Apagão e soberania energética


O que acontecerá se o próximo apagão durar mais umas horas?


O APAGÃO, A REN E O GOVERNO

O apagão de 28 de Abril de 2025 foi o mais grave em Portugal e Espanha nas últimas décadas, afectando milhões de pessoas e provocando um colapso generalizado em múltiplos sectores essenciais. A falha eléctrica, ocorrida às 11h33, paralisou transportes públicos (metro, comboios, aeroportos), deixou semáforos inoperacionais e causou grandes congestionamentos de trânsito, dificultando a mobilidade e a resposta das estruturas de segurança e apoio. Hospitais recorreram a geradores de emergência para manter serviços críticos, mas a falta de reserva de combustível colocou algumas unidades em risco.

O Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) enfrentou dificuldades de funcionamento, sobretudo em comandos da PSP, INEM e corporações de bombeiros na região Norte, com relatos de degradação e falhas em rádios de emergência. O sistema de telecomunicações esteve à beira do colapso total: durante quase dez horas, as redes móveis e fixas dependeram de baterias e geradores, cuja autonomia estava no limite, já que o sector não é considerado prioritário na gestão de combustível de emergência. Operadoras desligaram o 5G e limitaram o uso de dados para poupar energia, mas mesmo assim houve falhas graves nas comunicações e acesso à internet em todo o país.

A ausência inicial de informação credível sobre a duração do apagão gerou preocupação e incerteza, levando a uma corrida aos supermercados, esgotando água e bens essenciais. No meio deste caos, população e serviços essenciais reagiram com a normalidade possível, concentrando-se nas urgências e mantendo cuidados críticos em funcionamento.

Após as primeiras horas de dificuldade, as duas centrais de “black-start” existentes conseguem arrancar às 15h11 e 16h26. A REN comunica com a população pelas 18h30 e, em articulação com a E-Redes, operadores e REE, trabalha de forma célere para restabelecer a energia, conseguindo repor o funcionamento de todas as subestações da Rede Nacional de Transporte às 23h22, cerca de 12 horas depois do apagão, o que permitiu que a distribuição de energia fosse normalizada em todo o país. Um facto verdadeiramente notável!

O episódio expôs fragilidades na resiliência e redundância das infra-estruturas nacionais, tanto no sector energético como no das comunicações, motivando críticas à resposta governamental e à necessidade de reforço da preparação para futuras crises. Ao contrário do que clamou a oposição, considero que o Governo, na coordenação da sua retaguarda e na comunicação com a população, esteve presente e transmitiu serenidade. O Governo esteve bem.

Porém, o que acontecerá se o próximo apagão durar mais umas horas?

A INOPORTUNIDADE

DA SOBERANIA ENERGÉTICA

O apagão sublinhou a importância vital da energia nas sociedades modernas. A energia é uma infra-estrutura crítica e estratégica, essencial para o funcionamento de quase todos os aspectos da vida diária. Portugal tomou consciência da importância crítica que a REN tem para o país. Alguns partidos, comunicação social e individualidades desenterraram o tema da sua renacionalização.

Questionado no dia seguinte pela comunicação social sobre se admitiria ponderar a nacionalização da REN, o primeiro-ministro Luís Montenegro declarou que estaria “disponível para a aprofundar sem nenhum problema” e estar “à vontade” porque já tinha antecipado esse cenário “muito antes deste assunto poder ganhar a evidência que ganhou, fruto do apagão”, mas que agora não seria o momento para abrir essa discussão, porque “essas coisas não se devem fazer a quente”.

Há dois anos, ainda como líder da oposição, já tinha declarado à CNN Portugal que “é do interesse estratégico de Portugal ter a rede eléctrica na posse do Estado”, mas que a reversão da privatização tem custos e, por isso, “também depende das finanças públicas”.

Isto é, o primeiro-ministro voltará ao tema logo que oportuno, talvez no próximo apagão.

SEGURANÇA ECONÓMICA

E ENERGIA EM PORTUGAL

Passou há poucos dias o primeiro aniversário do lançamento do livro “A Segurança Económica Portuguesa – O caso do Investimento Chinês no Sector Eléctrico”, a tese de doutoramento do Doutor Tiago Luís Carvalho, com prefácio meu, e onde tive oportunidade de revisitar os processos de privatização da EDP e REN, e propor o destaque das funções de operador dos sistemas (ESO) de electricidade e gás da REN, mantendo nesta as funções de operador de redes (TSO) de electricidade e gás. Antecedendo o seu lançamento, publiquei em 30Abr24, nesta coluna, o artigo “Segurança Económica e Energia em Portugal”, em que tento explicar a importância e o contexto da medida.

A SINGULARIDADE DA REN

NO CONTEXTO EUROPEU

Articulados pelo CEER (Conselho Europeu de Reguladores da Energia), existem cerca de 36 países com TSO/ESO (operadores de rede e operadores de sistema) eléctricos e 29 com TSO/ESO de gás. A grande maioria dos operadores de electricidade e de gás tem capital estatal total ou em maioria. A separação entre as funções de TSO e ESO ainda não é a norma, mas justifica-se pela complexidade ou dimensão dos sistemas.

Neste universo, a REN, sendo único TSO/ESO no seu país, é simultaneamente a única empresa europeia totalmente privada na electricidade e no gás e a única privada que também detém o conjunto das infra-estruturas e sistemas de gás e electricidade. A REN totalmente privada faz o pleno da integração de sistemas e funções numa única companhia e é singularidade única em todo o panorama europeu, permanecendo sob controlo accionista, com direitos juridicamente blindados, de outro Estado.

Actualmente, a REN detém o controlo sobre as funções estratégicas de gestão de sistemas e processos de planeamento e é único suporte de decisões de soberania do país, representando um risco considerável de potencial interferência, accionista e de agência, na obrigação de independência relativamente a todos os agentes do sector da geração.

Sem ter salvaguardado as funções estratégicas da REN, o Estado ficou limitado à sua função reguladora e de supervisão sobre o funcionamento do sector e a uma certificação que representa um relaxante legal da acção de fiscalização.

Actualmente, com a transição energética a romper paradigmas, o Estado tem planos e relatórios desarticulados, informação assimétrica, sofre da degradação acelerada dos serviços públicos responsáveis pelo acompanhamento das obrigações das concessões, toma decisões erradas, erráticas e ineficientes e tem, nos sistemas energéticos, riscos de baixa resiliência das redes e de segurança de abastecimento, para além de custos de agenciamento muito elevados.

Actualmente, e com tendência a reforçá-lo, todos os sistemas eléctricos e quase todos os de gás na Europa têm capital estatal.

UMA NOVA ESO COMO INSTRUMENTO

DE SOBERANIA

É neste enquadramento que tenho proposto o destaque da gestão técnica global do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG), as funções de planeamento e gestão dos sistemas de electricidade e gás da REN para uma Nova ESO (NESO Portugal) à semelhança da NESO do Reino Unido criada em Set24.

Os activos relacionados com as funções destacadas representam cerca de 1,5% dos activos líquidos do grupo REN, avaliados em 3,5 mil milhões de euros.

Em termos de propriedade accionista, advogo uma participação estatal entre 51 e 60%, permitindo ao Estado garantir o interesse público e a soberania sobre decisões estratégicas, beneficiando ao mesmo tempo da eficiência e inovação trazidas pelo sector privado.

Para o bom funcionamento da NESO Portugal, será necessário estabelecer mecanismos robustos de governança que garantam supervisão e conselho, respeito pela independência técnica, minimização de conflitos, evitem a politização e garantam equilíbrio entre objectivos públicos e privados.

NOTA IMPORTANTE

A formação em Set24 de uma nova ESO de electricidade e gás no Reino Unido (NESO), totalmente detida pelo Estado, é um bom guião para Portugal.

Ex-administrador da GDP e REN; Ex-secretário de Estado da Energia; Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social

Apagão e soberania energética


O que acontecerá se o próximo apagão durar mais umas horas?


O APAGÃO, A REN E O GOVERNO

O apagão de 28 de Abril de 2025 foi o mais grave em Portugal e Espanha nas últimas décadas, afectando milhões de pessoas e provocando um colapso generalizado em múltiplos sectores essenciais. A falha eléctrica, ocorrida às 11h33, paralisou transportes públicos (metro, comboios, aeroportos), deixou semáforos inoperacionais e causou grandes congestionamentos de trânsito, dificultando a mobilidade e a resposta das estruturas de segurança e apoio. Hospitais recorreram a geradores de emergência para manter serviços críticos, mas a falta de reserva de combustível colocou algumas unidades em risco.

O Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) enfrentou dificuldades de funcionamento, sobretudo em comandos da PSP, INEM e corporações de bombeiros na região Norte, com relatos de degradação e falhas em rádios de emergência. O sistema de telecomunicações esteve à beira do colapso total: durante quase dez horas, as redes móveis e fixas dependeram de baterias e geradores, cuja autonomia estava no limite, já que o sector não é considerado prioritário na gestão de combustível de emergência. Operadoras desligaram o 5G e limitaram o uso de dados para poupar energia, mas mesmo assim houve falhas graves nas comunicações e acesso à internet em todo o país.

A ausência inicial de informação credível sobre a duração do apagão gerou preocupação e incerteza, levando a uma corrida aos supermercados, esgotando água e bens essenciais. No meio deste caos, população e serviços essenciais reagiram com a normalidade possível, concentrando-se nas urgências e mantendo cuidados críticos em funcionamento.

Após as primeiras horas de dificuldade, as duas centrais de “black-start” existentes conseguem arrancar às 15h11 e 16h26. A REN comunica com a população pelas 18h30 e, em articulação com a E-Redes, operadores e REE, trabalha de forma célere para restabelecer a energia, conseguindo repor o funcionamento de todas as subestações da Rede Nacional de Transporte às 23h22, cerca de 12 horas depois do apagão, o que permitiu que a distribuição de energia fosse normalizada em todo o país. Um facto verdadeiramente notável!

O episódio expôs fragilidades na resiliência e redundância das infra-estruturas nacionais, tanto no sector energético como no das comunicações, motivando críticas à resposta governamental e à necessidade de reforço da preparação para futuras crises. Ao contrário do que clamou a oposição, considero que o Governo, na coordenação da sua retaguarda e na comunicação com a população, esteve presente e transmitiu serenidade. O Governo esteve bem.

Porém, o que acontecerá se o próximo apagão durar mais umas horas?

A INOPORTUNIDADE

DA SOBERANIA ENERGÉTICA

O apagão sublinhou a importância vital da energia nas sociedades modernas. A energia é uma infra-estrutura crítica e estratégica, essencial para o funcionamento de quase todos os aspectos da vida diária. Portugal tomou consciência da importância crítica que a REN tem para o país. Alguns partidos, comunicação social e individualidades desenterraram o tema da sua renacionalização.

Questionado no dia seguinte pela comunicação social sobre se admitiria ponderar a nacionalização da REN, o primeiro-ministro Luís Montenegro declarou que estaria “disponível para a aprofundar sem nenhum problema” e estar “à vontade” porque já tinha antecipado esse cenário “muito antes deste assunto poder ganhar a evidência que ganhou, fruto do apagão”, mas que agora não seria o momento para abrir essa discussão, porque “essas coisas não se devem fazer a quente”.

Há dois anos, ainda como líder da oposição, já tinha declarado à CNN Portugal que “é do interesse estratégico de Portugal ter a rede eléctrica na posse do Estado”, mas que a reversão da privatização tem custos e, por isso, “também depende das finanças públicas”.

Isto é, o primeiro-ministro voltará ao tema logo que oportuno, talvez no próximo apagão.

SEGURANÇA ECONÓMICA

E ENERGIA EM PORTUGAL

Passou há poucos dias o primeiro aniversário do lançamento do livro “A Segurança Económica Portuguesa – O caso do Investimento Chinês no Sector Eléctrico”, a tese de doutoramento do Doutor Tiago Luís Carvalho, com prefácio meu, e onde tive oportunidade de revisitar os processos de privatização da EDP e REN, e propor o destaque das funções de operador dos sistemas (ESO) de electricidade e gás da REN, mantendo nesta as funções de operador de redes (TSO) de electricidade e gás. Antecedendo o seu lançamento, publiquei em 30Abr24, nesta coluna, o artigo “Segurança Económica e Energia em Portugal”, em que tento explicar a importância e o contexto da medida.

A SINGULARIDADE DA REN

NO CONTEXTO EUROPEU

Articulados pelo CEER (Conselho Europeu de Reguladores da Energia), existem cerca de 36 países com TSO/ESO (operadores de rede e operadores de sistema) eléctricos e 29 com TSO/ESO de gás. A grande maioria dos operadores de electricidade e de gás tem capital estatal total ou em maioria. A separação entre as funções de TSO e ESO ainda não é a norma, mas justifica-se pela complexidade ou dimensão dos sistemas.

Neste universo, a REN, sendo único TSO/ESO no seu país, é simultaneamente a única empresa europeia totalmente privada na electricidade e no gás e a única privada que também detém o conjunto das infra-estruturas e sistemas de gás e electricidade. A REN totalmente privada faz o pleno da integração de sistemas e funções numa única companhia e é singularidade única em todo o panorama europeu, permanecendo sob controlo accionista, com direitos juridicamente blindados, de outro Estado.

Actualmente, a REN detém o controlo sobre as funções estratégicas de gestão de sistemas e processos de planeamento e é único suporte de decisões de soberania do país, representando um risco considerável de potencial interferência, accionista e de agência, na obrigação de independência relativamente a todos os agentes do sector da geração.

Sem ter salvaguardado as funções estratégicas da REN, o Estado ficou limitado à sua função reguladora e de supervisão sobre o funcionamento do sector e a uma certificação que representa um relaxante legal da acção de fiscalização.

Actualmente, com a transição energética a romper paradigmas, o Estado tem planos e relatórios desarticulados, informação assimétrica, sofre da degradação acelerada dos serviços públicos responsáveis pelo acompanhamento das obrigações das concessões, toma decisões erradas, erráticas e ineficientes e tem, nos sistemas energéticos, riscos de baixa resiliência das redes e de segurança de abastecimento, para além de custos de agenciamento muito elevados.

Actualmente, e com tendência a reforçá-lo, todos os sistemas eléctricos e quase todos os de gás na Europa têm capital estatal.

UMA NOVA ESO COMO INSTRUMENTO

DE SOBERANIA

É neste enquadramento que tenho proposto o destaque da gestão técnica global do Sistema Eléctrico Nacional (SEN) e a do Sistema Nacional de Gás (SNG), as funções de planeamento e gestão dos sistemas de electricidade e gás da REN para uma Nova ESO (NESO Portugal) à semelhança da NESO do Reino Unido criada em Set24.

Os activos relacionados com as funções destacadas representam cerca de 1,5% dos activos líquidos do grupo REN, avaliados em 3,5 mil milhões de euros.

Em termos de propriedade accionista, advogo uma participação estatal entre 51 e 60%, permitindo ao Estado garantir o interesse público e a soberania sobre decisões estratégicas, beneficiando ao mesmo tempo da eficiência e inovação trazidas pelo sector privado.

Para o bom funcionamento da NESO Portugal, será necessário estabelecer mecanismos robustos de governança que garantam supervisão e conselho, respeito pela independência técnica, minimização de conflitos, evitem a politização e garantam equilíbrio entre objectivos públicos e privados.

NOTA IMPORTANTE

A formação em Set24 de uma nova ESO de electricidade e gás no Reino Unido (NESO), totalmente detida pelo Estado, é um bom guião para Portugal.

Ex-administrador da GDP e REN; Ex-secretário de Estado da Energia; Subscritor do Movimento Por Uma Democracia de Qualidade e Subscritor do Manifesto Cívico contra o Atraso Económico e Social