O Fidalgo de Agilde e o Fidalgo de S. João da Madeira


E se preocupação do Fidalgo de Agilde era o estado das estradas das Terras de Basto que impossibilitava de aí passear-se em liteira, o desassossego do Fidalgo de S. João advinha do estado da ferrovia e da aerovia em que anunciou grandiosos investimentos.


Na passagem dos 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, a grande homenagem que se lhe pode fazer é mostrar a sua plena atualidade.

“Um dos mancebos mais completos por património, nascimento e gentileza no concelho de Celorico era o fidalgo de Agilde…vigésimo terceiro neto de Gonçalo Mendes, o Lidador. Se eu tivesse de ir na peugada genealógica deste sujeito, encontrava-me com o macaco de Darwin. É família muito antiga… são anteriores à história e talvez aos macacos. E se não me falha a conta dos avós apurados nesta linhagem, o dilúvio universal está desmentido. Ele tinha dado à luz no Periódico dos Pobres uma poesia na qual declarava que era um anjo caído em lodaçal e javardos. Aludia aos primos…

…Saíu o Fidalgo para as Cortes, estadeando um aparato condigno dos seus apelidos. Como não ia bem seguro na transcendência dos seus discursos e na distinção exequível por esse meio, fez-se preceder cavalos e lacaio, escudeiro e jockey preto. Conjeturou que dois cavalos o levariam mais depressa aos sonoros átrios dos palácios que dois discursos a respeito das estradas de Gondiães e Painzela…”

Inicia assim Camilo Castelo Branco o conto O filho Natural, uma das Novelas do Minho.  

Agora, tal como há 150 anos, um dos mancebos mais completos de património chegou à política e foi eleito deputado, o Fidalgo de S. João.  Não sendo tão completo de nascimento como o Fidalgo de Agilde, substituía com vantagem a estirpe nobiliárquica de descendente do Lidador pela reputada linhagem da ideologia, como quinquagésimo neto de Licurgo de Esparta, o pioneiro mentor do socialismo real na antiga Grécia. 

E não seria ainda de espantar que remontasse aos tempos do dilúvio já que, tal como Noé salvou a sua família construindo uma Arca para a abrigar em exclusivo, também o Fidalgo de S. João protegeu muita da sua família política, substituindo a incómoda Arca por um abrigo bem mais confortável em putativos serviços públicos, salvemos os nossos, os outros que se afoguem.

Assim enobrecido, chegou o nosso fidalgo à Cortes. Não já com uma comitiva de dois cavalos, lacaio e escudeiro, mas bem montado em veloz e aristocrática carruagem porsche puxada por mais de mil cavalos. E também convicto que tal aparato substituiria bem a transcendência dos seus discursos.

Integrado no meio, a dívida pública foi ocasião para exercitar a oratória, negando o seu pagamento aos credores: “temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e franceses. Essa bomba atómica é simplesmente não pagamos. Ou esses senhores se põem finos ou nós não pagamos. Se não pagarmos a dívida…as pernas dos banqueiros alemães até tremem…”.

Uma exaltação grandiosa que o guindou ao governo da nação. Não se sabe se já pagou ou não a sua carruagem alemã, mas notável é que não manifestou tremuras quando esse mesmo governo não faltou a pagar a quem devia. O Fidalgo de S. João mostrou-se um homem para todas as ocasiões.

E se preocupação do Fidalgo de Agilde era o estado das estradas das Terras de Basto que impossibilitava de aí passear-se em liteira, o desassossego do Fidalgo de S. João advinha do estado da ferrovia e da aerovia em que anunciou grandiosos investimentos. Na ferrovia garantiu que “pouco ficará para fazer depois de 2023”, mas a verdade é que quase tudo deixou por concretizar. Na aerovia, da noite para o dia, decidiu a construção do novo aeroporto de Lisboa, aliás um misto de três, ampliação da Portela, aproveitamento do Montijo e aeroporto definitivo em Alcochete, mas nesse mesmo dia foi-lhe imposto anular tão brava decisão. Um fiasco a que juntou um outro, quando, dando o dito por não dito e sendo obrigado a reconhecer o dito, originou a decapitação da administração que antes escolhera para a companhia aeroviária e o obrigou à demissão o governo.

Desmentindo a sua reivindicada imagem de fazedor, nem partiu as pernas aos alemães, nem procriou o novo aeroporto e deixou ferrovia tão paralisada como o Fidalgo de Agilde deixou as estradas das Terras de Basto.

E se o de Agilde se sentia “um anjo caído num lodaçal de javardos”, que eram os primos, o de S. João substituiu os primos pelo líder do maior partido rival, atirando-lhe o lodaçal das insinuações que ele próprio produzia ou aqueles que periódicos do momento, herdeiros de O Periódico dos Pobres, lhe iam generosamente servindo. 

Em Lisboa, ambos os fidalgos desbarataram recursos, todavia com uma absoluta diferença. Enquanto o de Agilde empenhou todos os seus bens privados, quintas e dinheiro, o Fidalgo de S. João guardou bem os seus, mas empenhou os bens públicos ao seu dispor, sem equilíbrio ou critério. Os 3,5 mil milhões de euros entregues à TAP são exemplo. 

E se o Fidalgo de Agilde teve que se despedir da política e regressar à terra numa envergonhada miséria, também desajeitada foi a saída do governo do Fidalgo de S. João. Quis sempre apresentar-se como o homem que faz, embora o que mais avultasse fosse o que anunciou e não fez. Qual o seu adeus à política, as próximas eleições o dirão.

Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com

O Fidalgo de Agilde e o Fidalgo de S. João da Madeira


E se preocupação do Fidalgo de Agilde era o estado das estradas das Terras de Basto que impossibilitava de aí passear-se em liteira, o desassossego do Fidalgo de S. João advinha do estado da ferrovia e da aerovia em que anunciou grandiosos investimentos.


Na passagem dos 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, a grande homenagem que se lhe pode fazer é mostrar a sua plena atualidade.

“Um dos mancebos mais completos por património, nascimento e gentileza no concelho de Celorico era o fidalgo de Agilde…vigésimo terceiro neto de Gonçalo Mendes, o Lidador. Se eu tivesse de ir na peugada genealógica deste sujeito, encontrava-me com o macaco de Darwin. É família muito antiga… são anteriores à história e talvez aos macacos. E se não me falha a conta dos avós apurados nesta linhagem, o dilúvio universal está desmentido. Ele tinha dado à luz no Periódico dos Pobres uma poesia na qual declarava que era um anjo caído em lodaçal e javardos. Aludia aos primos…

…Saíu o Fidalgo para as Cortes, estadeando um aparato condigno dos seus apelidos. Como não ia bem seguro na transcendência dos seus discursos e na distinção exequível por esse meio, fez-se preceder cavalos e lacaio, escudeiro e jockey preto. Conjeturou que dois cavalos o levariam mais depressa aos sonoros átrios dos palácios que dois discursos a respeito das estradas de Gondiães e Painzela…”

Inicia assim Camilo Castelo Branco o conto O filho Natural, uma das Novelas do Minho.  

Agora, tal como há 150 anos, um dos mancebos mais completos de património chegou à política e foi eleito deputado, o Fidalgo de S. João.  Não sendo tão completo de nascimento como o Fidalgo de Agilde, substituía com vantagem a estirpe nobiliárquica de descendente do Lidador pela reputada linhagem da ideologia, como quinquagésimo neto de Licurgo de Esparta, o pioneiro mentor do socialismo real na antiga Grécia. 

E não seria ainda de espantar que remontasse aos tempos do dilúvio já que, tal como Noé salvou a sua família construindo uma Arca para a abrigar em exclusivo, também o Fidalgo de S. João protegeu muita da sua família política, substituindo a incómoda Arca por um abrigo bem mais confortável em putativos serviços públicos, salvemos os nossos, os outros que se afoguem.

Assim enobrecido, chegou o nosso fidalgo à Cortes. Não já com uma comitiva de dois cavalos, lacaio e escudeiro, mas bem montado em veloz e aristocrática carruagem porsche puxada por mais de mil cavalos. E também convicto que tal aparato substituiria bem a transcendência dos seus discursos.

Integrado no meio, a dívida pública foi ocasião para exercitar a oratória, negando o seu pagamento aos credores: “temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e franceses. Essa bomba atómica é simplesmente não pagamos. Ou esses senhores se põem finos ou nós não pagamos. Se não pagarmos a dívida…as pernas dos banqueiros alemães até tremem…”.

Uma exaltação grandiosa que o guindou ao governo da nação. Não se sabe se já pagou ou não a sua carruagem alemã, mas notável é que não manifestou tremuras quando esse mesmo governo não faltou a pagar a quem devia. O Fidalgo de S. João mostrou-se um homem para todas as ocasiões.

E se preocupação do Fidalgo de Agilde era o estado das estradas das Terras de Basto que impossibilitava de aí passear-se em liteira, o desassossego do Fidalgo de S. João advinha do estado da ferrovia e da aerovia em que anunciou grandiosos investimentos. Na ferrovia garantiu que “pouco ficará para fazer depois de 2023”, mas a verdade é que quase tudo deixou por concretizar. Na aerovia, da noite para o dia, decidiu a construção do novo aeroporto de Lisboa, aliás um misto de três, ampliação da Portela, aproveitamento do Montijo e aeroporto definitivo em Alcochete, mas nesse mesmo dia foi-lhe imposto anular tão brava decisão. Um fiasco a que juntou um outro, quando, dando o dito por não dito e sendo obrigado a reconhecer o dito, originou a decapitação da administração que antes escolhera para a companhia aeroviária e o obrigou à demissão o governo.

Desmentindo a sua reivindicada imagem de fazedor, nem partiu as pernas aos alemães, nem procriou o novo aeroporto e deixou ferrovia tão paralisada como o Fidalgo de Agilde deixou as estradas das Terras de Basto.

E se o de Agilde se sentia “um anjo caído num lodaçal de javardos”, que eram os primos, o de S. João substituiu os primos pelo líder do maior partido rival, atirando-lhe o lodaçal das insinuações que ele próprio produzia ou aqueles que periódicos do momento, herdeiros de O Periódico dos Pobres, lhe iam generosamente servindo. 

Em Lisboa, ambos os fidalgos desbarataram recursos, todavia com uma absoluta diferença. Enquanto o de Agilde empenhou todos os seus bens privados, quintas e dinheiro, o Fidalgo de S. João guardou bem os seus, mas empenhou os bens públicos ao seu dispor, sem equilíbrio ou critério. Os 3,5 mil milhões de euros entregues à TAP são exemplo. 

E se o Fidalgo de Agilde teve que se despedir da política e regressar à terra numa envergonhada miséria, também desajeitada foi a saída do governo do Fidalgo de S. João. Quis sempre apresentar-se como o homem que faz, embora o que mais avultasse fosse o que anunciou e não fez. Qual o seu adeus à política, as próximas eleições o dirão.

Economista e Gestor
Subscritor do Manifesto Por uma Democracia de Qualidade
pcardao@gmail.com