O risco dos rodapés serem centrais na atenção


51 anos depois de Abril, há muito ainda por fazer e mais por ajustar, na cidadania, na comunidade, no país e na nosso posicionamento na Europa e no Mundo, mas também num funcionamento cada vez mais doentio de alguns media.


No mundo da espiral de disfunção, de deslaços e de falta de compromisso com as regras básicas em que estamos mergulhados, incapazes de disseminar filtros que cada um aplique aos que vê, ouve e reproduz, estamos expostos a que quem está melhor organizado, tem funcionamentos disruptivos ou facilidade em ser eficaz na comunicação assuma centralidades impensáveis para quem procure ver a realidade como um todos, além da vertigem do quotidiano, do mediatismo ou do descartável instalado. Sim, sem filtro, sem critério, somos tomados pelos oportunistas que apenas querem aproveitar as vantagens que as sociedades democráticas, livres e abertas geram.

O problema é que durante muitos anos descansámos sobre as virtudes do sistema democrático como geradores de cidadãos, com compromisso, balanço entre as liberdades e os deveres, como que imunes aos riscos e às novas dinâmicas negativas que estavam a ser geradas ou de que sobravam resquícios de outros tempos ou latitudes (por exemplos, dos regimes comunistas). Acreditámos numa espécie de geração espontânea de cidadãos, com valores, sentido de identidade e de compromisso cívico com a comunidade, tendo muitas famílias depositado na escola e na comunidade, responsabilidades de educação, de transmissão de valores, de “ensinar a pescar” e até de disponibilizar “a cana para pescar” que teriam de ser partilhadas.

Acreditámos mesmo que a traumática imposição ditatorial de Salazar e de seus acólitos teria sido que baste para determinar uma imunidade aos saudosismos de um tempo em que nada do que agora é repristinado era possível. Era assim na afirmação ou na contestação, quanto mais amplitude de liberdades que pretendem reclamar para contestar tudo e todos, num quadro em que na lei existe um Estado de Direito Democrático.

Pura ilusão! Da mesma forma que há ainda muito de Abril que ainda não foi feito e boa parte do que foi concretizado que precisa de novas abordagens porque as realidades e os desafios são diferentes e exigem que as respostas ideológicas e políticas se ajustem, o compromisso democrático é uma sementeira que precisa de constância, persistência e atenção face aos riscos emergentes. E é aqui que, como diz o povo, “a porca torce o rabo”. Há mesmo o risco dos umbigos, do que é parcial, do que é mediaticamente interessante, ainda que sem representatividade geral, do acessório, do que divide para tentar reinar, do que representa um retrocesso civilizacional ou das conquistas de Abril ganhar centralidade nas atenções e no espaço mediático, mesmo que assente na distorção dos factos e das realidades ou na pura mentira. Por falta de critério e de filtro, o que era espaço qualificado de convergência comunitária, de diálogo ou de interação entre cidadãos, transforma-se em instrumento de projeção de interesses particulares, da promoção do ódio à captação de uns frames para as redes sociais, do afago dos preenchimentos de antena dos media ao aproveitamento inusitado e sem retorno de situações de desequilíbrio da sociedade ou de árvores que não fazem nenhuma floresta, só possíveis porque quem de direito não respondeu em tempos aos sinais que gravitavam.

Tal como na emergência e instalação do populismo e da extrema-direita no burgo, não há combate que se faça só pela palavra, é preciso agir com toda força da democracia nas causas que deram pasto a esta colheita tardia lesiva de equilíbrios fundamentais de compromisso individual e comunitário. É preciso agir na educação cívica, na geração de capacidade para pensar, filtrar e agir em função de padrões democráticos de tolerância, exigência e participação. É preciso ser implacável com as tentativas mais ou menos mimetizadas de outros países e cartilhas da extrema-direita para gerar o caos, a radicalização e a intolerância como expressão maior do funcionamento do sistema vigente. Mas é sobretudo fundamental agir sobre as causas que fundam estas dinâmicas que são rodapés das democracias, mas não estão livres de serem centrais como acontece nos Estados Unidos, onde já deportam sem fundamento e prendem juízes por ordem do poder executivo; ou em territórios europeus, de estados que fazem parte da União Europeia, além de outras tradicionais latitudes autocráticas, onde nada destas réplicas lusas teriam oportunidade de exercitar espasmos quanto mais verbalizações ou ações de rua. Enquanto não o for feito e o rodapé se travestir de relevância teremos os eivados de ódios com ações para gerar impactos mediáticos como os dos atropelamentos em Vancouver ou os contestatários, como os climáticos, que acham que para fazer valer as suas perspetivas têm de invadir com violência e destruição as esferas de liberdade dos outros ou as regras da vida em sociedade.

51 anos depois de Abril, há muito ainda por fazer e mais por ajustar, na cidadania, na comunidade, no país e na nosso posicionamento na Europa e no Mundo, mas também num funcionamento cada vez mais doentio de alguns media, com agendas dos acionistas, interesses de antena em que os fins justificam todos os meios, numa espiral de degradação da missão de informar, sem assunção de responsabilidade do seu papel social e cívico, sem consideração pelos impactos negativos na democracia e no tom de orquestra do Titanic incompatível com o contributo que deveriam dar para uma sociedade melhor. Continuem todos a ser parte da espiral de transformação dos rodapés em centralidades que no fim pouco ou nada se aproveita, depois do leite derramado, mesmo que seja agora uma bebida vegetal de qualquer coisa. Sermos qualquer coisa é mesmo o que não precisamos.

NOTAS FINAIS

FALTAM TRÊS SEMANAS! Em menos de três semanas, a 18 de maio, teremos eleições legislativas antecipadas, 51 anos depois da primeira oportunidade que os portugueses tiveram de participar numas eleições livres. Por muito cansaço que exista, há quem não o possa fazer em muitos países, como os nossos pais e avós não o puderam fazer durante muito tempo. É ir dizer o que pensam pelo voto, pelos que já perdemos e pelos que mais queremos.

O ANACRÓNICO DIA DA DEFESA NACIONAL. A Defesa Nacional é importante. A consciência juvenil do que é a Defesa Nacional é relevante. Mas a solução de promoção é anacrónica e perturbadora das dinâmicas, registando-se segundo o JN mais de 10 mil faltas à chama, por ano. Torne-se a carreira militar atrativa nas remunerações e nas oportunidades. Torne-se o contacto mais digitalizado (conteúdos pedagógicos online e vídeos dos ramos e oportunidades) ou com iniciativas que cenriqueçam os currículos dos jovens.

FALTA DE SENSO. A postagem de fotos do falecido Papa Francisco no caixão como as selfies de cardeais com matizes de alegria são de uma inacreditável falta de senso.

O risco dos rodapés serem centrais na atenção


51 anos depois de Abril, há muito ainda por fazer e mais por ajustar, na cidadania, na comunidade, no país e na nosso posicionamento na Europa e no Mundo, mas também num funcionamento cada vez mais doentio de alguns media.


No mundo da espiral de disfunção, de deslaços e de falta de compromisso com as regras básicas em que estamos mergulhados, incapazes de disseminar filtros que cada um aplique aos que vê, ouve e reproduz, estamos expostos a que quem está melhor organizado, tem funcionamentos disruptivos ou facilidade em ser eficaz na comunicação assuma centralidades impensáveis para quem procure ver a realidade como um todos, além da vertigem do quotidiano, do mediatismo ou do descartável instalado. Sim, sem filtro, sem critério, somos tomados pelos oportunistas que apenas querem aproveitar as vantagens que as sociedades democráticas, livres e abertas geram.

O problema é que durante muitos anos descansámos sobre as virtudes do sistema democrático como geradores de cidadãos, com compromisso, balanço entre as liberdades e os deveres, como que imunes aos riscos e às novas dinâmicas negativas que estavam a ser geradas ou de que sobravam resquícios de outros tempos ou latitudes (por exemplos, dos regimes comunistas). Acreditámos numa espécie de geração espontânea de cidadãos, com valores, sentido de identidade e de compromisso cívico com a comunidade, tendo muitas famílias depositado na escola e na comunidade, responsabilidades de educação, de transmissão de valores, de “ensinar a pescar” e até de disponibilizar “a cana para pescar” que teriam de ser partilhadas.

Acreditámos mesmo que a traumática imposição ditatorial de Salazar e de seus acólitos teria sido que baste para determinar uma imunidade aos saudosismos de um tempo em que nada do que agora é repristinado era possível. Era assim na afirmação ou na contestação, quanto mais amplitude de liberdades que pretendem reclamar para contestar tudo e todos, num quadro em que na lei existe um Estado de Direito Democrático.

Pura ilusão! Da mesma forma que há ainda muito de Abril que ainda não foi feito e boa parte do que foi concretizado que precisa de novas abordagens porque as realidades e os desafios são diferentes e exigem que as respostas ideológicas e políticas se ajustem, o compromisso democrático é uma sementeira que precisa de constância, persistência e atenção face aos riscos emergentes. E é aqui que, como diz o povo, “a porca torce o rabo”. Há mesmo o risco dos umbigos, do que é parcial, do que é mediaticamente interessante, ainda que sem representatividade geral, do acessório, do que divide para tentar reinar, do que representa um retrocesso civilizacional ou das conquistas de Abril ganhar centralidade nas atenções e no espaço mediático, mesmo que assente na distorção dos factos e das realidades ou na pura mentira. Por falta de critério e de filtro, o que era espaço qualificado de convergência comunitária, de diálogo ou de interação entre cidadãos, transforma-se em instrumento de projeção de interesses particulares, da promoção do ódio à captação de uns frames para as redes sociais, do afago dos preenchimentos de antena dos media ao aproveitamento inusitado e sem retorno de situações de desequilíbrio da sociedade ou de árvores que não fazem nenhuma floresta, só possíveis porque quem de direito não respondeu em tempos aos sinais que gravitavam.

Tal como na emergência e instalação do populismo e da extrema-direita no burgo, não há combate que se faça só pela palavra, é preciso agir com toda força da democracia nas causas que deram pasto a esta colheita tardia lesiva de equilíbrios fundamentais de compromisso individual e comunitário. É preciso agir na educação cívica, na geração de capacidade para pensar, filtrar e agir em função de padrões democráticos de tolerância, exigência e participação. É preciso ser implacável com as tentativas mais ou menos mimetizadas de outros países e cartilhas da extrema-direita para gerar o caos, a radicalização e a intolerância como expressão maior do funcionamento do sistema vigente. Mas é sobretudo fundamental agir sobre as causas que fundam estas dinâmicas que são rodapés das democracias, mas não estão livres de serem centrais como acontece nos Estados Unidos, onde já deportam sem fundamento e prendem juízes por ordem do poder executivo; ou em territórios europeus, de estados que fazem parte da União Europeia, além de outras tradicionais latitudes autocráticas, onde nada destas réplicas lusas teriam oportunidade de exercitar espasmos quanto mais verbalizações ou ações de rua. Enquanto não o for feito e o rodapé se travestir de relevância teremos os eivados de ódios com ações para gerar impactos mediáticos como os dos atropelamentos em Vancouver ou os contestatários, como os climáticos, que acham que para fazer valer as suas perspetivas têm de invadir com violência e destruição as esferas de liberdade dos outros ou as regras da vida em sociedade.

51 anos depois de Abril, há muito ainda por fazer e mais por ajustar, na cidadania, na comunidade, no país e na nosso posicionamento na Europa e no Mundo, mas também num funcionamento cada vez mais doentio de alguns media, com agendas dos acionistas, interesses de antena em que os fins justificam todos os meios, numa espiral de degradação da missão de informar, sem assunção de responsabilidade do seu papel social e cívico, sem consideração pelos impactos negativos na democracia e no tom de orquestra do Titanic incompatível com o contributo que deveriam dar para uma sociedade melhor. Continuem todos a ser parte da espiral de transformação dos rodapés em centralidades que no fim pouco ou nada se aproveita, depois do leite derramado, mesmo que seja agora uma bebida vegetal de qualquer coisa. Sermos qualquer coisa é mesmo o que não precisamos.

NOTAS FINAIS

FALTAM TRÊS SEMANAS! Em menos de três semanas, a 18 de maio, teremos eleições legislativas antecipadas, 51 anos depois da primeira oportunidade que os portugueses tiveram de participar numas eleições livres. Por muito cansaço que exista, há quem não o possa fazer em muitos países, como os nossos pais e avós não o puderam fazer durante muito tempo. É ir dizer o que pensam pelo voto, pelos que já perdemos e pelos que mais queremos.

O ANACRÓNICO DIA DA DEFESA NACIONAL. A Defesa Nacional é importante. A consciência juvenil do que é a Defesa Nacional é relevante. Mas a solução de promoção é anacrónica e perturbadora das dinâmicas, registando-se segundo o JN mais de 10 mil faltas à chama, por ano. Torne-se a carreira militar atrativa nas remunerações e nas oportunidades. Torne-se o contacto mais digitalizado (conteúdos pedagógicos online e vídeos dos ramos e oportunidades) ou com iniciativas que cenriqueçam os currículos dos jovens.

FALTA DE SENSO. A postagem de fotos do falecido Papa Francisco no caixão como as selfies de cardeais com matizes de alegria são de uma inacreditável falta de senso.