Festivais de verão. Crise? Nada disso

Festivais de verão. Crise? Nada disso


Ainda que o cancelamento de alguns festivais de verão tenham deixado festivaleiros dececionados, o número destes eventos em Portugal tem crescido, o que até traz algum alento ao setor. Mas é certo que há mudanças e adaptações que têm acontecido ao longo dos anos e a forma de ‘festivalar’ já não é a mesma.


O verão é a altura preferida dos portugueses – e não só – no que diz respeito aos festivais de verão. Música, ar livre, outfits detalhadamente pensados, amigos e muita diversão são os ingredientes principais. Mas a indústria tem vindo a sofrer alterações ao longo dos últimos anos. Uns reinventam-se, outros não conseguem. Festivais míticos não vão receber festivaleiros este ano mas outros abrem portas pela primeira vez.

Ouvimos falar muito nas crises dos festivais de verão em Portugal e as notícias do cancelamento do North Festival, por motivos de localização, do Super Bock Super Rock, que procura uma nova promotora, ou do MEO Sudoeste, que passa pela mesma situação, fizeram disparar o alerta. Mas estará mesmo o setor dos festivais em crise? Há redução de festivais?

À LUZ, Ricardo Bramão, presidente APORFEST – Associação Portuguesa Festivais Música, garante: «Não existe redução», lembrando que o ano passado contou com «um recorde de 358 festivais de música e todas as tipologias (pequena, média e grande dimensão) tiveram aumentos» e que «este ano a tendência repete-se».

Questionado sobre se a ‘moda’ dos festivais está a perder-se, Ricardo Bramão assume que «está a existir uma nova forma de apreender e viver a música pelo público, nomeadamente nas classes mais jovens» mas garante que «os festivais estão cada vez mais transversais por todo o país». «Existiu o fenómeno de festivais mais mediáticos não ocorrerem, este ano, mas existem outros a ocupar esse espaço», defende, acrescentando que «sempre existiram festivais cancelados e adiados a cada ano e esse número é sempre muito pequeno».

Sobre as tendências para o futuro, o presidente da APORFEST adianta que «o fenómeno dos festivais está a inovar-se, veja-se o fenómeno da eletrónica, com festivais boutique, onde Portugal está a colocar um forte investimento através de diferentes promotores e na vinda de Dj’s internacionais, ao invés do pop/rock».

À LUZ, uma fonte ligada ao setor dos festivais defende: «Não chamaria crise ao que tem acontecido com os festivais de verão – não só em Portugal, mas no mundo inteiro –, acho que é mais uma fase de adaptação». Na opinião deste responsável, os principais responsáveis por estas alterações no panorama são os custos acrescidos na preparação destes eventos, bem como a concorrência ou as mudanças de comportamento do público.

«O facto de terem sido cancelados festivais muito importantes no país, não significa que vá acontecer o mesmo a outros. Morrem uns, nascem outros. Às vezes é uma questão de logística e em muitos casos podem ser até fatores alheios aos promotores», adianta.

Festivais cancelados

O alerta de que estariam a existir mudanças começa com o cancelamento de festivais muito acarinhados pelo público. O Super Bock Super Rock, por exemplo, foi adiado para 2026. Foi a própria marca cervejeira que anunciou que vai continuar a ser o naming sponsor do festival, mas que este não irá decorrer este ano por encontrar-se em «processo de transição». A notícia aconteceu depois do fim da ligação entre o festival e a promotora Música no Coração, de Luís Montez.

Já o Festival Sudoeste, realizado na Herdade da Casa Branca, também vai fazer uma pausa este ano. A organização – que também é a Música no Coração –, defendeu que esta pausa servirá para «um novo capítulo» na história do evento. Recorde-se que o Sudoeste perdeu o sponsor em 2023, a MEO.

E como não há duas sem três, o North Music Festival – que foi, aliás, o primeiro a ser cancelado –, previsto para este mês no Porto, foi cancelado, devido a «problemas internos relacionados com a autorização da cedência do recinto». Mas os espetáculos vão acontecer.

Lá fora, a ‘crise’ também acontece. Recordemo-nos, por exemplo, do Coachella Valley Music and Arts Festival, que recebe pessoas de todo o mundo e que rapidamente vê os bilhetes esgotar. Em 2024, este festival, que decorre anualmente na Califórnia, viu a velocidade da venda de bilhetes diminuir muito. E este ano a tendência seguiu-se. Para não falar das críticas. Decorrido em abril, a  poucos dias do seu início, os bilhetes ainda não tinham esgotado e havia muitos a serem revendidos a metade do preço inicial.

cartazes de peso

Mas se uns festivais mostram algumas dificuldades, outros continuam de vento em popa. Segundo dados da APORFEST, este ano há 13 novos festivais e ‘apenas’ cinco foram cancelados. Portanto, o saldo é positivo.

A título de exemplo, em Portugal, o NOS Alive volta ao Passeio Marítimo de Algés de 10 a 12 de julho e traz nomes como Olivia Rodrigo ou Kings of Leon. Antes, de 12 a 15 de junho, decorre no Porto o Primavera Sound. Traz nomes como Deftones, David Bruno, TV On the Radio, entre outros. Já para ver Sam Smith ou Massive Attack, é só participar no MEO Kolorama, de 19 a 21 de junho.

No MEO Marés Vivas, de 19 a 20 de julho, há nomes como Scorpions, Thirty Seconds to Mars, Miguel Araújo e os Quatro e Meia, Pedro Sampaio e Xutos e Pontapés. E estes são apenas alguns exemplos que provam que os festivais de verão ainda têm muito para mostrar e muitos nomes para trazer ao nosso país.

a importância na economia

Que os festivais de verão são um motor importante para a economia, é certo. Basta reparar que, na pandemia, em 2020, o efeito do cancelamento destes espetáculos teve um impacto superior a 1,6 mil milhões de euros na economia portuguesa.

No entanto, não se sabe ao certo quanto é que os festivais de verão dão à economia portuguesa. Podemos dizer que são milhares de milhões mas não há estudos que o comprovem. No ano passado, Daniel Sá, diretor executivo do Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM), chegou a defender que a indústria dos festivais de música em Portugal «não tem esse impacto calculado, ou seja, não existem dados para a realidade portuguesa do impacto nacional deste conjunto de indústrias».

Mas lembrou que vão aparecendo alguns estudos em relação a festivais específicos como é o caso do Primavera Sound. Os dados mais recentes mostram que este festival, que se realiza no Porto, gerou no ano passado menos cinco milhões de euros de impacto económico (43,4 milhões de euros) do que em 2023 (48,5 milhões de euros) que já tinha ultrapassado em 12,4 milhões de euros a edição de 2022.

O diretor executivo do IPAM defendia, no entanto, que «é fácil perceber, mesmo sem termos estudos, que à quantidade de festivais, à diversidade de localizações e ao número de bilhetes vendidos, estamos a falar de uma indústria importante e que gera impactos diretos e indiretos na economia nacional. Isso é inegável e são boas notícias para a economia portuguesa».

Mas nem todos são a favor da importância dos festivais de verão e há quem diga que Portugal tem este género de eventos em excesso. Uma ideia que Daniel Sá rejeita, ainda que a entenda. «A questão do excesso de oferta é discutível», começa por dizer. Mas explica: «Fica essa sensação, evidente que sim. Parece que estamos aqui três ou quatro meses seguidos com festivais uns atrás dos outros mas é preciso entender que o modelo de negócio da indústria da música mudou muito nos últimos anos», detalhando que as bandas e as editoras «ganhavam dinheiro, durante muitas décadas, com a venda dos discos, dos CDs e, neste momento, com a questão do streaming, o modelo de negócio reinventou-se». O responsável explicou ainda que o peso da música ao vivo «ganhou uma importância extraordinária em termos de receitas. Significa isto que uma banda, para sobreviver, tem que dar muito mais espetáculos ao vivo hoje do que há 10, 20 ou 30 anos porque depende muito mais disso em termos das receitas e da sobrevivência».

A explicação continua: «A indústria moldou-se de alguma forma para o ‘ao vivo’ e a música, sendo possível segmentá-la para tantos públicos diferentes, há sempre forma de ir alimentando esta indústria com diferentes festivais e ainda por cima porque se continua a atrair também públicos estrangeiros, quer os que já cá estão em turismo quer os que propositadamente vêm para cá».

É preciso ainda ter em conta que há milhares de estrangeiros a vir ao nosso país para assistir a concertos. Algo que é importante também para a nossa economia. Para ilustrar melhor a importância que os estrangeiros dão aos festivais no nosso país, Daniel Sá deu como exemplo o NOS Alive. «Nos últimos anos tem aparecido recorrentemente numa lista de top10, top20 dos melhores festivais de verão da Europa. Não apenas pelo cartaz que costuma apresentar mas também pelo pacote. Isto não é só o que consumimos dentro do recinto, mas também fora. E o fora, temos no fundo esta experiência sempre portuguesa de boa comida, segurança, boa qualidade, simpatia, este conceito de affordable service que temos em Portugal e muitas vezes mais competitivo e mais barato que em termos europeus».

E lembra: «Por estranho que pareça, para um inglês fica mais barato ir ao NOS Alive do que ia a Glastonbury [segundo maior festival de música a céu aberto do mundo] e está à porta de casa. Continuamos a ser uma boa solução», defende.