Em modo estaladiço


Esta crocância democrática, de Portugal como de outros estados-membros da União Europeia, num mundo incerto e em reajustes perigosos, tem tudo para acabar em quebra da camada de gelo e destruição do sistema de Abril.


Não, não é de gastronomia, mas da superfície que a política em Portugal e em muitos pontos da Europa está a pisar, de uma camada de gelo fina que tem tudo para quebrar ou derreter, até porque temos alterações climáticas, com fenómenos meteorológicos extremos com maior frequência.

É quebradiço nos pressupostos, nas propostas, nas circunstâncias, nos resultados e nos sinais que emana para as sociedades.

O estaladiço dos pressupostos de que as pessoas, os media e as redes sociais continuam a pensar, a posicionar e a agir como sempre o fizeram, admitindo ou tolerando um conjunto de atitudes como faziam no passado. Há cansaço cívico acumulado, pelos casos, pela falta de respostas, pela ausência de perspetivas positivas individuais e comunitárias e pelo chorrilho de desinformação e de insuficiência de explicação das opções e das realidades que graceja no espaço público.

O quebradiço das propostas, ajustadas às métricas eleitorais e às ambições de acesso ao poder para fazer diferente ou melhor destruindo o que estava feito sem avaliar, a um ritmo alucinante de mudança de protagonistas e de opções, com desperdício de recursos públicos e impossibilidade de verificação da assertividade das opções. Entra um novo governo, um novo político ou uma nova circunstância e muda tudo, mantendo-se apenas o foco nas necessidades eleitorais, como acontece atualmente com a disputa dos votantes mais ativos: os reformados e pensionistas.

O estaladiço das circunstâncias, sempre ajustadas ao umbigo, à manutenção ou ao acesso ao poder, em função de agendas particulares, sem pensar que o país, as pessoas e os territórios perduram sempre além ao momento de cada um e que existem problemas estruturais e desafios que superam o tempo das legislaturas e dos governos de turno.

A falta de consistência dos resultados, dos impactos das opções políticas, jogados em função das abordagens e das leituras para se ajustarem às narrativas políticas do exercício político ou das campanhas eleitorais, sempre sem uma visão integrada que não marginalize cidadãos e territórios, porque desprovidos de voz e de relevância eleitoral, em todo o caso sempre nivelado por baixo, pelos mínimos.

O estaladiço da sinalização que os partidos, os políticos e os media dão aos cidadãos e à comunidade, em bailados de chicoespertice, de fins que justificam todos os meios e de falta de coerência no que é dito e feito, que lançam uma triste orientação de relativização das regras, dos processos e do sentido de vivência em comunidade de acordo com valores e normas que perfazem o contrato social num estado de direito democrático.

Esta crocância democrática, de Portugal como de outros estados-membros da União Europeia, num mundo incerto e em reajustes perigosos, sem níveis mínimos de responsabilidade, compromisso e sentido de Estado para a construção de respostas sustentáveis aos problemas e necessidades do país, tem tudo para acabar em quebra da camada de gelo e destruição do sistema de Abril. E será assim, se continuarmos a ajustar tudo aos interesses particulares, das greves na CP à ausência de debate sobre os desafios da União Europeia e da América de Trump, da mobilização dos eleitores ativados e desprezo dos abstencionistas ou da incapacidade para gerar agilização dos processos de decisão e de concretização em democracia, sem perda de rigor e transparência.

O país vai a votos a 18 de maio, depois de uma crise política gerada por uma insuficiente maioria de governo da AD que se comportou sempre como se tivesse uma ampla maioria absoluta e por um primeiro-ministro que quis ser opaco na sua passagem pelo setor privado, num registo de enfado, com baixas expetativas de governabilidade e de geração de condições para fazer o que é preciso, depois do debate político passar ao lado de muitos problemas nacionais e internacionais, que terão impacto condicionante nas condições do exercício político. O mundo está em acelerada mutação, alguns insistem nas receitas, nos comportamentos e nas visões de sempre, demasiado estaladiças e arriscadas para o tempo em que estamos.

Com maior ou menor entusiasmo, o importante é ir votar, na continuidade ou na mudança, tendo presente que o mero protesto, como a pulverização da diversidade, sendo respeitáveis, podem ser inconsequentes para a procura da estabilidade e da governabilidade. Neste contexto, em que alguns lutam pela sobrevivência política e pela manutenção do poder conquistado, ou ganha a AD ou ganha o PS, governar, como diz o povo, “são outros quinhentos”.

Portugal precisa de mais noção do interesse geral e de compromisso, sob pena do piso estaladiço, por deslaço social e falta de compromisso democrático, dar lugar ao sistema ser deitado fora com a água do banho, algo que começa pela instabilidade e a falta de respostas para as pessoas e os territórios. Basta ver o que está a acontecer na Europa e nos Estados Unidos para termos uma amostra ou uma antecipação, melhor que qualquer sondagem. É votar. É agir para concretizar respostas ou o estaladiço quebra mesmo.

NOTAS FINAIS

E TRUMP CONSEGUIU. O Índice de Perceção da Democracia (IPD) é o maior estudo anual do mundo sobre a forma como as pessoas percecionam a democracia, realizado pela Nira Data em colaboração com a Aliança das Democracias. Segundo esse estudo, a China é agora mais popular do que os EUA na maior parte da Europa, com apenas a Lituânia, a Hungria, a Polónia e o Reino Unido a classificarem Washington acima de Pequim.

EXPETATIVA POSITIVA. O novo Papa, Leão XIV, de origem norte-americana e vivência peruana, gerou uma expetativa positiva, pelo seu passado e pelos sinais simbólicos e verbais que já deu ao mundo. Tudo o que precisamos, de quem, na diversidade, some e ajude a criar pontes, em vez dos muros vigentes e em edificação.

ABUSO DE FÉ. Sem olhar a meios, a toque de desespero, dos “focus group” ou da “tracking-poll”, Luís Montenegro não hesitou em recorrer a dois abusos de fé para fins partidários, à moda de outros tempos em que essas linhas dedicadas não existiam no plano da mediatização. Em política, não pode valer tudo, Montenegro parece não ter limites, tanto no privado como no político-partidário.

DESFASAMENTO FATAL. O desfasamento de tempo entre a decisão e a concretização ameaça a valorização e o compromisso dos cidadãos com a democracia. Com uma realidade acelerada, volátil e exigente ou os sistemas democráticos agilizam o processo de decisão e de materialização das respostas, sem perder o essencial do rigor e do escrutínio, ou teremos problemas sérios.

Em modo estaladiço


Esta crocância democrática, de Portugal como de outros estados-membros da União Europeia, num mundo incerto e em reajustes perigosos, tem tudo para acabar em quebra da camada de gelo e destruição do sistema de Abril.


Não, não é de gastronomia, mas da superfície que a política em Portugal e em muitos pontos da Europa está a pisar, de uma camada de gelo fina que tem tudo para quebrar ou derreter, até porque temos alterações climáticas, com fenómenos meteorológicos extremos com maior frequência.

É quebradiço nos pressupostos, nas propostas, nas circunstâncias, nos resultados e nos sinais que emana para as sociedades.

O estaladiço dos pressupostos de que as pessoas, os media e as redes sociais continuam a pensar, a posicionar e a agir como sempre o fizeram, admitindo ou tolerando um conjunto de atitudes como faziam no passado. Há cansaço cívico acumulado, pelos casos, pela falta de respostas, pela ausência de perspetivas positivas individuais e comunitárias e pelo chorrilho de desinformação e de insuficiência de explicação das opções e das realidades que graceja no espaço público.

O quebradiço das propostas, ajustadas às métricas eleitorais e às ambições de acesso ao poder para fazer diferente ou melhor destruindo o que estava feito sem avaliar, a um ritmo alucinante de mudança de protagonistas e de opções, com desperdício de recursos públicos e impossibilidade de verificação da assertividade das opções. Entra um novo governo, um novo político ou uma nova circunstância e muda tudo, mantendo-se apenas o foco nas necessidades eleitorais, como acontece atualmente com a disputa dos votantes mais ativos: os reformados e pensionistas.

O estaladiço das circunstâncias, sempre ajustadas ao umbigo, à manutenção ou ao acesso ao poder, em função de agendas particulares, sem pensar que o país, as pessoas e os territórios perduram sempre além ao momento de cada um e que existem problemas estruturais e desafios que superam o tempo das legislaturas e dos governos de turno.

A falta de consistência dos resultados, dos impactos das opções políticas, jogados em função das abordagens e das leituras para se ajustarem às narrativas políticas do exercício político ou das campanhas eleitorais, sempre sem uma visão integrada que não marginalize cidadãos e territórios, porque desprovidos de voz e de relevância eleitoral, em todo o caso sempre nivelado por baixo, pelos mínimos.

O estaladiço da sinalização que os partidos, os políticos e os media dão aos cidadãos e à comunidade, em bailados de chicoespertice, de fins que justificam todos os meios e de falta de coerência no que é dito e feito, que lançam uma triste orientação de relativização das regras, dos processos e do sentido de vivência em comunidade de acordo com valores e normas que perfazem o contrato social num estado de direito democrático.

Esta crocância democrática, de Portugal como de outros estados-membros da União Europeia, num mundo incerto e em reajustes perigosos, sem níveis mínimos de responsabilidade, compromisso e sentido de Estado para a construção de respostas sustentáveis aos problemas e necessidades do país, tem tudo para acabar em quebra da camada de gelo e destruição do sistema de Abril. E será assim, se continuarmos a ajustar tudo aos interesses particulares, das greves na CP à ausência de debate sobre os desafios da União Europeia e da América de Trump, da mobilização dos eleitores ativados e desprezo dos abstencionistas ou da incapacidade para gerar agilização dos processos de decisão e de concretização em democracia, sem perda de rigor e transparência.

O país vai a votos a 18 de maio, depois de uma crise política gerada por uma insuficiente maioria de governo da AD que se comportou sempre como se tivesse uma ampla maioria absoluta e por um primeiro-ministro que quis ser opaco na sua passagem pelo setor privado, num registo de enfado, com baixas expetativas de governabilidade e de geração de condições para fazer o que é preciso, depois do debate político passar ao lado de muitos problemas nacionais e internacionais, que terão impacto condicionante nas condições do exercício político. O mundo está em acelerada mutação, alguns insistem nas receitas, nos comportamentos e nas visões de sempre, demasiado estaladiças e arriscadas para o tempo em que estamos.

Com maior ou menor entusiasmo, o importante é ir votar, na continuidade ou na mudança, tendo presente que o mero protesto, como a pulverização da diversidade, sendo respeitáveis, podem ser inconsequentes para a procura da estabilidade e da governabilidade. Neste contexto, em que alguns lutam pela sobrevivência política e pela manutenção do poder conquistado, ou ganha a AD ou ganha o PS, governar, como diz o povo, “são outros quinhentos”.

Portugal precisa de mais noção do interesse geral e de compromisso, sob pena do piso estaladiço, por deslaço social e falta de compromisso democrático, dar lugar ao sistema ser deitado fora com a água do banho, algo que começa pela instabilidade e a falta de respostas para as pessoas e os territórios. Basta ver o que está a acontecer na Europa e nos Estados Unidos para termos uma amostra ou uma antecipação, melhor que qualquer sondagem. É votar. É agir para concretizar respostas ou o estaladiço quebra mesmo.

NOTAS FINAIS

E TRUMP CONSEGUIU. O Índice de Perceção da Democracia (IPD) é o maior estudo anual do mundo sobre a forma como as pessoas percecionam a democracia, realizado pela Nira Data em colaboração com a Aliança das Democracias. Segundo esse estudo, a China é agora mais popular do que os EUA na maior parte da Europa, com apenas a Lituânia, a Hungria, a Polónia e o Reino Unido a classificarem Washington acima de Pequim.

EXPETATIVA POSITIVA. O novo Papa, Leão XIV, de origem norte-americana e vivência peruana, gerou uma expetativa positiva, pelo seu passado e pelos sinais simbólicos e verbais que já deu ao mundo. Tudo o que precisamos, de quem, na diversidade, some e ajude a criar pontes, em vez dos muros vigentes e em edificação.

ABUSO DE FÉ. Sem olhar a meios, a toque de desespero, dos “focus group” ou da “tracking-poll”, Luís Montenegro não hesitou em recorrer a dois abusos de fé para fins partidários, à moda de outros tempos em que essas linhas dedicadas não existiam no plano da mediatização. Em política, não pode valer tudo, Montenegro parece não ter limites, tanto no privado como no político-partidário.

DESFASAMENTO FATAL. O desfasamento de tempo entre a decisão e a concretização ameaça a valorização e o compromisso dos cidadãos com a democracia. Com uma realidade acelerada, volátil e exigente ou os sistemas democráticos agilizam o processo de decisão e de materialização das respostas, sem perder o essencial do rigor e do escrutínio, ou teremos problemas sérios.