Setúbal é uma cidade governada pela CDU, mas os ares socialistas têm vindo a conquistar cada vez mais espaço aos comunistas e muitas das autarquias do distrito já são governadas pelo PS. A escolha do distrito para passar um dos últimos dias de campanha eleitoral era, portanto, óbvia numa altura em que a caravana socialista quer mostrar mobilização e apoio.
A primeira impressão que fica ao chegar à porta do mercado do Livramento, no centro da cidade e depois em todos os outros pontos de passagem de Pedro Nuno Santos, é o profissionalismo da máquina socialista. Nada é deixado ao acaso. Antes da chegada do líder, André Pinotes Batista, o Presidente da Federação local, vai colocando as peças e dando instruções para que não haja improvisos. Desde o posicionamento do grupo da juventude socialista que acompanha todas as ações, passando pela definição das mensagens de campanha que aparecem em pequenos cartazes empunhados por apoiantes, na moldura das imagens de Pedro Nuno Santos quando faz declarações â imprensa, até à definição do percurso e do ponto ideal para falar com a comunicação social, tudo está preparado muito antes da chegada do líder.
À frente e atrás da caravana, há sempre assessores atentos para evitar falhas ao guião. Uma observação atenta permite perceber que todos os percursos das arruadas foram feitos com antecedência para identificar locais onde posicionar apoiantes em varandas e outros pontos acima do horizonte visual. O objetivo é causar a impressão de que a passagem da arruada provoca reações entre os moradores e assim chamar a atenção das câmaras televisivas e das objetivas dos fotógrafos.
Antes de começar a visita ao mercado, os responsáveis pela comunicação vão lamentando aos jornalistas o enviesamento das amostras das muitas sondagens que estão a ser publicadas. Argumentam que grande parte dos inquiridos são licenciados e com idades compreendidas entre os 30 e os 50 anos. O eleitorado mais idoso e sem formação académica não está, do seu ponto de vista, representado nos estudos que têm vindo a ser divulgados.
Esta é a razão que leva os socialistas a insistirem num resultado final , no dia das eleições, que possa mais uma vez surpreender o país. O argumento é repetido à saciedade ao longo do dia, também pelo próprio Pedro Nuno Santos.
Fora da zona de conforto
É a falar em salas fechadas ou em comícios que Pedro Nuno Santos se sente mais confortável. Os contactos de rua e os cumprimentos de passagem, não são definitivamente a sua praia. Mesmo assim, o líder socialista segue o guião e passa grande parte dos seus dias de campanha em mercados e arruadas. Atrás de si, um militante leva um balde de rosas para o líder oferecer. É um desbloqueador de conversas, quase sempre muito rápidas, a menos que os interlocutores sejam mais expansivos.
No mercado do Livramento em Setúbal, Pedro Nuno Santos foi abordado por uma interlocutora surpresa. Joana Amaral Dias, acompanhada de uma pequena comitiva do ADN, à semelhança do que já tinha feito com Luís Montenegro na Ovibeja, apareceu de surpresa ao líder socialista para, em frente às câmaras, lhe perguntar se já tinha devolvido os 203 mil euros que ganhos em ajudas de custo da Assembleia da República. O ruído do mercado, acentuado no momento pelos gritos dos apoiantes e pelo arrufo dos tambores que acompanham a comitiva, abafaram o incómodo e Pedro Nuno seguiu em frente. O episódio, que já não era original, não passou de um fait divers no dia de campanha. À saída António Mendonça Mendes, cabeça de lista por Setúbal e a irmã, a eurodeputada Ana Catarina Mendes ainda pararam para cumprimentar Amaral Dias, que falava com jornalistas, mas afastaram-se rapidamente, não sem antes, com um sorriso a terem definido como «agit prop» da campanha.
Partido empenhado na vitória
Os dias têm sido cheios de visitas de notáveis do partido. É uma tradição socialista, mostrar um partido unido em tempo de campanha eleitoral e desta vez não é diferente.
Os nomes fortes socialistas foram escalados para aparecer e discursar. O alinhamento das intervenções está feito à medida para realçar o currículo e os méritos da governação socialista e o contributo de Pedro Nuno Santos para os resultados alcançados. Foi assim que Inês de Medeiros agradeceu ao líder socialista as casas que o município de Almada já conseguiu construir e as muitas que estão ainda em construção. A Álvaro Beleza ficou reservado o discurso sobre o Serviço Nacional de Saúde «a maior obra dos últimos cinquenta anos», que, de acordo com o também Presidente da Sedes só o PS pode acudir porque é «um porto seguro».
O caso Spinumviva já teve maior protagonismo na campanha do que tem por estes dias, mas é sempre um tema que vai pairando nos discursos. Até porque serve de mote para o argumento de que estas eleições «que não queríamos, nem desejámos», não se cansa de dizer Pedro Nuno Santos, ocorrem porque Montenegro as provocou por causa de um problema pessoal. Desde o dia em que a crise política se tornou inevitável que esta é a maior preocupação socialista: explicar aos portugueses que o Partido Socialista não é culpado pela crise. O histórico da democracia portuguesa já demonstrou que os portugueses tendem a punir quem consideram responsável, daí a insistência neste ponto.
Fact chek e o risco do liberalismo
À medida que a campanha se aproxima do fim, Pedro Nuno Santos, tal como Montenegro afinam a mensagem que querem deixar aos portugueses.
Nos dois discursos feitos pelo líder, o guião foi praticamente igual, a começar pelo início: «há cinco razões para que a AD perca as eleições e os portugueses voltem a dar a vitória ao PS que sabem que é o único partido que lhes dá segurança, em que podem confiar». As cinco razões têm que ser recuperadas pelo líder várias vezes ao longo do longo discurso em que Pedro Nuno Santos não quer deixar nenhum argumento de fora.
Para além da instabilidade, o líder socialista acusa a AD de incompetência por ter piorado a situação nos setores mais problemáticos como o SNS, a habitação e a educação. Como quem faz o fact chek dos anúncios de 11 meses de governação, o socialista que quer ser primeiro-ministro depois das eleições, desfia uma longa lista de argumentos para justificar a tese de que o executivo de Montenegro falhou em toda a linha.
A incapacidade de gerir crises é outra falha sempre apontada, recorrendo ao fecho de urgências, à má gestão da greve do INEM e até ao apagão, que, nas palavras de Pedro Nuno, «só não foi pior porque a REN resolveu o problema em pouco tempo».
O argumento mais forte fica guardado para o final: o perigo do radicalismo que pode destruir o SNS e o sistema de pensões. Os socialistas sabem que o grosso da sua base eleitoral está entre o eleitorado mais velho, maioritariamente reformados. O cenário provável de a Iniciativa Liberal poder fazer parte de uma solução de Governo com a Aliança Democrática, considerado provável em caso de vitória da AD, abre a porta para o discurso do medo. «A IL traz o acelerador, como diz o Cotrim. Acelerar o quê?», pergunta, «não podem mesmo passar». No discurso socialista, a haver um Governo da AD com a IL, a privatização das pensões será uma inevitabilidade. Pedro Nuno sabe que a reconciliação dos PSD com os reformados não é ainda um processo concluído e aposta tudo em reter esses votos, que para os socialistas podem fazer a diferença entre uma derrota e uma vitória.
O legado de António Costa está de volta
Se há um ano, as constantes referências à governação de António Costa causavam desconforto ao seu sucessor na liderança do PS. Agora esses tempos parecem estar completamente esquecidos.
O recurso à boa governação dos oito anos de Costa é uma constante para justificar a tal tese do «porto seguro» que é o PS, por oposição ao farol que Luís Montenegro se reclama ser. Augusto Santos Silva foi o protagonista no comício de Setúbal do elogio a Costa. «Vivemos tempos perigosos e de incerteza no mundo. O primeiro-ministro devia estar na Europa, junto dos outros líderes a encarar os desafios. Estive ao lado de António Costa durante muitos anos e sei como ele era consultado, numa base diária sobre as grandes questões».
O ex-presidente da Assembleia da República e ministro em várias pastas nos governos de António Costa usou o estatuto de senador para acusar Montenegro de «estar a conduzir o país à mediocridade», destruindo o legado do agora Presidente do Conselho Europeu. Para resgatar o país de uma situação que lhe causa «perplexidade e tristeza», Santos Silva apela aos presentes para que não se desperdicem votos à esquerda e se concentre o voto no PS.
Em defesa do Secretário-Geral Socialista, Santos Silva recorda a forma como Pedro Nuno Santos conduziu as negociações com os partidos à esquerda no tempo da geringonça, «sem desvios, nem cedências ideológicas», razão suficiente para que se possa ver nele um líder de confiança para dirigir o partido.
Numa entrevista exclusiva ao Nascer do SOL, Pedro Nuno Santos faz um último apelo aos eleitores, diz que Luís Montenegro é instável e que só o PS traz estabilidade
Pedro Nuno Santos. ‘Já mostrámos que sabemos negociar’
Qual é a última mensagem que quer deixar nesta campanha eleitoral?
Que é muito importante aproveitarmos esta oportunidade para ter um governo que consiga garantir estabilidade. O governo anterior, que esteve até agora em funções, não só não foi capaz de garantir estabilidade, como foi mesmo a fonte da instabilidade. Há problemas no nosso país que não só não foram resolvidos, como se degradaram, como é o caso da Saúde ou da própria Economia. Luís Montenegro herda uma economia a crescer e deixa, nos três primeiros meses do ano, uma economia a cair.
Nós queremos não só ganhar eleições para corrigir os problemas que não foram resolvidos, mas para dar um novo rumo a Portugal, tentar recuperar a economia, proteger o emprego, aumentar salários, aumentar pensões, salvar o SNS e construir casas.
Segundo as sondagens, no melhor cenário, mesmo com uma vitória do PS, as condições não vão ser muito diferentes daquelas que tivemos há um ano. Como é que o PS garante estabilidade nessas condições?
Nós só vamos para eleições por causa de um problema que envolve diretamente o ainda primeiro-ministro. Com uma vitória do PS nós garantiremos e trabalharemos com o Parlamento que sair das eleições para termos uma solução de estabilidade política em Portugal. E não há nenhuma razão para que isso não aconteça, porque todos os partidos também estão obrigados a contribuir para a estabilidade política.
Está disponível para aceitar condições que impôs ao Governo da AD durante este ano, como partilhar o cargo de presidente da Assembleia da República ou fazer cedências no orçamento?
Não faz sentido, nesta altura, estar a fazer conjeturas sobre o que é que vai acontecer a seguir ao dia 18 de maio. Nestes dias que restam temos de fazer o máximo ao nosso alcance para termos o melhor resultado possível e uma boa condição para governar. Depois, com o Parlamento que sair, logo veremos com quem é preciso falar, que condições é preciso garantir, mas, para isso, o Partido Socialista tem de ganhar as eleições.
Montenegro ainda vai ter problemas provenientes do caso Spinumviva?
Para já, há muita coisa que ainda não está e que não foi esclarecida, portanto, as dúvidas vão-se manter. Vamos tendo notícias novas todas as semanas. O país não pode estar permanentemente nesse ambiente de instabilidade que recai, desde logo, sobre o próprio primeiro-ministro.Estou convencido de que nós só teremos estabilidade política em Portugal se houver uma mudança de governo e de líder do governo.
Se o Partido Socialista ganhar, como espera, vai fazer essas negociações antes de reunir com Presidente da República?
Temos de esperar pelo dia 18 de maio. Já conseguimos mostrar – eu próprio, no passado – que conseguimos dialogar, negociar, ceder para garantir condições de governabilidade. Mas ajuda termos o melhor resultado possível
Para a estabilidade que promete, é essencial o que fará o próximo Presidente da República?
O Presidente da República é sempre uma peça importante. Este já não tem muita margem de manobra, portanto, terá de ficar para o próximo.
Era importante que o dia 18 de maio não fosse um momento, uma antecâmara de umas novas eleições. Quero que no dia 18 de maio nós consigamos mesmo uma solução estável para os próximos quatro anos.
O voto útil é no PS?
Isso é óbvio. A verdade é que só há uma alternativa à AD, que é o Partido Socialista, e a dispersão de votos não ajuda a essa mudança. Tenho apelado a uma concentração dos votos no PS, nomeadamente nos círculos eleitorais onde os partidos mais pequenos não conseguem eleger deputados, mas cujos votos são importantes, não só para eleger uma alternativa à AD, mas também para garantir, na ótica do PS, menos deputados do Chega no Parlamento.