Ponto de viragem. Quando, em 1941, a megalomania tramou Hitler 

Ponto de viragem. Quando, em 1941, a megalomania tramou Hitler 


Uma Europa adormecida e ingénua na avaliação das intenções de Hitler e uma América vincadamente isolacionista escancararam as portas para os sucessos da blitzkrieg nazi. Contudo, a megalomania do Führer em 1941 virou a União Soviética e os EUA contra a Alemanha. Foi o início do seu fim.


A Segunda Guerra Mundial é o conflito mais sangrento já registado na história da humanidade. Cerca de 60 milhões de mortos, dos quais a maioria foram civis, e 25 milhões de feridos são os números estimados. Apesar de persistirem, em 2025, autoproclamados historiadores que acreditam que o conflito eclodiu e tomou as proporções que tomou por conta dos “falcões” ocidentais como Winston Churchill, existe um consenso alargado entre os historiadores mais reputados de que a guerra entre 1939 e 1945 tem um culpado principal: Adolf Hitler.

A humilhação imposta aos alemães na sequência do processo de paz de Versalhes (do qual os vencidos ficaram à margem), o agravar da situação económica e financeira – que derramou, naturalmente, para a política – e os dogmas e preconceitos que foram ganhando terreno na sociedade alemã colocaram Hitler ao leme do país. A sua estratégia era clara. No Mein Kampf (A Minha Luta, em português) Hitler não escondia ao que vinha. Queria um Lebensraum (espaço vital) para o povo alemão e estava disposto a cometer as atrocidades necessárias para estabelecer a raça ariana como a raça dominante à qual os outros povos, vistos como inferiores, se deveriam subjugar ou, no caso dos judeus, enfrentar os trabalhos forçados e a morte.

Hitler rasgou o Tratado de Versalhes, como havia prometido, abandonou, em 1933, a conferência de desarmamento e rearmou-se, reocupou a Renânia em 1936, ocupou a Áustria e a Checoslováquia em 1938, atacou a Polónia em 1939 e, no verão de 1940, com a estratégia blitzkrieg (guerra relâmpago) a todo o vapor, a Wehrmacht marchou sobre Paris. O exército alemão operava como um autêntico rolo compressor e parecia destinado a subjugar qualquer território que aprouvesse ao Führer.

Barbarossa e a batalha de Estalinegrado

As tentativas de paz, ou de apaziguamento – tanto do Reino Unido e da França quanto da União Soviética – fracassaram, como hoje sabemos. Estaline tentou por diversas ocasiões a cooperação com o III Reich, mas nem os pactos assinados entre Moscovo e Berlim impediram os soviéticos de serem um alvo da megalomania hitleriana. Tanto Estaline quanto Hitler sabiam que a guerra entre ambos era inevitável, mas o líder soviético, calculista, cometeu um erro de julgamento quanto à capacidade estratégica do Führer. Porém, é precisamente quando os alemães colocam em marcha a famosa Operação Barbarossa, que já estava em estudo desde 1940 e que empurra o exército alemão para uma guerra em duas frentes, que o conflito começa a mudar de figura. Acreditando que infligindo uma derrota à União Soviética o Japão ficaria livre para lidar com os Estados Unidos no Pacífico, deixando as portas escancaradas para a dominação global, Hitler inicia a campanha que acabou por ser o início do seu fim.

“Quando atacou a União Soviética”, escreveu Henry Kissinger na sua obra Diplomacia, “Hitler organizou a mais massiva guerra terrestre na história da humanidade. (…) Foi um combate de genocídio até ao fim”. “O exército alemão destruiu a Rússia”, mas “não foi capaz de derrotá-la”. “Numa batalha sangrenta na gelada Estalinegrado”, continua Kissinger, “Hitler perdeu o 6.º exército inteiro”. Segundo as estimativas, morreram cerca de 200 mil soldados alemães e mais 300 mil foram capturados. “Ficava destruída a retaguarda do esforço de guerra alemão. Os governantes aliados – Churchill, Roosevelt e Estaline – podiam agora começar a pensar na vitória e na futura forma do mundo”. De forma resumida, o que aconteceu, para o ex-secretário de estado americano, foi que “Estaline apostara na racionalidade de Hitler e perdera; Hitler apostara na rápida capitulação de Estaline e também perdera. Mas, enquanto o erro de Estaline podia ser corrigido, o de Hitler não”.

Assim, restam poucas dúvidas de que é na sua tentativa de subjugar os soviéticos que Hitler dá o primeiro passo rumo a mais uma derrota alemã num conflito mundial. Mas por que favorecia Hitler a rapidez em detrimento da estratégia paciente? Voltando a Kissinger, “uma vez que, com base na história da sua família, calculou que a sua vida seria relativamente curta, nunca permitiu que nenhum dos seus sucessores se consolidasse e impulsionava os avanços consoante o cronograma estabelecido pela avaliação que fazia das próprias forças físicas”. Para o diplomata americano, Hitler acreditava que, “sendo as suas faculdades tão invulgares, todos os seus objetivos tinham de ser alcançados durante a sua existência”. Enquanto Hitler enfrentava o duro exército soviético nas adversas condições do terreno russo, que também tramou Napoleão, outro evento no Pacífico parecia selar o seu destino.

Pearl Harbor

Que a incursão precipitada de Hitler na União Soviética representa um ponto de viragem na Segunda Guerra Mundial parece indiscutível. Porém, entre o início da Operação Barbarossa (junho de 1941) e a derrota em Estalinegrado (fevereiro de 1943), dá-se outro acontecimento, também amplamente conhecido, que serviu de acelerador à espiral negativa da Alemanha: o ataque japonês a Pearl Harbor e a declaração de guerra da Alemanha – que estava comprometida com o Japão através do pacto tripartido (que também incluía a Itália e para o qual Estaline chegou a ser convidado) – aos Estados Unidos quando ainda estava empenhada em tentar destruir os soviéticos.

É também com a entrada de facto dos Estados Unidos no conflito (antes já haviam quebrado a neutralidade) que Hitler perde o controlo e vê mais um prego ser colocado no caixão onde repousariam eternamente as suas ambições. Voltando à obra de Kissinger, “ao iniciarem as hostilidades, as potências do Eixo tinham resolvido o dilema angustiante de Roosevelt sobre como levar o povo americano [isolacionista] a participar na guerra”. “Se o Japão tivesse focado o ataque no sueste asiático e Hitler não tivesse declarado guerra aos Estados Unidos, a tarefa de Roosevelt (…) teria sido muito mais complicada”.

Franklin D. Roosevelt, a 7 de dezembro de 1941, dirige-se ao Congresso e declara a entrada dos EUA no conflito: “Não importa quanto tempo leve para superarmos esta invasão premeditada, o povo americano, na sua justa força, vencerá até à vitória absoluta. (…) Com confiança nas nossas forças armadas e com a determinação inabalável do nosso povo, obteremos o triunfo inevitável, assim Deus nos ajude”. O impacto desta decisão, que se tornou inevitável depois do ataque a Pearl Harbor, é mais bem compreendido ao observar a reação de Churchill, cujas perspetivas de vitória sem os Estados Unidos eram reduzidas. No seu diário, publicado em forma de livro em 1966, Sir Charles Wilson (Lord Moran), o médico que acompanhou o líder britânico desde 1940, descreve o sentimento que a decisão de Roosevelt provocou em Churchill: “Ele é um homem diferente desde que a América entrou na guerra. (…) O P.M., suponho, deve ter sabido que se a América ficasse de fora só poderia haver um final para este problema. E agora, de repente, a guerra está praticamente ganha”.

Posto isto, pode considerar-se que a derrota de Hitler na URSS e a entrada dos Estados Unidos na guerra – ambos em 1941 – alteraram o rumo da história. Mas importa também não esquecer que estes dois eventos foram uma consequência mais de algo pessoal do que estratégico ou militar: o quadro mental de Adolf Hitler, como a descrição de Kissinger antes citada deixa claro. A humanidade, então, respirou de alívio e começou a preparar-se para nova ordem mundial que entregou, sim, uma Ordem Liberal próspera, mas que, até à década de 1990, viveu no limiar de uma possível guerra quente entre as duas superpotências emergentes da vitória aliada em 1945.