Nota prévia: Com tristeza e admiração, o mundo dos católicos, cristãos e não só despediu-se do Papa Francisco, que será lembrado como um homem bom, tolerante, agregador e que um dia será Santo, para que a sua palavra seja lembrada. A questão agora é saber se o seu legado vai perdurar com o mesmo vigor ou se o rumo sofre alteração, como alguns desejam. Daí que exista uma ansiedade ainda maior do que noutras ocasiões em saber quem será o novo sucessor de Pedro. O Conclave, na sua sabedoria coletiva, encontrará certamente a resposta certa. Seja-se crente ou não, a verdade objetiva é que a Igreja tem escolhido figuras adequadas ao tempo. Para não ir mais atrás, recorde-se que Pio XI e Pio XII, eleito em 1922 e 1939, denunciaram o nazismo e o comunismo, enquanto João XXIII lançou a base da Renovação e de um Vaticano Segundo que tornou a Igreja e o culto mais próximos e mais percetíveis para os fiéis, já no pontificado de Paulo VI. Este foi um homem reservado mas reformista que deu sinais claros de que a Igreja entendia a mudança política que a época antecipava e que veio a acontecer. Basta lembrar que Paulo VI recebeu em audiência os líderes dos movimentos de libertação das colónias portuguesas, escandalizando Salazar e a hierarquia da Igreja portuguesa. Tal não o impediu de ser o primeiro Papa a vir a Fátima como peregrino numa jornada memorável. Seguiu-se-lhe João Paulo I, um tímido fugaz que deixou a marca do sorriso e escolheu, simbolicamente, pela primeira vez, um nome composto, em homenagem aos seus dois antecessores. Terá aberto caminho ao inesquecível João Paulo II, o Papa polaco, um dos agentes da derrocada do comunismo, que apelou a que não tivéssemos medo, inspirado por Walesa e o seu Solidariedade. Sucedeu-lhe Bento XVI, um intelectual, austero e complexo, pouco comunicativo, mas que teve a lucidez de perceber que estava fora do tempo, tomando a sábia decisão de abdicar. Provavelmente estava ciente que Bergoglio seria o sucessor, pois há nota de que este tinha recebido significativos apoios no Conclave que escolheu o alemão. Uma óbvia circunstância que contou para a escolha de Francisco é ter vindo de uma América Latina onde crescem igrejas evangélicas, verdadeiras máquinas de manipulação e extorsão, num fenómeno que alastra na Europa e em África, que a igreja católica só pode travar com uma linguagem de proximidade e compaixão. O historial recente alimenta a esperança de que os cardeais saibam escolher a figura mais adequada e sensata para um mundo totalmente imprevisível e perigoso. Seja por inspiração divina ou por mera racionalidade humana.
1. É cedo para tirar conclusões definitivas sobre as causas, as consequências políticas, estratégicas, empresariais, económicas e de organização do sistema de proteção civil resultantes do inédito apagão de segunda-feira. A única coisa que ressaltou como muito evidente é que a Rádio mostrou novamente ser o único meio de comunicação que é autónomo, acessível a todos e que se constitui como o fator mais importante de comunicação em caso de catástrofe. 51 anos depois do 25 de Abril voltou a ser assim. Um simples rádio de pilhas, ou mesmo um telemóvel equipado para captar FM ou os autorrádios clássicos foram o meio pelo qual os portugueses iam sendo informados. E mais: é preciso dizer que no seu conjunto as rádios do país souberam reagir, ajudar, informar, acalmar sem demagogia, não deixando de fazer jornalismo de relevante serviço público, apesar da informação oficial e os alertas terem sido escassos. Mesmo assim, não se pode dizer que o governo e o sistema geral de proteção civil e de segurança falharam nas suas múltiplas obrigações. Mas há que ter noção de que a comunicação foi insuficiente, desde logo porque as redes sociais foram pouco usadas e/ou estavam em baixo e porque a televisão só funciona na perspetiva do utente se estiver ligada à corrente. Há pontos essenciais a estudar e melhorar muito como minorar o caos no aeroporto. Valeu também a circunstância de a CP estar como sempre de greve, o que evitou que milhares de passageiros ficassem presos. Deve ter sido a primeira vez que a CP foi uma instituição patriótica. Verdade se diga também que os portugueses souberam em geral reagir com calma e civismo, facilitando a tarefa às autoridades, embora o caso não implicasse verdadeiras situações de emergência como as que resultam de catástrofes naturais ou de grandes acidentes. Do mal o menos para toda a gente. Quanto ao futuro e com base no que normalmente se passa entre nós, a probabilidade de ficar tudo na mesma é absolutamente gigantesca. Uma nota negativa para dois políticos: Pedro Nuno Santos e André Ventura. Têm de crescer e ganhar maturidade. É que há momentos em que ser responsável é ficar calado e ajudar. Falharam. Mau para eles e péssimo para o país, que teve no primeiro-ministro uma referência de calma, embora um tanto tardia quanto à primeira reação pessoal pública.
2. Entretanto, os dados disponibilizados por sondagens, antes do insólito apagão, não indicavam a existência de qualquer tendência que alterasse substancialmente a predisposição dos eleitores relativamente às legislativas do ano passado. Apenas a AD subiu um pouco e parece mais perto de ganhar, mas longe de uma maioria absoluta que só será possível se os liberais crescerem mais do que o que está sinalizado nos estudos de opinião. Como aqui já se referiu há umas semanas, existe, todavia, um conjunto de outros fatores que pode influenciar o resultado e, como tal, a composição da próxima assembleia. Admitindo que o caso da quebra de energia no país e em Espanha não se vire contra o governo que pareceu atuar bem, cite-se, designadamente, o número ainda elevado de indecisos, a taxa de abstenção (com eventos que potencialmente afastam a atenção da política, como jogos decisivos do campeonato de futebol, o 13 de maio e o próprio Conclave), o voto emigrante, os resultados na Madeira e efeitos colaterais de situações como a surpresa de alguns que passam a pagar IRS em vez de receber. Isto para já não falar da questão ética que alegadamente envolve o primeiro-ministro ou as condições em que o líder socialista comprou as suas casas. Ambos deram explicações plausíveis, mas o facto é que a Procuradoria Geral da República aplicou-lhes uma inusitada figura de averiguação preventiva, seja lá o que isso for. A isto se juntam casos de políticos objeto de notícias por corrupção, roubo, pedofilia e prostituição infantil, violência doméstica e negócios imobiliários, que não abonam a reputação da classe. Resta saber se há mesmo gente incomodada com isso ou se já se instalou um estado de conformismo quanto a certas práticas. Talvez nunca o saibamos porque a motivação da abstenção e da mudança de opção de voto é múltipla e misteriosa. Voltando às sondagens, a leitura da tendência geral dá consistência a quem pensa que, bem vistas as coisas, não há um histórico de governação da AD que justifique uma mudança radical de voto. Até ver, a probabilidade de manutenção de Montenegro é o cenário mais provável, embora muita coisa possa acontecer até 18 de maio, como se viu logo numa segunda feira que transtornou a vida de todos e o planeamento da campanha.
3. No meio disto, a verdade é que, mais uma vez, iremos às urnas com base num normativo obsoleto onde se desperdiçam um milhão e meio de votos que não elegem ninguém em muitos distritos, distorcendo a representatividade global. O sistema é injusto e penaliza os mais pequenos. Falta um círculo de compensação como existe nos Açores nas regionais. Cada vez que há eleições fala-se do tema e depois o assunto morre por não dar jeito à nomenclatura dominante.
4. O Chega não publicou a lista dos seus candidatos e o respetivo ordenamento em cada círculo. Quem quiser saber terá de ir ao tribunal respetivo. Pródiga em palpites de sofá, a comunicação social só tardiamente descobriu a habilidade. Há agora que esmiuçar, escrutinar e publicar os nomes, dado o que se viu nas fileiras de Ventura com os casos do roubo de malas, de pedofilia, prostituição infantil e outros de menor relevância. Sabe-se que os deputados portugueses são normalmente paus mandados saídos das máquinas. Mesmo assim, convém saber os nomes dos que nos podem vir a representar. Um voto informado tem valor reforçado e pode evitar enxovalhos nacionais.