 20% da faixa etária de 16 a 24 anos; e sete em cada 10 utilizadores são homens.

Tugacels: portugueses no submundo incel
«Portugueses! Existe comunidade tugacel?», pergunta um dos 30 mil membros do fórum internacional online de incels: o “Incels.is”. Não é fácil identificar portugueses nestes grupos, já que o idioma mais falado é o inglês, mas eles existem.

«Estou neste fórum há algumas semanas e notei que a maneira como alguns homens falam sobre foids ( termo derivado de “femoide”, que combina “feminino” e “humanoide”, usado para desumanizar as mulheres) é bem diferente do que vejo no meu país – Portugal», comenta outro dos membros portugueses do grupo, com o username “Greycel”.

Em 2023, alguém com o nome “Lusitano Stallion” publicou um tópico no fórum com uma foto do jovem português que foi condenado por planear um ataque na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. «Este gajo estava a planear um ataque a uma universidade em Lisboa. Ele parece muito um incel».

Os poucos comentários de portugueses encontrados são aparentemente inofensivos, tal como a maioria dos que se encontram no fórum, que é usado principalmente para desabafar sobre a sua frustração sexual e culpabilizar o sexo feminino por ela.

Embora em menor número, não é difícil encontrar fantasias de violência e planos de vingança contra mulheres – alguns deles extremamente detalhados. Exemplo disso é um comentário publicado o ano passado por um incel brasileiro, conhecido pelo username “Døn”, que sugeria um passo a passo de como «violar uma cosplayer no Brasil Game Show (BGS)».

«As cosplayers são praticamente os nossos objetos sexuais, usadas como meros produtos para alimentarem as fantasias dos nerds nestes tipos de eventos como a BGS», começa por explicar “Døn”, que acolha os restantes membros a embebedar ou drogar a vítima com «lança perfume» (um entorpecente inalável). «As leis são como as mulheres, foram feitas para serem violadas», termina por dizer.