Ter um propósito


Descobrir um propósito é uma tarefa desafiante num mundo com cada vez mais opções, sendo que uma estimativa sugere que apenas um quinto dos jovens tem uma ideia clara do seu propósito.


Ainda se lembra o que é sonhar acordado? Quando ia num comboio e deixou passar a estação de destino ou à espera de uma consulta e não ouviu chamar o seu nome, enquanto a sua mente vagueava por possibilidades infinitas? Sonhar acordado pode parecer uma perda de tempo num mundo obcecado com produtividade e a gratificação imediata, mas é precisamente o oposto. Estudos demonstram que permitir que a mente divague estimula a criatividade, melhora a capacidade de resolver problemas e ajuda a planear o futuro. É, na verdade, uma atividade essencial para encontrarmos o nosso propósito, algo de que todos precisamos, mas que é essencial para empreendedores e inovadores.

Os nossos momentos de inatividade são ocupados por redes sociais, notificações e outras formas de entretenimento instantâneo. Esta ocupação constante do tempo esvazia o espaço necessário para refletir e imaginar futuros possíveis, tornando difícil descobrir aquilo que nos move, nos entusiasma e nos dá sentido: o propósito pessoal. Este propósito pode ser entendido como uma intenção abrangente que é pessoalmente significativa e tem consequências para o mundo para além de nós mesmos. Funciona como uma bússola que dá direção às nossas escolhas e evita que caiamos na armadilha do curto prazo: a tendência de decidir com base apenas em recompensas imediatas. Sem uma meta maior, facilmente entramos num ciclo reativo, sempre a responder ao que aparece, em vez de construirmos ativamente o nosso futuro. A um empreendedor não basta ter uma ideia inovadora; é preciso a segurança de conhecer o objetivo para persistir perante o fracasso, a incerteza e as dificuldades do percurso. Ter um propósito ajuda a tomar decisões com impacto de longo prazo, como escolher um curso, aceitar ou rejeitar uma nova oportunidade de trabalho, mudar de cidade ou de estilo de vida. De facto, aqueles que identificam o seu propósito mais cedo tendem a ter melhor saúde mental e maior resiliência perante os contratempos.

Descobrir um propósito é uma tarefa desafiante num mundo com cada vez mais opções, sendo que uma estimativa sugere que apenas um quinto dos jovens tem uma ideia clara do seu propósito. O paradoxo da escolha de Barry Schwartz diz-nos que o excesso de escolhas pode levar à ansiedade e indecisão. Os nossos interesses mudam, surgem novas paixões, sendo difícil saber o que é genuíno e duradouro. Além disso, a síndrome do impostor faz-nos duvidar das nossas próprias competências. Para encontrar o seu propósito, há estudos que sugerem algumas ações. Primeiro, é importante procurar novas experiências. Por exemplo, a participação em oportunidades socialmente úteis como voluntariado ou estágios que permitam o contacto com outras realidades. A experiência por si só não é suficiente; é essencial refletir sobre elas e encontrar-lhes significado. Por fim, é importante discutir as suas aspirações com amigos, que podem oferecer perspetivas diferentes sobre os seus objetivos.

O conceito japonês de ikigai oferece um bom ponto de partida: propõe que o propósito pessoal está na intersecção entre aquilo que gostamos de fazer, aquilo em que somos bons, o que o mundo precisa e aquilo pelo qual podemos ser pagos. Esta visão equilibrada entre paixão, talento, impacto e viabilidade económica é especialmente útil. Nas minhas aulas de empreendedorismo e inovação, uso uma ferramenta do site “teachingentrepreneurship.org” chamada “Pilot Your Purpose”, que ajuda a guiar esta reflexão. O processo começa por levar os alunos a identificar os seus interesses, sugerindo que enviem uma mensagem aos seus amigos: “Se tivesses de dizer qual é o tema de que estou sempre a falar, o que dirias?” Depois, devem refletir sobre as atividades que fariam se não se tivessem de preocupar com dinheiro e de como ocupam atualmente os seus tempos livres. Em seguida, passamos à identificação das competências, voltando a perguntar aos amigos: “O que é que achas que faço bem?” A perspetiva dos outros ajuda a revelar os nossos pontos fortes e as áreas onde podemos ter impacto. Depois devem escolher as competências que gostariam de melhorar e aquelas em que sentem estar acima da média. A combinação dos interesses com as competências deverá revelar as paixões pessoais. O passo seguinte é o da identificação dos tipos de impacto que mais valorizam: os grupos de pessoas que gostariam de ajudar e os problemas locais ou globais que mais gostariam de tentar resolver. O propósito pessoal deverá resultar da junção das paixões com o impacto que se deseja gerar. Como nem sempre é fácil fazer essa ligação, pode ser interessante recorrer à ajuda de um modelo de linguagem como o ChatGPT, iniciando uma interação com: “Pede-me uma lista das minhas paixões. Em seguida, pede-me uma lista dos tipos de impactos que gostaria de ter. Depois, usa essas listas para me ajudar a descobrir 3 a 5 potenciais declarações de propósito pessoal.”

A caminhada em direção a um propósito pessoal pode-se comparar a uma jornada empreendedora. Assim como uma startup define marcos para avaliar progresso, também podemos beneficiar com o estabelecimento de objetivos intermédios. O segredo é equilibrar continuamente a procura de experiências, a autorreflexão e o impacto social para encontrar a nossa “zona ideal de descoberta de propósito”. Esta busca pode ser longa e por vezes incerta, mas é fundamental para uma vida com sentido. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, escreveu que “A vida nunca se torna insuportável pelas circunstâncias, mas apenas pela falta de sentido e propósito.” Mesmo nas circunstâncias mais adversas, acreditar que a vida tem um propósito ajuda-nos a resistir e a encontrar resiliência. O primeiro passo pode ser tão simples como manter o telemóvel guardado na próxima pausa e deixar a mente vaguear.

Professor do Instituto Superior Técnico

Ter um propósito


Descobrir um propósito é uma tarefa desafiante num mundo com cada vez mais opções, sendo que uma estimativa sugere que apenas um quinto dos jovens tem uma ideia clara do seu propósito.


Ainda se lembra o que é sonhar acordado? Quando ia num comboio e deixou passar a estação de destino ou à espera de uma consulta e não ouviu chamar o seu nome, enquanto a sua mente vagueava por possibilidades infinitas? Sonhar acordado pode parecer uma perda de tempo num mundo obcecado com produtividade e a gratificação imediata, mas é precisamente o oposto. Estudos demonstram que permitir que a mente divague estimula a criatividade, melhora a capacidade de resolver problemas e ajuda a planear o futuro. É, na verdade, uma atividade essencial para encontrarmos o nosso propósito, algo de que todos precisamos, mas que é essencial para empreendedores e inovadores.

Os nossos momentos de inatividade são ocupados por redes sociais, notificações e outras formas de entretenimento instantâneo. Esta ocupação constante do tempo esvazia o espaço necessário para refletir e imaginar futuros possíveis, tornando difícil descobrir aquilo que nos move, nos entusiasma e nos dá sentido: o propósito pessoal. Este propósito pode ser entendido como uma intenção abrangente que é pessoalmente significativa e tem consequências para o mundo para além de nós mesmos. Funciona como uma bússola que dá direção às nossas escolhas e evita que caiamos na armadilha do curto prazo: a tendência de decidir com base apenas em recompensas imediatas. Sem uma meta maior, facilmente entramos num ciclo reativo, sempre a responder ao que aparece, em vez de construirmos ativamente o nosso futuro. A um empreendedor não basta ter uma ideia inovadora; é preciso a segurança de conhecer o objetivo para persistir perante o fracasso, a incerteza e as dificuldades do percurso. Ter um propósito ajuda a tomar decisões com impacto de longo prazo, como escolher um curso, aceitar ou rejeitar uma nova oportunidade de trabalho, mudar de cidade ou de estilo de vida. De facto, aqueles que identificam o seu propósito mais cedo tendem a ter melhor saúde mental e maior resiliência perante os contratempos.

Descobrir um propósito é uma tarefa desafiante num mundo com cada vez mais opções, sendo que uma estimativa sugere que apenas um quinto dos jovens tem uma ideia clara do seu propósito. O paradoxo da escolha de Barry Schwartz diz-nos que o excesso de escolhas pode levar à ansiedade e indecisão. Os nossos interesses mudam, surgem novas paixões, sendo difícil saber o que é genuíno e duradouro. Além disso, a síndrome do impostor faz-nos duvidar das nossas próprias competências. Para encontrar o seu propósito, há estudos que sugerem algumas ações. Primeiro, é importante procurar novas experiências. Por exemplo, a participação em oportunidades socialmente úteis como voluntariado ou estágios que permitam o contacto com outras realidades. A experiência por si só não é suficiente; é essencial refletir sobre elas e encontrar-lhes significado. Por fim, é importante discutir as suas aspirações com amigos, que podem oferecer perspetivas diferentes sobre os seus objetivos.

O conceito japonês de ikigai oferece um bom ponto de partida: propõe que o propósito pessoal está na intersecção entre aquilo que gostamos de fazer, aquilo em que somos bons, o que o mundo precisa e aquilo pelo qual podemos ser pagos. Esta visão equilibrada entre paixão, talento, impacto e viabilidade económica é especialmente útil. Nas minhas aulas de empreendedorismo e inovação, uso uma ferramenta do site “teachingentrepreneurship.org” chamada “Pilot Your Purpose”, que ajuda a guiar esta reflexão. O processo começa por levar os alunos a identificar os seus interesses, sugerindo que enviem uma mensagem aos seus amigos: “Se tivesses de dizer qual é o tema de que estou sempre a falar, o que dirias?” Depois, devem refletir sobre as atividades que fariam se não se tivessem de preocupar com dinheiro e de como ocupam atualmente os seus tempos livres. Em seguida, passamos à identificação das competências, voltando a perguntar aos amigos: “O que é que achas que faço bem?” A perspetiva dos outros ajuda a revelar os nossos pontos fortes e as áreas onde podemos ter impacto. Depois devem escolher as competências que gostariam de melhorar e aquelas em que sentem estar acima da média. A combinação dos interesses com as competências deverá revelar as paixões pessoais. O passo seguinte é o da identificação dos tipos de impacto que mais valorizam: os grupos de pessoas que gostariam de ajudar e os problemas locais ou globais que mais gostariam de tentar resolver. O propósito pessoal deverá resultar da junção das paixões com o impacto que se deseja gerar. Como nem sempre é fácil fazer essa ligação, pode ser interessante recorrer à ajuda de um modelo de linguagem como o ChatGPT, iniciando uma interação com: “Pede-me uma lista das minhas paixões. Em seguida, pede-me uma lista dos tipos de impactos que gostaria de ter. Depois, usa essas listas para me ajudar a descobrir 3 a 5 potenciais declarações de propósito pessoal.”

A caminhada em direção a um propósito pessoal pode-se comparar a uma jornada empreendedora. Assim como uma startup define marcos para avaliar progresso, também podemos beneficiar com o estabelecimento de objetivos intermédios. O segredo é equilibrar continuamente a procura de experiências, a autorreflexão e o impacto social para encontrar a nossa “zona ideal de descoberta de propósito”. Esta busca pode ser longa e por vezes incerta, mas é fundamental para uma vida com sentido. Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente do Holocausto, escreveu que “A vida nunca se torna insuportável pelas circunstâncias, mas apenas pela falta de sentido e propósito.” Mesmo nas circunstâncias mais adversas, acreditar que a vida tem um propósito ajuda-nos a resistir e a encontrar resiliência. O primeiro passo pode ser tão simples como manter o telemóvel guardado na próxima pausa e deixar a mente vaguear.

Professor do Instituto Superior Técnico