O dia em que voltámos ao antigamente


Só a serenidade da noite e a paz que ela nos devia transmitir sempre. Este foi o dia em que percebemos que a vida para lá dos ecrãs também existe!


Eu sou do tempo, na minha infância, em que de vez em quando faltava a energia, sobretudo no Inverno com a chegada das chuvas fortes e trovoadas. Nessa altura tudo era gerido com naturalidade. Já tínhamos velas preparadas, um petromax à mão, lanternas com pilhas novas e outros adereços para que nada faltasse e tudo decorresse de forma mais pacifica e tranquila possível. Não existiam telemóveis que nos distraíssem e nos “roubassem” o tempo e os computadores tinham funções muito limitadas, insuficientes para nos causar em casa, algum tipo de limitação. Os bicos dos fogões eram quase todos a gás por isso não faltaria seguramente jantar e mesmo que faltasse alguma coisa estávamos habituados a nos desenrascarmos, uns com o apoio dos vizinhos e da família mais próxima ou entre nós, dentro das quatro paredes. Lembro-me que quando acontecia ficávamos à conversa, horas intermináveis em frente à lareira, a contar histórias e a comer castanhas assadas. Muitas vezes ficávamos à janela, a olhar para a rua completamente vazia e despida de iluminação, com a lua sob pano de fundo, à espera para perceber quando se veria algum sinal do regresso.

Em alguns casos íamos dormir na companhia do escuro e acordávamos a meio da noite com as luzes acesas e o barulho de alguns eletrodomésticos a apitar ou a darem o sinal de restart. Noutras chegava de repente e gritávamos uns para os outros, nas escadas “ já veio a luz!!”. Ontem voltou a acontecer, num tempo em que é para todos uma anormalidade, em que já ninguém se lembra de como era e muitos nunca haviam sequer passado por isso. Não havia telemóvel para ir de 5 em 5 minutos cuscar a vida dos outros no Facebook ou no Instagram, os grupos de whatasapp não apitaram durante umas horas, ninguém se pode socorrer da Google para dar as respostas que só a vida nos ensina, perdeu-se o acesso ao digital, sites de futebol e de moda, televisões e notícias. Ficámos só nós, só nós e o mundo. Vi pais no parque com os seus filhos, realmente a olhar para eles, vi crianças a jogar à bola no Jardim da Estrela, pessoas à conversa sem distrações. Não havia semáforos de trânsito e depois de umas horas de confusão o mesmo começou a fluir, começaram-se a respeitar as prioridades, a regra do “passa um de um lado e outro de outro, à vez”. Vi gente a ajudar de forma altruísta quem se encontrava com mais dificuldade e senti as pessoas especialmente condescendentes, dada a situação.

Eu que trabalho num grupo hoteleiro tive naturalmente que gerir inúmeros constrangimentos, não foi fácil conseguirmos prestar os melhores serviços, existem limitações decorrentes dos nossos tempos que nos fazem depender tanto da eletricidade que não há outra volta a dar. Ou melhor há. Conversando, explicando o que se está a passar, tentando encontrar outras soluções para o problema ou simplesmente aceitando que é uma situação excecional que não é culpa de nenhum dos intervenientes. No caminho para casa encontrei famílias com os pais preocupados e os filhos entusiasmados como se de um grande evento se tratasse e eles o estivessem a viver na primeira pessoa. Ou talvez só entusiasmados porque tinham a mãe ou o pai verdadeiramente atentos e a dar-lhes respostas rápidas e objetivas. Havia poucas ou nenhumas distrações. Acredito que para quem tem pessoas na sua dependência o grau de preocupação aumente. Não era o meu caso.

Como não tenho filhos, cheguei a casa, fiz uma sandes com uma fatia de queijo e uma lata de atum e a seguir saí durante cerca de meia hora para ver como estavam as ruas. O comportamento das pessoas e o impacto da falta de luz. Vi uma cidade serena, um jardim da Parada silencioso mas bonito, com pessoas a conversar nos bancos e o barulho dos pássaros que raramente se ouvem desta forma. Voltei para casa e fui-me deitar às 21:30, desta vez sem o vício do telemóvel, das notícias ou das séries na televisão. Só a serenidade da noite e a paz que ela nos devia transmitir sempre. Este foi o dia em que percebemos que a vida para lá dos ecrãs também existe!

O dia em que voltámos ao antigamente


Só a serenidade da noite e a paz que ela nos devia transmitir sempre. Este foi o dia em que percebemos que a vida para lá dos ecrãs também existe!


Eu sou do tempo, na minha infância, em que de vez em quando faltava a energia, sobretudo no Inverno com a chegada das chuvas fortes e trovoadas. Nessa altura tudo era gerido com naturalidade. Já tínhamos velas preparadas, um petromax à mão, lanternas com pilhas novas e outros adereços para que nada faltasse e tudo decorresse de forma mais pacifica e tranquila possível. Não existiam telemóveis que nos distraíssem e nos “roubassem” o tempo e os computadores tinham funções muito limitadas, insuficientes para nos causar em casa, algum tipo de limitação. Os bicos dos fogões eram quase todos a gás por isso não faltaria seguramente jantar e mesmo que faltasse alguma coisa estávamos habituados a nos desenrascarmos, uns com o apoio dos vizinhos e da família mais próxima ou entre nós, dentro das quatro paredes. Lembro-me que quando acontecia ficávamos à conversa, horas intermináveis em frente à lareira, a contar histórias e a comer castanhas assadas. Muitas vezes ficávamos à janela, a olhar para a rua completamente vazia e despida de iluminação, com a lua sob pano de fundo, à espera para perceber quando se veria algum sinal do regresso.

Em alguns casos íamos dormir na companhia do escuro e acordávamos a meio da noite com as luzes acesas e o barulho de alguns eletrodomésticos a apitar ou a darem o sinal de restart. Noutras chegava de repente e gritávamos uns para os outros, nas escadas “ já veio a luz!!”. Ontem voltou a acontecer, num tempo em que é para todos uma anormalidade, em que já ninguém se lembra de como era e muitos nunca haviam sequer passado por isso. Não havia telemóvel para ir de 5 em 5 minutos cuscar a vida dos outros no Facebook ou no Instagram, os grupos de whatasapp não apitaram durante umas horas, ninguém se pode socorrer da Google para dar as respostas que só a vida nos ensina, perdeu-se o acesso ao digital, sites de futebol e de moda, televisões e notícias. Ficámos só nós, só nós e o mundo. Vi pais no parque com os seus filhos, realmente a olhar para eles, vi crianças a jogar à bola no Jardim da Estrela, pessoas à conversa sem distrações. Não havia semáforos de trânsito e depois de umas horas de confusão o mesmo começou a fluir, começaram-se a respeitar as prioridades, a regra do “passa um de um lado e outro de outro, à vez”. Vi gente a ajudar de forma altruísta quem se encontrava com mais dificuldade e senti as pessoas especialmente condescendentes, dada a situação.

Eu que trabalho num grupo hoteleiro tive naturalmente que gerir inúmeros constrangimentos, não foi fácil conseguirmos prestar os melhores serviços, existem limitações decorrentes dos nossos tempos que nos fazem depender tanto da eletricidade que não há outra volta a dar. Ou melhor há. Conversando, explicando o que se está a passar, tentando encontrar outras soluções para o problema ou simplesmente aceitando que é uma situação excecional que não é culpa de nenhum dos intervenientes. No caminho para casa encontrei famílias com os pais preocupados e os filhos entusiasmados como se de um grande evento se tratasse e eles o estivessem a viver na primeira pessoa. Ou talvez só entusiasmados porque tinham a mãe ou o pai verdadeiramente atentos e a dar-lhes respostas rápidas e objetivas. Havia poucas ou nenhumas distrações. Acredito que para quem tem pessoas na sua dependência o grau de preocupação aumente. Não era o meu caso.

Como não tenho filhos, cheguei a casa, fiz uma sandes com uma fatia de queijo e uma lata de atum e a seguir saí durante cerca de meia hora para ver como estavam as ruas. O comportamento das pessoas e o impacto da falta de luz. Vi uma cidade serena, um jardim da Parada silencioso mas bonito, com pessoas a conversar nos bancos e o barulho dos pássaros que raramente se ouvem desta forma. Voltei para casa e fui-me deitar às 21:30, desta vez sem o vício do telemóvel, das notícias ou das séries na televisão. Só a serenidade da noite e a paz que ela nos devia transmitir sempre. Este foi o dia em que percebemos que a vida para lá dos ecrãs também existe!