José Filipe Pinto. “Na União Europeia não há condições para o regresso do nazismo”

José Filipe Pinto. “Na União Europeia não há condições para o regresso do nazismo”


O professor catedrático e especialista em Relações Internacionais reconhece que iremos assistir a um aumento da extrema-direita, mas está convicto de que “esse nacionalismo não se vai traduzir numa militarização do regime”.


O investigador português tem vindo a chamar a atenção para o crescimento do populismo nas sociedades europeias, defendendo que é “o irmão gémeo da democracia” e não o seu “filho bastardo”, o que tem vindo a traduzir-se num voto de protesto que se estende da extrema-esquerda à extrema-direita. Professor catedrático da Universidade Lusófona de Lisboa e Investigador Coordenador do Centro de Investigação em Ciência Política, Relações Internacionais e Segurança, José Filipe Pinto é autor de vários livros, nomeadamente o Populismo e Democracia – dinâmicas populistas na União Europeia.

Sente que existem hoje saudosistas de Hitler?

Acabei de fazer trabalho de campo em Florença durante quatro dias – Itália também comemora o 25 de Abril pelo derrube do regime de Benito Mussolini – e o que ficou nítido, o que ficou claro é que tendo desaparecido o regime não tinham desaparecido os fascistas. E da mesma maneira isso se aplica a Hitler e, portanto, aos nazis. O desaparecimento do Terceiro Reich, o desaparecimento de Hitler – apesar de várias teorias apontarem que teria fugido, está cientificamente provado que morreu – não significou o desaparecimento do nazismo.

E isso manifesta-se agora com os problemas a que se assiste na Europa?

Quando começam a surgir problemas na Europa, nomeadamente ao nível da vinda dos imigrantes, da vinda dos refugiados, isso voltou a reacender a chama da ideia de uma raça pura, da ideia de que o estrangeiro era uma ameaça e que o lobby judeu era muito poderoso e que importava, portanto, defender a civilização. Aliás, teorias como a grande substituição que surgiu em França e também outras teorias da conspiração apontam precisamente para o perigo da raça europeia. Sabemos hoje que não há raças, há variedades melânicas e que o género humano pertence todo à mesma raça, no entanto, essa cientificidade não colhe junto destes grupos neonazis que verdadeiramente acabam por receber uma influência cultural, uma referência ideológica daquelas que eram as ideias do Terceiro Reich. Repare, a obra Mein Kampf: A Minha Luta de Adolf Hitler é um livro que, sob o ponto de vista ideológico e sob o ponto de vista da cientificidade, não tem peso, mas tem um enorme peso no que diz respeito à mobilização e à capacidade de arregimentar vontades, principalmente dos descontentes com o sistema.

Uma onda de descontentamento que ainda existe hoje em dia…

Há muitos saudosistas e saudosistas que, mais do que recriarem o nazismo e o fascismo, estão essencialmente a tentar revisitá-lo. E a revisitá-lo de que forma? Mantendo aquelas que foram as suas grandes bandeiras e por isso mesmo assistimos a um crescimento muito acentuado da Alternative für Deutschland [AfD], que não se assumindo como um partido neonazi conta entre muitos dos seus membros, mas também entre muitos dos seus votantes, com saudosistas do regime nazi. Por exemplo, em Portugal tivemos uma ditadura, o Estado Novo, a que se chamava muito de nazismo, era referido como um regime nazi e fascista. No entanto, o Estado Novo era um corporativismo e só importou um elemento do fascismo que era as corporações, não importou as ideias-chave do nazismo. Aquele culto do chefe, do líder que organiza grandes manifestações de apoio, foi algo que não colheu nunca junto do Estado Novo. Isso revela que não podemos confundir regimes autoritários com regimes totalitários. Em Portugal tivemos um regime autoritário e hoje em toda a Europa há muitos regimes autoritários.

E isso é visível em vários países europeus, nomeadamente em Portugal com o partido Chega…

Os partidos de extrema-direita que temos, e há alguns de direita radical, mas principalmente os de extrema-direita são visíveis em partidos como o Vox [Espanha], como o Chega [Portugal], como o Rassemblement National [França], como o Partido da Liberdade de Geert Wilders [Países Baixos] e como a Alternative für Deutschland [Alemanha], mas são essencialmente partidos do tipo populista cultural ou identitário, em que, aí sim, há uma influência do nazismo, em que há a defesa de que o que é nacional é bom. Estes partidos cultivam o nacionalismo e tanto o fascismo como o nazismo também o cultivavam, em que consideravam como inimigo os elementos externos, em que havia a defesa da raça pura e do elemento nacional, da cultura nacional. Mas o que pretendem essencialmente estes partidos são propostas do tipo autoritário e não do tipo totalitário, e o regime nazi é um regime totalitário. Penso que na União Europeia não há condições para o regresso do nazismo e mesmo os saudosos do nazismo pretendem apenas uma revisitação e trocam o elemento totalitário pelo elemento autoritário.

Não é de prever voltarmos a situações totalitárias…

Vamos assistir a um aumento da extrema-direita, vamos ter um aumento da direita radical, mas se bem que o nacionalismo possa ser exacerbado, esse nacionalismo não se vai traduzir numa militarização do regime e ao não se traduzir numa militarização do regime não vai também, de maneira nenhuma, desenvolver uma polícia política com as características que teve o nazismo. Portanto, a experiência ao nível da União Europeia não é recuperável, é quando muito revisitada, mas revisitada no sentido de adaptação. Porquê? Porque é evidente que tendo estas franjas existindo sempre e estando, neste momento, a acolher mais adeptos devido à vinda principalmente dos imigrantes e dos refugiados, há esta ideia de revistar. Por outro lado, percebemos que a maioria dos partidos da mainstream recusam qualquer conotação ligada à ideologia nazista.