Quando as luzes se apagaram em todo o país, pelas 11h33 de segunda-feira, em São Bento a falha mal se sentiu. O gerador começou imediatamente a funcionar e a vida seguiu normalmente – mas apenas por breves minutos. O primeiro-ministro tinha planeado passar uma parte da manhã a preparar-se para o debate marcado para essa noite com Pedro Nuno Santos, o último da maratona de confrontos televisivos. Marcara até uma hora para cortar o cabelo nas imediações da residência oficial – que manteve. Mas dois minutos depois do apagão, quando a sua equipa começou a receber indicações de que a falha era geral, foi acionado o estado de crise.
«O primeiro-ministro falou imediatamente com vários ministros: o das Infraestruturas e Habitação e as ministras do Ambiente e Energia, da Saúde e da Administração Interna. Os vários serviços foram instruídos para se organizarem em células de crise. Havia a interação entre a Proteção Civil e o Sistema de Segurança Interna (SSI), que foi fundamental, mas quisemos que as diferentes áreas funcionassem, num sistema de cascata: a partir de um núcleo político coordenador e depois as células setoriais», conta ao Nascer do SOL uma fonte do Governo que acompanhou todos os minutos da crise.
Foi assim em vários locais espalhados pelo país. Das Forças Armadas à direção executiva do Serviço Nacional de Saúde. Na avenida Defensor de Chaves a secretária-geral do SSI, Patrícia Barão, reuniu os representantes das diferentes forças na sala de operações que fica no piso zero, interagindo com a Proteção Civil.
No Forte da Ameixoeira o secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), embaixador Vítor Sereno, reuniu pela primeira vez as duas Secretas numa sala de operações que estava a funcionar 15 minutos após o apagão. «Estivemos imediatamente a analisar toda a troca de informações que existiu com os vários parceiros espanhóis e municiámos o gabinete do primeiro-ministro com o que íamos obtendo», conta ao Nascer do SOL uma fonte das Secretas. Um trabalho que foi especialmente importante na primeira hora, quando começaram a surgir informações contraditórias sobre a dimensão e a origem do apagão. «Havia relatos de problemas em França, no Reino Unido, Alemanha, Polónia, etc.. Através do Secretário-Geral do SIRP e dos nossos embaixadores nesses países procurámos ter dados concretos e diretos. Para haver decisões informadas é importante haver uma filtragem correta», relata fonte do Governo.
No Forte da Ameixoeira os responsáveis do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa acionaram a rede de contactos na Europa e o oficial de ligação em Bruxelas esteve em contacto com os seus congéneres. «Parecia que estava a afetar a Europa inteira. Em Espanha o contacto foi direto e permanente com o Centro Criptológico Nacional – o equivalente ao nosso Centro de Cibersegurança – que está dependente do Centro Nacional de Informações», explica uma fonte ligada às informações. «Para além disso, como temos os programas de sensibilização económica e o departamento de cibersegurança está em contacto com as grandes empresas nacionais, cruzámos toda a informação».
O tema das informações foi altamente sensível quando, já depois de Leitão Amaro falar ao país pouco depois das 12h, dizendo que o apagão tinha tido origem fora de Portugal, o ministro Adjunto e da Coesão Territorial Castro Almeida admitiu, numa entrevista à RTP3 que a causa podia ter sido um ciberataque. «Há essa possibilidade, de facto, mas não está confirmada», disse, acrescentando que por abranger «vários países da Europa» é «uma coisa em grande escala que, pela dimensão que tem, é compatível com um ciberataque». Essas declarações foram depois empoladas por uma mensagem atribuída à CNN Internacional que começou a circular no WhatsApp e nas redes sociais atribuindo a hackers russos a origem do apagão. Mensagem que citava até alegadas declarações da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Quando essa mensagem chegou ao Governo, o chefe de gabinete de Luís Montenegro, Pedro Perestrello Pinto ligou ao chefe de gabinete da presidente da Comissão Europeia que garantiu imediatamente que as declarações eram falsas. «Esse foi um dos primeiros contactos internacionais do Governo nesse dia», explica fonte do Executivo. Para sossegar a população, o diretor da CNN Portugal foi à antena garantir que a noticia era falsa.
UMA SALA DE CRISE
Pelas 12h30 o gabinete do primeiro-ministro convocou um conselho de ministros de emergência para as 13h15 que se reuniu em formato híbrido. Na sala de reuniões do primeiro andar, mesmo ao lado do gabinete de Montenegro, juntaram-se dez ministros: das Finanças, Presidência, Adjunto e da Coesão Territorial, Infraestruturas, Energia, Educação, Justiça, Administração Interna, Economia e Modernização Administrativa (ver foto). Por videoconferência estavam os dos Assuntos Parlamentares, da Saúde (que estava em Vila Real), Agricultura, Trabalho, Cultura, Defesa (que estava no Porto) e o dos Negócios Estrangeiros.
Paulo Rangel foi mesmo um caso especial. O ministro dos Negócios Estrangeiros tinha marcada viagem para Valência onde ia concorrer – e foi eleito – a uma das 10 vice-presidências do Partido Popular Europeu no congresso da maior força política europeia que se realizou entre terça e quarta-feira na cidade espanhola. Essa foi aliás, uma das primeiras decisões a tomar nessa manhã: o cancelamento da presença de Luís Montenegro que iria discursar na terça-feira.
Espanha esteve também no centro dos contactos internacionais do Governo. Pelas 13h Luís Montenegro falou telefonicamente com o presidente do Governo espanhol, Pedro Sánchez, pela primeira vez. Foi uma conversa interrompida a meio quando o socialista espanhol ficou sem rede no telemóvel. «Mas nesse contacto foi combinado manter os contactos diretos e partilhar informações relevantes para os dois lados. Era já claro que a origem estava no lado espanhol», conta fonte próxima do primeiro-ministro. Uma segunda conversa entre os dois ocorreu já pelo meio da tarde. Desta vez sem interrupções.
Para além de informar regularmente o Presidente da República de tudo o que se estava a passar, Montenegro desdobrou-se em contactos internacionais. Com António Costa falou logo às primeiras horas da crise, partilhando informação sobre o que se passava. Os gabinetes do primeiro-ministro e da presidente da Comissão Europeia estiveram permanentemente em contacto e o próprio Montenegro e Ursula von der Leyen conversaram a meio da tarde, pelas 16h15. O primeiro-ministro recebeu ainda uma mensagem direta do Presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky. «Ele quis partilhar a sua experiência em lidar com constantes quebras de energia no país, apesar da enorme diferença que existe entre o que se vive na Ucrânia e o que se passou cá», relata um membro do Governo.
Quando já estava claro que o apagão se restringia a Portugal, Espanha e uma parte do sul de França, o foco do Executivo foi num primeiro nível identificar a origem do problema e como se podia acelerar a reforma. Logo depois a prioridade seguinte passou por prevenir e diminuir o impacto na população, sobretudo nas áreas críticas: nos hospitais, transportes, escolas e fornecimento de água. As forças de segurança foram também colocadas de prevenção. «Se o apagão e prolongasse durante a noite era preciso precaver uma situação potenciadora de insegurança. Felizmente não foi necessário acioná-las», explica fonte do Executivo.
DRAMA NA MATERNIDADE
A situação nos hospitais foi uma das principais preocupações do Governo. Todos têm planos de contingência e geradores, mas o abastecimento foi uma preocupação. «O ministério da Saúde fez o levantamento das necessidades. Elas foram comunicadas ao oficial de ligação da ANEPC, nós supervisionámos o que era feito e demos o impulso necessário para garantir que o que era mais prioritário era tratado. Se um hospital tinha autonomia para oito horas, não podíamos esperar pela sétima hora», diz um membro das operações.
A situação da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) foi das mais preocupantes. Como contou o jornal Observador, a infraestrutura só tinha 400 litros de combustível e autonomia para cinco horas e a certa altura a situação aproximou-se perigosamente do limite. Com as dificuldades do abastecimento, no gabinete de crise em São Bento chegou a equacionar-se a possibilidade de os motoristas dos ministros irem à maternidade com jerricãs de combustível.
Uma segunda opção foi ligar à Polícia Judiciária (PJ), cuja sede fica a cerca de 900 metros da Maternidade, para perguntar se os inspetores tinham combustível que pudessem dispensar. A resposta foi positiva. Nessa manhã, pelas 12h, o Diretor Nacional, Luís Neves, tinha reunido a equipa para avaliar o que fazer. «Temos depósitos com milhares de litros e a ordem foi para ver em que estado estavam. Os carros também foram abastecidos à cautela», conta ao Nascer do SOL fonte da Judiciária. Depois de contactada pelo Governo, a PJ garantiu que podia estar na MAC em cerca de 20 minutos. Todavia, quando as carrinhas carregadas com combustível chegaram à maternidade, um camião cisterna tinha conseguido lá chegar e já estava a abastecer. Todavia, o combustível da Judiciária não regressou à sede. No Hospital dos Capuchos a situação também era preocupante. «Fomos então para lá e abastecemos o hospital que também fica na nossa área», conta um inspetor que participou na operação.
Nos transportes, a prioridade do Executivo foi retirar os passageiros que tinham ficado presos no metro. Depois foi garantir que a travessia do Tejo, nos cacilheiros, era gratuita para evitar enormes filas. Em Lisboa, o presidente da Câmara, Carlos Moedas, também anunciou que os autocarros da Carris seriam gratuitos. Uma vez que os semáforos não funcionaram foi também necessário colocar em campo polícias sinaleiros.
FALAR AO PAÍS
Pelas 15h15, Luís Montenegro falou ao país pela primeira vez à porta de São Bento, dizendo que o Governo estava a recolher todas as informações e apelou a que os portugueses confiassem no Governo que estava a tentar repor a energia durante o dia. «Temos o SSI com a sua célula de crise ativa, temos os serviços de informações da República a recolher todas as informações para termos melhor compreensão da origem deste problema».
Seguiu depois para a sede da REN – Rede Elétrica Nacional, em Sacavém, acompanhado da ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho, e do chefe de gabinete, Pedro Perestrello Pinto. Com o caos no trânsito, tiveram de ser os batedores em motorizadas a abrir caminho. «No percurso ficaram com a sensação de que não havia pânico e que os portugueses estavam a reagir com tranquilidade», diz fonte do Executivo. Os responsáveis da elétrica, apesar de terem cortado já as ligações a Espanha e de estarem a fazer todos os esforços para repor o abastecimento, ainda não tinham feito qualquer esclarecimento – algo que foi feito após o pedido do Governo.
As únicas duas centrais portuguesas capazes de repor a energia no chamado black start, ou seja em ligarem-se autonomamente, a central da Tapada do Outeiro e a de Castelo de Bode, estavam em dificuldades. «Uma só arrancou à sexta vez e outra à terceira ou quarta», contou ao Nascer do SOL a ministra Graça Carvalho (ver entrevista).
De regresso a São Bento – onde os ministros eram alimentados a frutos secos, sopa e bifanas preparadas pelos serviços da residência – foi preparada a declaração de crise energética. O gabinete do PM tentou também os contactos com os vários partidos. Montenegro já tinha falado com Pedro Nuno Santos pelas 14h e ambos acordaram logo o adiamento do debate que estava marcado para essa noite. «Tentámos depois falar com todos mas houve grande dificuldade de rede. Conseguimos falar com o PS e o Bloco de Esquerda. Pedimos para indicarem uma pessoa para ir a são bento para uma reunião de partilha de informação, mas não indicaram ninguém. Os outros partidos ligaram de volta ao fim do dia quando perceberam que tinham várias tentativas de chamadas. Só o Livre é que não devolveu a chamada», relata fonte do Executivo.
Ao final da noite, já com a energia reposta em quase todo o território nacional, Montenegro fez finalmente uma declaração ao país. Encerrou a reunião na sala de crise cerca de 30 minutos depois. No final da noite entendeu ainda visitar a MAC, que tinha vivido a situação mais crítica: caso a energia tivesse falhado, vários bebés prematuros que estavam em incubadoras podiam não ter sobrevivido.
Na manhã seguinte, reunido novamente o Conselho de Ministros, cada um dos titulares fez um balanço da situação setorial. Foi relatado o impacto, a recuperação e o que deve ser feito no futuro, tendo em conta o que ocorreu. «Decidiu-se então fazer o pedido de auditoria europeia, que será importante, tendo sido escolhida a ACER por garantir a independência, e criar uma comissão técnica independente», explica fonte do Governo. Medidas mais imediatas foram também anunciadas por Montenegro: a reestruturação do SIRESP e ter mais duas centrais com capacidade de black start.