Nota Prévia: Houve apertos no coração quando se ouviu que o novo Papa é americano. Até porque Trump tinha expressado esse desejo. O alívio surgiu em segundos ao ver-se que não era o arcebispo de Nova Iorque, mas alguém de Chicago, onde nasceu. Dado fundamental, o sucessor de Francisco esteve no Peru como missionário (a Igreja dos mais excluídos) e bispo. Até tem dupla nacionalidade por opção própria, o que leva os peruanos a celebrar a eleição de um compatriota. Os Estados Unidos só tiveram dois presidentes católicos (Kennedy e Biden) e têm uma matriz protestante. Lá, o Papa não é a referência que é na Europa. Francisco fê-lo cardeal e trouxe-o para a cúria. Na forma como se paramentou na apresentação ao mundo, Leão XIV remeteu para Bento XVI e o regresso à tradição, ao contrário do despojado franciscano que o antecedeu. Faltou ver se voltou aos sapatos encarnados. Porém, quando falou percebeu-se que a semente do surpreendente Francisco está nele, o que confirmou logo na primeira missa que celebrou, iniciando-a simbolicamente na sua língua materna, o inglês. Nos atos subsequentes do fim de semana, a mensagem foi reforçada. Viu-se também que já há grande adesão ao novo Bispo de Roma, que apelou a que não haja medo de seguir a vocação sacerdotal, enquanto condenava a guerra na Ucrânia e em Gaza. No Vaticano, Francisco confiou a Prevost o influentíssimo dicastério dos bispos. É uma função que alguns veem como o topo dos recursos humanos da Igreja. Dela recusou as honrarias e o apartamento sumptuoso a que tinha direito, alojando-se na casa da sua Ordem de Santo Agostinho. Sendo relativamente novo, altamente preparado em termos académicos (é matemático) e pastorais, o Papa Prevost (descendente de imigrantes como a esmagadora maioria dos americanos do norte, centro e sul) deverá ter um mandato longo e complexo. Tem a tripla vantagem de conhecer transversalmente as facetas e os dilemas da Igreja, os problemas das sociedades modernas de alta prosperidade ou de pobreza quase absoluta, cada qual com as suas grandezas, misérias e contrastes. A Igreja voltou a surpreender, desta vez com um homem que conhece de perto realidades opostas e até antagónicas. Quanto a ser americano, há a consolação de que não era manifestamente ele que Trump e sobretudo Vance queriam, sendo considerado o mais latino dos cardeais dos Estados Unidos.
1. O suplício da mais desinteressante, absurda e inoportuna campanha eleitoral está a acabar. Nada de verdadeiramente importante aconteceu até agora. O ataque dos palermas climáticos a Rui Rocha e as investidas ciganas sobre Ventura são recorrentes. Mas, claro, o trabalho de campo faz ainda parte e conta para o boneco da noite na TV. Domingo, os portugueses votam em mais umas legislativas. As sondagens não anteveem nada de muito diferente, sendo improvável emergir um cenário de estabilidade. A AD parte favorita. O PS está menos longe do que se pensava. O Chega mantém a posição. Se assim for, a indesejável instabilidade vai manter-se. A governabilidade é mesmo o grande berbicacho num país que precisa de crescer mais do que nunca e que vai deixar de ter os gigantescos apoios comunitários que vem recebendo há 50 anos. Claro que há a hipótese improvável do manhoso Zé Povinho que há em cada um de nós decidir, no segredo da cabine, fazer qualquer coisa diferente daquilo que assegura aos estudiosos da opinião que os interpelam e aos comentadores que o interpretam sem parar. É desejável porque estamos num tempo em que manter tudo como está se torna impossível, se quisermos ser um país produtivo e equilibrado, o que não é fácil depois de um quarto de século de imobilismo quase absoluto. Vê-se, por exemplo, com o caso da inútil CP e um Estado tentacular que nos arrastam para a falência. Quanto à análise fina e sociológica do resultado eleitoral, fica uma dupla nota antecipada. Será fundamental ter em conta o número de votos concretos que cada um dos três maiores partidos receber e a abstenção total e comprar com a duas eleições anteriores. E foi novamente relevante a mobilização para o voto antecipado pedido por mais de 300 mil. Para eles, já não conta a campanha, nem há indecisão possível. O mal ou o bem, está feito.
2. A sistemática campanha de provocação intimidatória que a comunidade cigana faz à caravana de André Ventura tem potencial para gerar um efeito perverso e favorecer o Chega. Saliente-se a benevolência da reportagem e do comentariado político-mediático face à situação.
3. Depois de uma polémica por causa do astronómico salário de origem do primeiro indigitado que desistiu do convite (Hélder Rosalino oriundo do Banco de Portugal), Montenegro foi buscar aos Açores o pensionista e ex-ministro Costa Neves para secretário-geral do governo. Este patriota até aceitou perder dinheiro e voltar ao bulício do continente. O processo foi amplamente comentado. A posse ocorreu em junho passado. A tarefa é fulcral para a desejada e nunca feita reforma da administração pública. Problema: desde então não há nota de qualquer ação por mínima que seja. Será que a máquina engoliu o dr. Neves e seus diversos adjuntos?
4. No dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 de maio, a Universidade de Coimbra, Alma Mater das universidades lusófonas, promoveu uma conferência sob o tema “O que fazer com a Língua Portuguesa?”. A matéria foi desenvolvida pela eminente especialista Ana Paula Laborinho. Simbólica e oportunamente, a UC, representada pelo reitor, Amílcar Falcão, e o vice-reitor, João Nuno Calvão da Silva, decidiu homenagear Vítor Ramalho, ex-secretário-geral da UCCLA (organização que agrega as capitais lusófonas), pelo seu trabalho incansável no estabelecimento de contactos permanentes e fluidos no espaço da CPLP e da lusofonia. Nascido numa Angola e numa África que lhe estão na alma, Vítor Ramalho teve a oportunidade de ali encontrar estudantes e amigos. Foi o caso de António Campos, referência moral do soarismo e do partido socialista, de que ambos foram dirigentes. Um belo momento. E provavelmente o único em que, no dia próprio, se celebrou com a dignidade exigida a língua de Camões e um dos seus cultores.
5. Este ano haverá eleições para a Associação Mutualista Montepio Geral. Embora apresente manifestas fragilidades e seja dona de um banco com fracos resultados quando comparados com os da concorrente Caixa Agrícola, há na associação quem aufira vencimentos de futebolista craque. Um absurdo! Mais uma vez a gigantesca maioria dos 600 mil associados deverá abster-se, deixando a instituição na mão de uns quantos. É tema sobre o qual pouco se escreve nos média e relativamente ao qual o regulador não parece ter nada a assinalar. Há algo ilógico no vasto grupo Montepio, pois quem manda nele e se mobiliza para votar é sobretudo quem lá trabalha, agindo, em muitos casos, em função de interesses mais pessoais do que institucionais.
6. Glória da nossa pastelaria de balcão, inovadora ao ponto de ser vista como uma espécie de McTuga dado o conceito original, considerada uma prova do dinamismo e do potencial de jovens investidores nacionais pelo desenho da implantação, empregadora de muitos outros jovens embora mal pagos, a Padaria Portuguesa é agora espanhola. Olé! Ainda não foi desta que a economia atravessou a fronteira no sentido do Levante. Antes pelo contrário. A próxima conquista de “nuestros hermanos” pode ser a empresa agrícola Vale da Rosa, pioneira na uva sem grainha e que está em evidentes dificuldades e à procura de um acordo de credores. No Alqueva há semelhanças. Quem mais cultiva do lado de cá também são grupos espanhóis. Há sempre a consolação de saber que são bem geridos, embora com danos ambientais excessivos. Já não tínhamos bancos privados portugueses relevantes por falta de competência dos donos. A distribuição ainda tem dois grupos nacionais de grande dimensão. Mas a espanhola Mercadona cresce com sucesso. Talvez os espanhóis nos pudessem dar o jeito de pegar na CP e na Refer e fazer o TGV à medida do deles, que é o melhor e maior da Europa. Somos mesmo pequenininhos em certas coisas. As nossas grandes marcas mundiais são CR7 e, claro, o Mateus Rosé. Com as evidentes alterações climáticas, é capaz de ser difícil manter a imagem de país de sol, praia e turismo. Só nos faltava mais essa.