Um tiro no pé


Foi desastrada a forma como o PSD reagiu à publicação de novos dados sobre clientes da Spinumviva.


Nota prévia: Fez cem dias que Trump está na Casa Branca. Já causou estragos impensáveis à democracia americana, que se julgava a mais perfeita. Está finalmente em marcha um movimento antiautoritário de que Kamala Harris pode ser a principal figura. Os avanços e recuos de Trump já se fazem sentir negativamente no país e atrapalham a Europa em todos os campos. Putin está confortável com a situação. Aproveita para martirizar ainda mais a Ucrânia, que tem de se sujeitar às exigências de Washington de exploração do seu subsolo para pagar o apoio militar. Ao mesmo tempo o russo põe colunas de blindados a apontar para os países bálticos e escandinavos. A América já não é o bastião defensor de valores ocidentais. É apenas negociante e mercenária. A sábia China aumenta o seu poder global. Já pouco tem de soft. É crescentemente militar. A Trump pode-se aplicar por analogia a definição do pato. Se se apresenta como um palerma, se fala como um palerma, se atua como um palerma, é porque é um palerma…perigoso.

1. Entre as eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 e as legislativas deste mês, passaram mais de 50 anos em que o país mudou profundamente. O discurso dos políticos vai normalmente todo no mesmo sentido, avaliando os progressos com exagero. É verdade que foram muitos e bons e que houve passos gigantescos nas infraestruturas essenciais, no saneamento básico, na integração social, na saúde, na segurança social, na educação, na igualdade entre cidadãos e na consolidação da Democracia, o que em grande parte se deveu aos astronómicos apoios que recebemos da União Europeia. Porém, é forçoso reconhecer que os patamares alcançados ficam aquém do exigível. Basta ir para o interior ou certas periferias e ver o abandono, o atraso, o desordenamento territorial, a falta de uma educação equitativa e de condições dignas de vida. Temos ainda muita pobreza e uma monumental iliteracia. Há sinais inauditos de crimes violentos (muitos associados à droga e à violência doméstica) que envolvem portugueses e uma preocupante proporção de estrangeiros. É um retrato que os políticos em regra não fazem, mas que corresponde ao país real. O nosso atraso relativo é mais evidente face ao salto qualitativo dado por estados do leste europeu que só acederam à democracia em meados dos anos 90. Há uma diferença abismal na capacidade de desenvolvimento e na de planear e fazer, enquanto nós somos campeões do avanço e recuo. As crises, mudanças de governo, passividade instalada e ausência de espírito reformista prático são a base da falta de performance, havendo sinais de que a economia está a arrefecer. Confirma-se que os portugueses do retângulo e ilhas não são exemplo de dinamismo. Daí que muitos dos mais capazes continuem a pegar na trouxa e zarpar.

2. No caminho das legislativas, entrámos na fase de campanha, passada que está a dos debates, que foram menos vistos do que os de há um ano. As sondagens mantêm a probabilidade de uma vitória da AD, mas com dificuldade em formar governo por, aparentemente, não conseguir maioria absoluta, mesmo com os liberais. O debate em mano a mano correu melhor a Montenegro do que a Pedro Nuno Santos (PNS), mas o efeito vai esbater-se. Não é por ele que as coisas se decidirão. O pior do debate foi a moderação. Deixar de fora a questão da Defesa e, sobretudo, a da imigração é inaceitável e um descomunal favor a André Ventura. É mais um sinal óbvio de que o que preocupa a bolha nada tem a ver com o que interessa a quem cá vive, sejam portugueses ou estrangeiros. Estes últimos já são um milhão e meio, ou seja, 15% da população. Como não há coincidências na política, foi agora que o Governo anunciou o início do processo de expulsão de imigrantes ilegais. Guardou-se para fazer o anúncio na campanha eleitoral e deu razão ao Chega. Esperemos é que, a seguir, não apareçam outras formas de importar mão de obra miserável, como é desejo de alguns setores económicos.

3. Por muitos considerado precisamente um tema de bolha que se ia diluindo, o caso Spinumviva voltou em força no debate entre Montenegro e Pedro Nuno Santos e, domingo, no do conjunto dos partidos parlamentares na RTP, que foi cacofónico (trata-se de uma tradição democrática, mas objetivamente inútil em termos de esclarecimento). Voltando ao dos dois únicos candidatos a chefiar o Governo, Montenegro julgou que podia fornecer, no último dia do prazo, véspera do debate, os esclarecimentos complementares que a Entidade para a Transparência lhe pediu. Não contava com o apagão e necessidade de mudar a data. No calendário inicial batia certo, pois ficariam indisponíveis ao público durante trinta dias, portanto para além das eleições. Ainda que assim seja nos termos da lei, o que não é óbvio, o interesse público justifica a publicação pelo Expresso, mesmo que à conta de uma suposta violação do sigilo. Percebe-se que uma declaração inicial fique retida 30 dias para ver da conformidade. Mas aplicar-se o mesmo a uma retificação é um absurdo anti-transparência. Não há sobre isso outro entendimento possível. O documento indicava mais seis clientes da empresa e, claro, gerou logo uma corrida para saber quem são e que relações têm ou tiveram com o Estado. No debate, PNS acusou Montenegro de ser autor da fuga, o que este negou. Depois verificou-se que tal não fazia sentido. Vai daí, o PSD a indignou-se e sugeriu que ela veio do deputado Delgado Alves, que teve acesso à informação por via legal, dada as suas funções na correspondente comissão do Parlamento. Um deputado do PSD chegou a sugerir uma hipotética intervenção judicial que levasse a que se investigasse quais teriam sido os números de políticos que contactaram o telemóvel do jornalista que fez a notícia. Foi uma desajeitada manobra de diversão que, por tabela, poria em causa o sigilo das fontes e a liberdade de informação. Parece impossível, mas aconteceu 50 anos depois de Abril! Era bom que a ERC, o regulador do setor, analisasse o caso. O tiro no pé do PSD foi um desastre. O caso obviamente voltou às manchetes e a todos os noticiários. Aparentemente, não há matéria complexa ou grave, mas o assunto dura. Tudo isto confirma que Montenegro fez mal em não se ter desligado mais cedo da empresa e não ter fornecido logo todos os elementos contratuais. Basicamente, o procedimento mantém-se no domínio da ética. Há que saber se o dinheiro que a empresa ia faturando mesmo sem o fundador constitui ou não uma violação da obrigação de exclusividade como chefe do Governo. Não saímos disto. Cada um pode ter as suas dúvidas. Naturalmente podem não ter a ver com a opção política de cada eleitor, o que complica as coisas e torna difícil determinar o seu peso eleitoral. Mais valia ter-se evitado a queda do Governo e aceitado a comissão de inquérito. Hoje, já estaria sem objeto. Veja-se o exemplo do suposto caso das gémeas. Não impediu que o Presidente Marcelo, depois de algum desgaste pontual, seja o político mais popular e respeitado.

4. A revista Sábado repescou o caso dos assessores-fantasma que deu brado no tempo de Rio, quando se soube que o PSD pagava através do Parlamento a funcionários que só trabalhavam para o partido. O caso está em “caracolesca” investigação e esteve na origem de umas controversas e mediatizadas buscas judiciais à casa de Rio. Segundo a Sábado, a prática mantém-se no parlamento em diversos partidos, apesar de contrariar a lei, uma vez que, tal como os funcionários dos gabinetes governamentais, os assessores parlamentares estão, em princípio, sujeitos à exclusividade. Foi por uma habilidade parecida no Parlamento Europeu que Marine Le Pen foi condenada em França, multada em cem mil euros e impedida de se candidatar a cargos políticos, o que, salvo decisão contrária em recurso, a impede de se lançar na corrida ao Eliseu.

5. No quadro das habilidades políticas foi elucidativa uma notícia do Nascer do SOL. Revela que o PS pagou 40 mil euros a uma empresa de comunicação para criar falsos perfis que, depois, serviam para dizer bem do PS e do seu governo e mal dos adversários. A marosca do perfil falso é tão velha como o Facebook. Não se sabia é que um partido fizesse dela um trabalho remunerado. Mas a verdade é que há gente e empresas para tudo.

Um tiro no pé


Foi desastrada a forma como o PSD reagiu à publicação de novos dados sobre clientes da Spinumviva.


Nota prévia: Fez cem dias que Trump está na Casa Branca. Já causou estragos impensáveis à democracia americana, que se julgava a mais perfeita. Está finalmente em marcha um movimento antiautoritário de que Kamala Harris pode ser a principal figura. Os avanços e recuos de Trump já se fazem sentir negativamente no país e atrapalham a Europa em todos os campos. Putin está confortável com a situação. Aproveita para martirizar ainda mais a Ucrânia, que tem de se sujeitar às exigências de Washington de exploração do seu subsolo para pagar o apoio militar. Ao mesmo tempo o russo põe colunas de blindados a apontar para os países bálticos e escandinavos. A América já não é o bastião defensor de valores ocidentais. É apenas negociante e mercenária. A sábia China aumenta o seu poder global. Já pouco tem de soft. É crescentemente militar. A Trump pode-se aplicar por analogia a definição do pato. Se se apresenta como um palerma, se fala como um palerma, se atua como um palerma, é porque é um palerma…perigoso.

1. Entre as eleições para a Assembleia Constituinte de 1975 e as legislativas deste mês, passaram mais de 50 anos em que o país mudou profundamente. O discurso dos políticos vai normalmente todo no mesmo sentido, avaliando os progressos com exagero. É verdade que foram muitos e bons e que houve passos gigantescos nas infraestruturas essenciais, no saneamento básico, na integração social, na saúde, na segurança social, na educação, na igualdade entre cidadãos e na consolidação da Democracia, o que em grande parte se deveu aos astronómicos apoios que recebemos da União Europeia. Porém, é forçoso reconhecer que os patamares alcançados ficam aquém do exigível. Basta ir para o interior ou certas periferias e ver o abandono, o atraso, o desordenamento territorial, a falta de uma educação equitativa e de condições dignas de vida. Temos ainda muita pobreza e uma monumental iliteracia. Há sinais inauditos de crimes violentos (muitos associados à droga e à violência doméstica) que envolvem portugueses e uma preocupante proporção de estrangeiros. É um retrato que os políticos em regra não fazem, mas que corresponde ao país real. O nosso atraso relativo é mais evidente face ao salto qualitativo dado por estados do leste europeu que só acederam à democracia em meados dos anos 90. Há uma diferença abismal na capacidade de desenvolvimento e na de planear e fazer, enquanto nós somos campeões do avanço e recuo. As crises, mudanças de governo, passividade instalada e ausência de espírito reformista prático são a base da falta de performance, havendo sinais de que a economia está a arrefecer. Confirma-se que os portugueses do retângulo e ilhas não são exemplo de dinamismo. Daí que muitos dos mais capazes continuem a pegar na trouxa e zarpar.

2. No caminho das legislativas, entrámos na fase de campanha, passada que está a dos debates, que foram menos vistos do que os de há um ano. As sondagens mantêm a probabilidade de uma vitória da AD, mas com dificuldade em formar governo por, aparentemente, não conseguir maioria absoluta, mesmo com os liberais. O debate em mano a mano correu melhor a Montenegro do que a Pedro Nuno Santos (PNS), mas o efeito vai esbater-se. Não é por ele que as coisas se decidirão. O pior do debate foi a moderação. Deixar de fora a questão da Defesa e, sobretudo, a da imigração é inaceitável e um descomunal favor a André Ventura. É mais um sinal óbvio de que o que preocupa a bolha nada tem a ver com o que interessa a quem cá vive, sejam portugueses ou estrangeiros. Estes últimos já são um milhão e meio, ou seja, 15% da população. Como não há coincidências na política, foi agora que o Governo anunciou o início do processo de expulsão de imigrantes ilegais. Guardou-se para fazer o anúncio na campanha eleitoral e deu razão ao Chega. Esperemos é que, a seguir, não apareçam outras formas de importar mão de obra miserável, como é desejo de alguns setores económicos.

3. Por muitos considerado precisamente um tema de bolha que se ia diluindo, o caso Spinumviva voltou em força no debate entre Montenegro e Pedro Nuno Santos e, domingo, no do conjunto dos partidos parlamentares na RTP, que foi cacofónico (trata-se de uma tradição democrática, mas objetivamente inútil em termos de esclarecimento). Voltando ao dos dois únicos candidatos a chefiar o Governo, Montenegro julgou que podia fornecer, no último dia do prazo, véspera do debate, os esclarecimentos complementares que a Entidade para a Transparência lhe pediu. Não contava com o apagão e necessidade de mudar a data. No calendário inicial batia certo, pois ficariam indisponíveis ao público durante trinta dias, portanto para além das eleições. Ainda que assim seja nos termos da lei, o que não é óbvio, o interesse público justifica a publicação pelo Expresso, mesmo que à conta de uma suposta violação do sigilo. Percebe-se que uma declaração inicial fique retida 30 dias para ver da conformidade. Mas aplicar-se o mesmo a uma retificação é um absurdo anti-transparência. Não há sobre isso outro entendimento possível. O documento indicava mais seis clientes da empresa e, claro, gerou logo uma corrida para saber quem são e que relações têm ou tiveram com o Estado. No debate, PNS acusou Montenegro de ser autor da fuga, o que este negou. Depois verificou-se que tal não fazia sentido. Vai daí, o PSD a indignou-se e sugeriu que ela veio do deputado Delgado Alves, que teve acesso à informação por via legal, dada as suas funções na correspondente comissão do Parlamento. Um deputado do PSD chegou a sugerir uma hipotética intervenção judicial que levasse a que se investigasse quais teriam sido os números de políticos que contactaram o telemóvel do jornalista que fez a notícia. Foi uma desajeitada manobra de diversão que, por tabela, poria em causa o sigilo das fontes e a liberdade de informação. Parece impossível, mas aconteceu 50 anos depois de Abril! Era bom que a ERC, o regulador do setor, analisasse o caso. O tiro no pé do PSD foi um desastre. O caso obviamente voltou às manchetes e a todos os noticiários. Aparentemente, não há matéria complexa ou grave, mas o assunto dura. Tudo isto confirma que Montenegro fez mal em não se ter desligado mais cedo da empresa e não ter fornecido logo todos os elementos contratuais. Basicamente, o procedimento mantém-se no domínio da ética. Há que saber se o dinheiro que a empresa ia faturando mesmo sem o fundador constitui ou não uma violação da obrigação de exclusividade como chefe do Governo. Não saímos disto. Cada um pode ter as suas dúvidas. Naturalmente podem não ter a ver com a opção política de cada eleitor, o que complica as coisas e torna difícil determinar o seu peso eleitoral. Mais valia ter-se evitado a queda do Governo e aceitado a comissão de inquérito. Hoje, já estaria sem objeto. Veja-se o exemplo do suposto caso das gémeas. Não impediu que o Presidente Marcelo, depois de algum desgaste pontual, seja o político mais popular e respeitado.

4. A revista Sábado repescou o caso dos assessores-fantasma que deu brado no tempo de Rio, quando se soube que o PSD pagava através do Parlamento a funcionários que só trabalhavam para o partido. O caso está em “caracolesca” investigação e esteve na origem de umas controversas e mediatizadas buscas judiciais à casa de Rio. Segundo a Sábado, a prática mantém-se no parlamento em diversos partidos, apesar de contrariar a lei, uma vez que, tal como os funcionários dos gabinetes governamentais, os assessores parlamentares estão, em princípio, sujeitos à exclusividade. Foi por uma habilidade parecida no Parlamento Europeu que Marine Le Pen foi condenada em França, multada em cem mil euros e impedida de se candidatar a cargos políticos, o que, salvo decisão contrária em recurso, a impede de se lançar na corrida ao Eliseu.

5. No quadro das habilidades políticas foi elucidativa uma notícia do Nascer do SOL. Revela que o PS pagou 40 mil euros a uma empresa de comunicação para criar falsos perfis que, depois, serviam para dizer bem do PS e do seu governo e mal dos adversários. A marosca do perfil falso é tão velha como o Facebook. Não se sabia é que um partido fizesse dela um trabalho remunerado. Mas a verdade é que há gente e empresas para tudo.