As eleições e a corrupção: vamos lá, ainda uma vez, trocar umas ideias sobre o assunto


Situar o foco do debate eleitoral no chamado “combate à corrupção” e não, verdadeiramente, na corrupção e nas suas circunstâncias é perigoso para a Democracia.


Estamos em tempo de eleições e, como sempre, fala-se de corrupção, de quem é mais ou menos corrupto e, igualmente, de quem está mais interessado no “combate à corrupção”.

O “Combate à corrupção” é, na verdade, o tema preferido de vários candidatos e não, propriamente, a corrupção; a corrupção por ela própria, o que ela é, como e por que existe, parece ser-lhes menos interessante.

E, quando aqui falamos de corrupção, não nos estamos a referir, em rigor, ao crime tal como tipificado nas leis: mas a todas as atividades em que se misturam indevidamente funções do Estado e interesses privados levadas a cabo por agentes públicos– políticos ou funcionários – e que a sociedade considera serem pouco sérias ou lesivas do bem comum. 

É, todavia, no desafio do “combate à corrupção” que se distribuem e contam medalhas indispensáveis para a prova eleitoral.

É aí que – aparentemente – se escolhem os bons, se combatem os maus, que uns sobem ao pódio, que outros, os que têm apenas menções honrosas ou desonrosas, prometem regressar para disputar o próximo desafio eleitoral.

Os competidores do “combate à corrupção” participam, contudo, neste desafio por interpostos atletas.

São estes os procuradores, juízes de instrução, dirigentes dos órgãos de polícia criminal, tribunais: órgãos constitucionais e auxiliares que são quem, verdadeiramente, age, bem ou mal, mas, em regra, o faz à margem e independentemente dos interesses eleitorais em causa.

Como nas corridas de cavalos, quem corre e quem recebe as medalhas são os que os montam.

Quem, todavia, aproveita de tais medalhas são, realmente, os que promovendo, como modalidade do desafio, as corridas curtas e fugazes que se esgotam nelas mesmas, podem, depois, brandir os efémeros trunfos obtidos por outros nos debates eleitorais. 

Tais trunfos, porém, pouco contribuem, afinal, para atingir a corrupção no seu âmago; isto é, para atalhar a falta de seriedade que, aos olhos dos cidadãos, está instalada e degrada o sistema político-económico em que nos movemos.

As vitórias e medalhas assim alcançadas, mesmo as mais significativas, pouco beliscam, verdadeiramente, o sistema que produz e alimenta a corrupção.

Já as suas derrotas permitem, não só deslegitimar a atuação dos diretamente envolvidos em tal combate, como, também, os métodos de atuação que, para tal fim, prosseguem.

Esta prova – assim corrida em distâncias curtas – presta-se, pois, a gerar, sobretudo, algumas nuvens de pó e alguns equívocos que, além do mais, ajudam a desviar a atenção dos eleitores do que é o fulcro da questão: a corrupção.

Já todos assistimos, com efeito, a várias e providenciais reformas e pacotes legislativos dedicados ao “combate à corrupção”, que todos aprovam e que, passados um, dois anos, todos concordam [JLFT1] não terem funcionado.

Através de tais reformas, procura-se, quase sempre, mudar as regras do jogo do “combate à corrupção”, mas não, necessariamente, contrariar as circunstâncias em que o fenómeno da corrupção tem condições para singrar.

Poucos são, com efeito, os que se arriscam a debater em público e ante os eleitores as medidas que poderiam, de facto, contrariar o ambiente em que a corrupção é gerada.

Na realidade, quando nas campanhas eleitorais se fala em “combate à corrupção”, do que se trata é, não raramente, de, a pretexto dele, se “limarem”, de novo, as garantias previstas na Constituição para o processo penal.

Passa-se, aliás, o mesmo sempre que se fala em “luta contra droga”, contra terrorismo, contra o tráfico de seres humanos, contra a violência doméstica, contra o abuso sexual de menores.

O que está em causa é, porventura, a desadequação do nosso direito processual penal, fundado em princípios e valores de uma Constituição democrática e liberal, às prioridades e à necessidade de êxitos visíveis, mesmo que precários, da “política criminal”.

A pergunta a formular é de saber, pois, se as normas, as garantias, que servem, hoje, para investigar de modo civilizado, por exemplo, um homicídio, serão, ainda, adequadas para investigar “os crimes praga” do momento?

Refiro-me a um tipo de criminalidade grave, mas já sistémica e, por isso – queiramos ou não – iminentemente política na sua dimensão performativa.

Ora, é aí, na resposta crua a essa questão, que bate o ponto e cuja discussão poucos querem, verdadeiramente, assumir.

Situar o foco do debate eleitoral no chamado “combate à corrupção” e na atuação dos que, no terreno, estão incumbidos de o travar, e não, verdadeiramente, no fenómeno corruptivo pode, assim, evitar a responsabilização política dos que carecem de vontade para contrariar as circunstâncias (estruturais) em que este tipo de criminalidade se desenvolve.

Como acontece com os “jockeys”, os que realizam no terreno o “combate à corrupção” têm inevitavelmente de gozar de alguma autonomia na maneira como montam e dirigem o cavalo de competição.

É, pois, sobretudo, a propósito do tamanho das rédeas da montada da possibilidade dos Jockeys lhes darem mais ou menos folga e de poderem usar ou não esporas, de quem manda nos que montam, de quem manda nos que mandam nos que montam, de como quem manda o faz e se o faz com maior ou menor transparência, que mais se fala e mais se discute a corrupção; melhor o “combate à corrupção”.

Por tal razão, a discussão sobre “combate à corrupção”, habitualmente centrada nos métodos e instrumentos mais intrusivos de descoberta da verdade, resvala, com frequência de foco.

Ela acaba por, indevidamente, se centrar no mais subliminar tema da existência, do apuramento e da definição de possíveis interesses que, em cada caso, os que têm o dever de travar tal “combate” supostamente protegem ou prejudicam com a sua atuação.

Os que investigam a corrupção passam assim, não raramente, de investigadores a investigados: de justiceiros a justiçados.

E, desta forma, não há “combate à corrupção” que resulte: e não há mesmo.

Alguma esquerda mais clássica tenta, é certo, fugir de tal ardil e tem procurado, debalde, deslocar o foco da abordagem da corrupção para o mais esclarecedor plano das suas circunstâncias.

Só que, tal discussão, levada a sério, ameaça a estabilidade do sistema.

Razão pela qual tal abordagem da corrupção é silenciada pelos discursos sobrepostos, pragmáticos e ruidosos dos que optam, privilegiadamente, pela análise critica dos procedimentos concretos usados em cada concreta investigação e se foca, unicamente, se necessário, na atuação e opções daqueles a quem, estatutariamente, compete intervir no âmbito das leis processuais aplicáveis

Ambos os discursos são necessários, mas em momentos e planos diferentes, não devendo, por isso, como frequentemente acontece, sobrepor-se ou anular-se mutuamente.

Em tal confusão de premissas se entretêm, no entanto, as televisões, em debates sem fim, trocando galhardetes e inventando pecados, mais de pensamentos e palavras, do que de obras: debates a que só a eles e aos que nelas têm assento interessam, pois tudo se passa, afinal, no círculo social que, usualmente, todos frequentam.

Refiro-me, pois, ao que agora se usa chamar a “bolha”; um mundo que não sendo de todo virtual, não é, na verdade, também, aquele que é percetível, sentido e vivido pelo eleitorado.

Tal desvio no discurso e debate sobe a corrupção evita, assim, tornar pública uma posição política clara sobre as contradições reais que afetam o sistema político e socioeconómico em que ocorre, real ou percebida como tal, a corrupção.

A corrupção – como a droga e o tráfico de seres humanos, por exemplo – tem, todavia, causas concretas intrinsecamente ligadas à natureza e ao modo como o sistema socioeconómico em que vivemos, está moldado e evoluiu.

Dirão alguns, em jeito justificativo, que há corrupção em todos os sistemas socioeconómicos: é verdade.

A nós, compete-nos, porém, cuidar e tratar do nosso sistema; pelo menos enquanto ele exista como é, e possamos, ainda assim, melhorá-lo e torná-lo menos lesivo do bem comum.

No nosso país – em que a ação, as obras e muitos serviços do Estado são prestados, não por ele mesmo, mas, maioritariamente, por privados que com ele contratam – o foco da corrupção mais penosa e danosa para a sociedade situa-se, precisamente, em tal barganha.

É aí, como se tem visto, que acontece o crime grosso e se geram e acomodam os criminosos mais habilidosos e, também, por vezes, os menos óbvios.

Será, pois, no campo da prevenção, através de um controlo prévio e concomitante de tais contratos e do acompanhamento da sua execução, que se pode impedir que a mancha da corrupção se alargue.

Isso implica um tipo de controlo que não se restrinja aos aspetos abstratos da conformidade e racionalidade económico-financeira, mas se estenda, também, ao acompanhamento regular do plano material e técnico-financeiro da execução de tais contratos: uma análise financeira e técnica da qualidade e eficiência do projeto do princípio ao fim da sua execução. 

Será, pois, no campo da extensão das áreas de intervenção e no do aperfeiçoamento dos sistemas de controlo interno e externo dos contratos entre o Estado e privados – e, nesta função, com relevo para as atribuições e competências do Tribunal de Contas –, que se pode ir contrariando, de facto, a apetência por atuações corruptivas.

É o que, no plano interno das empresas, se denomina “compliance”: a atividade de prevenir, detetar e quaisquer desvios ou violações legais, bem como a de acautelar e assegurar a qualidade do produto produzido e transacionado.

Na ausência do apoio fornecido por um controlo forte dos contratos firmados pelo Estado para realizar o bem comum, o sistema judicial penal – por, constitucionalmente, só poder agir formalmente depois do crime consumado –, vê-se obrigado, para ser minimamente eficaz, a usar instrumentos legais excecionais e que, por o serem, funcionam, na melhor das hipóteses, nos limites das garantias constitucionais basilares numa Democracia.

O uso de tais instrumentos legais, mas, de facto, abrasantes das garantias constitucionais, logo levanta, porém, alguns espantalhos: desde logo, por poderem tocar interesses próprios dos agentes públicos envolvidos – e de não ser sempre óbvia a diferença entre responsabilidade política e responsabilidade por atos administrativos –, o da violação da separação dos poderes e, imediatamente, o da politização da justiça.

Os riscos de investir, prioritariamente, o sistema judicial penal na função de conter a corrupção são, assim, múltiplos.

Visto deste prisma, o “combate à corrupção”, se centrado sobretudo na Justiça penal, constitui-se, pois, no mais adequado instrumento político e ideológico de que os inimigos da Democracia dispõem – de borla – para conseguirem ir descaracterizando as garantias próprias de um regime democrático.

A corrupção, essa de pouco lhes importa – “sempre existiu” – comentam, e é verdade.


 [JLFT1]concordam

As eleições e a corrupção: vamos lá, ainda uma vez, trocar umas ideias sobre o assunto


Situar o foco do debate eleitoral no chamado “combate à corrupção” e não, verdadeiramente, na corrupção e nas suas circunstâncias é perigoso para a Democracia.


Estamos em tempo de eleições e, como sempre, fala-se de corrupção, de quem é mais ou menos corrupto e, igualmente, de quem está mais interessado no “combate à corrupção”.

O “Combate à corrupção” é, na verdade, o tema preferido de vários candidatos e não, propriamente, a corrupção; a corrupção por ela própria, o que ela é, como e por que existe, parece ser-lhes menos interessante.

E, quando aqui falamos de corrupção, não nos estamos a referir, em rigor, ao crime tal como tipificado nas leis: mas a todas as atividades em que se misturam indevidamente funções do Estado e interesses privados levadas a cabo por agentes públicos– políticos ou funcionários – e que a sociedade considera serem pouco sérias ou lesivas do bem comum. 

É, todavia, no desafio do “combate à corrupção” que se distribuem e contam medalhas indispensáveis para a prova eleitoral.

É aí que – aparentemente – se escolhem os bons, se combatem os maus, que uns sobem ao pódio, que outros, os que têm apenas menções honrosas ou desonrosas, prometem regressar para disputar o próximo desafio eleitoral.

Os competidores do “combate à corrupção” participam, contudo, neste desafio por interpostos atletas.

São estes os procuradores, juízes de instrução, dirigentes dos órgãos de polícia criminal, tribunais: órgãos constitucionais e auxiliares que são quem, verdadeiramente, age, bem ou mal, mas, em regra, o faz à margem e independentemente dos interesses eleitorais em causa.

Como nas corridas de cavalos, quem corre e quem recebe as medalhas são os que os montam.

Quem, todavia, aproveita de tais medalhas são, realmente, os que promovendo, como modalidade do desafio, as corridas curtas e fugazes que se esgotam nelas mesmas, podem, depois, brandir os efémeros trunfos obtidos por outros nos debates eleitorais. 

Tais trunfos, porém, pouco contribuem, afinal, para atingir a corrupção no seu âmago; isto é, para atalhar a falta de seriedade que, aos olhos dos cidadãos, está instalada e degrada o sistema político-económico em que nos movemos.

As vitórias e medalhas assim alcançadas, mesmo as mais significativas, pouco beliscam, verdadeiramente, o sistema que produz e alimenta a corrupção.

Já as suas derrotas permitem, não só deslegitimar a atuação dos diretamente envolvidos em tal combate, como, também, os métodos de atuação que, para tal fim, prosseguem.

Esta prova – assim corrida em distâncias curtas – presta-se, pois, a gerar, sobretudo, algumas nuvens de pó e alguns equívocos que, além do mais, ajudam a desviar a atenção dos eleitores do que é o fulcro da questão: a corrupção.

Já todos assistimos, com efeito, a várias e providenciais reformas e pacotes legislativos dedicados ao “combate à corrupção”, que todos aprovam e que, passados um, dois anos, todos concordam [JLFT1] não terem funcionado.

Através de tais reformas, procura-se, quase sempre, mudar as regras do jogo do “combate à corrupção”, mas não, necessariamente, contrariar as circunstâncias em que o fenómeno da corrupção tem condições para singrar.

Poucos são, com efeito, os que se arriscam a debater em público e ante os eleitores as medidas que poderiam, de facto, contrariar o ambiente em que a corrupção é gerada.

Na realidade, quando nas campanhas eleitorais se fala em “combate à corrupção”, do que se trata é, não raramente, de, a pretexto dele, se “limarem”, de novo, as garantias previstas na Constituição para o processo penal.

Passa-se, aliás, o mesmo sempre que se fala em “luta contra droga”, contra terrorismo, contra o tráfico de seres humanos, contra a violência doméstica, contra o abuso sexual de menores.

O que está em causa é, porventura, a desadequação do nosso direito processual penal, fundado em princípios e valores de uma Constituição democrática e liberal, às prioridades e à necessidade de êxitos visíveis, mesmo que precários, da “política criminal”.

A pergunta a formular é de saber, pois, se as normas, as garantias, que servem, hoje, para investigar de modo civilizado, por exemplo, um homicídio, serão, ainda, adequadas para investigar “os crimes praga” do momento?

Refiro-me a um tipo de criminalidade grave, mas já sistémica e, por isso – queiramos ou não – iminentemente política na sua dimensão performativa.

Ora, é aí, na resposta crua a essa questão, que bate o ponto e cuja discussão poucos querem, verdadeiramente, assumir.

Situar o foco do debate eleitoral no chamado “combate à corrupção” e na atuação dos que, no terreno, estão incumbidos de o travar, e não, verdadeiramente, no fenómeno corruptivo pode, assim, evitar a responsabilização política dos que carecem de vontade para contrariar as circunstâncias (estruturais) em que este tipo de criminalidade se desenvolve.

Como acontece com os “jockeys”, os que realizam no terreno o “combate à corrupção” têm inevitavelmente de gozar de alguma autonomia na maneira como montam e dirigem o cavalo de competição.

É, pois, sobretudo, a propósito do tamanho das rédeas da montada da possibilidade dos Jockeys lhes darem mais ou menos folga e de poderem usar ou não esporas, de quem manda nos que montam, de quem manda nos que mandam nos que montam, de como quem manda o faz e se o faz com maior ou menor transparência, que mais se fala e mais se discute a corrupção; melhor o “combate à corrupção”.

Por tal razão, a discussão sobre “combate à corrupção”, habitualmente centrada nos métodos e instrumentos mais intrusivos de descoberta da verdade, resvala, com frequência de foco.

Ela acaba por, indevidamente, se centrar no mais subliminar tema da existência, do apuramento e da definição de possíveis interesses que, em cada caso, os que têm o dever de travar tal “combate” supostamente protegem ou prejudicam com a sua atuação.

Os que investigam a corrupção passam assim, não raramente, de investigadores a investigados: de justiceiros a justiçados.

E, desta forma, não há “combate à corrupção” que resulte: e não há mesmo.

Alguma esquerda mais clássica tenta, é certo, fugir de tal ardil e tem procurado, debalde, deslocar o foco da abordagem da corrupção para o mais esclarecedor plano das suas circunstâncias.

Só que, tal discussão, levada a sério, ameaça a estabilidade do sistema.

Razão pela qual tal abordagem da corrupção é silenciada pelos discursos sobrepostos, pragmáticos e ruidosos dos que optam, privilegiadamente, pela análise critica dos procedimentos concretos usados em cada concreta investigação e se foca, unicamente, se necessário, na atuação e opções daqueles a quem, estatutariamente, compete intervir no âmbito das leis processuais aplicáveis

Ambos os discursos são necessários, mas em momentos e planos diferentes, não devendo, por isso, como frequentemente acontece, sobrepor-se ou anular-se mutuamente.

Em tal confusão de premissas se entretêm, no entanto, as televisões, em debates sem fim, trocando galhardetes e inventando pecados, mais de pensamentos e palavras, do que de obras: debates a que só a eles e aos que nelas têm assento interessam, pois tudo se passa, afinal, no círculo social que, usualmente, todos frequentam.

Refiro-me, pois, ao que agora se usa chamar a “bolha”; um mundo que não sendo de todo virtual, não é, na verdade, também, aquele que é percetível, sentido e vivido pelo eleitorado.

Tal desvio no discurso e debate sobe a corrupção evita, assim, tornar pública uma posição política clara sobre as contradições reais que afetam o sistema político e socioeconómico em que ocorre, real ou percebida como tal, a corrupção.

A corrupção – como a droga e o tráfico de seres humanos, por exemplo – tem, todavia, causas concretas intrinsecamente ligadas à natureza e ao modo como o sistema socioeconómico em que vivemos, está moldado e evoluiu.

Dirão alguns, em jeito justificativo, que há corrupção em todos os sistemas socioeconómicos: é verdade.

A nós, compete-nos, porém, cuidar e tratar do nosso sistema; pelo menos enquanto ele exista como é, e possamos, ainda assim, melhorá-lo e torná-lo menos lesivo do bem comum.

No nosso país – em que a ação, as obras e muitos serviços do Estado são prestados, não por ele mesmo, mas, maioritariamente, por privados que com ele contratam – o foco da corrupção mais penosa e danosa para a sociedade situa-se, precisamente, em tal barganha.

É aí, como se tem visto, que acontece o crime grosso e se geram e acomodam os criminosos mais habilidosos e, também, por vezes, os menos óbvios.

Será, pois, no campo da prevenção, através de um controlo prévio e concomitante de tais contratos e do acompanhamento da sua execução, que se pode impedir que a mancha da corrupção se alargue.

Isso implica um tipo de controlo que não se restrinja aos aspetos abstratos da conformidade e racionalidade económico-financeira, mas se estenda, também, ao acompanhamento regular do plano material e técnico-financeiro da execução de tais contratos: uma análise financeira e técnica da qualidade e eficiência do projeto do princípio ao fim da sua execução. 

Será, pois, no campo da extensão das áreas de intervenção e no do aperfeiçoamento dos sistemas de controlo interno e externo dos contratos entre o Estado e privados – e, nesta função, com relevo para as atribuições e competências do Tribunal de Contas –, que se pode ir contrariando, de facto, a apetência por atuações corruptivas.

É o que, no plano interno das empresas, se denomina “compliance”: a atividade de prevenir, detetar e quaisquer desvios ou violações legais, bem como a de acautelar e assegurar a qualidade do produto produzido e transacionado.

Na ausência do apoio fornecido por um controlo forte dos contratos firmados pelo Estado para realizar o bem comum, o sistema judicial penal – por, constitucionalmente, só poder agir formalmente depois do crime consumado –, vê-se obrigado, para ser minimamente eficaz, a usar instrumentos legais excecionais e que, por o serem, funcionam, na melhor das hipóteses, nos limites das garantias constitucionais basilares numa Democracia.

O uso de tais instrumentos legais, mas, de facto, abrasantes das garantias constitucionais, logo levanta, porém, alguns espantalhos: desde logo, por poderem tocar interesses próprios dos agentes públicos envolvidos – e de não ser sempre óbvia a diferença entre responsabilidade política e responsabilidade por atos administrativos –, o da violação da separação dos poderes e, imediatamente, o da politização da justiça.

Os riscos de investir, prioritariamente, o sistema judicial penal na função de conter a corrupção são, assim, múltiplos.

Visto deste prisma, o “combate à corrupção”, se centrado sobretudo na Justiça penal, constitui-se, pois, no mais adequado instrumento político e ideológico de que os inimigos da Democracia dispõem – de borla – para conseguirem ir descaracterizando as garantias próprias de um regime democrático.

A corrupção, essa de pouco lhes importa – “sempre existiu” – comentam, e é verdade.


 [JLFT1]concordam