‘Vamos criar disrupção nesta campanha eleitoral’

‘Vamos criar disrupção nesta campanha eleitoral’


No dia 28 de abril os ativistas da Greve Climática Estudantil vão marchar até à AR e prometem não facilitar a vida dos partidos durante a campanha eleitoral.


Já começaram os preparativos para a próxima manifestação do coletivo Greve Climática Estudantil Lisboa marcada para dia 28 de abril com destino à Assembleia da República (AR), que exige que o Governo se comprometa com a Carta dos Estudantes pelo Fim ao Fóssil até 2030. Recorde-se que o documento, com mais de 900 assinaturas, exige ao Governo a apresentação de «um plano para acabar com a queima e o uso de combustíveis fósseis» em Portugal até esse ano, «através de uma transição justa que não prejudique aqueles que não causaram a crise climática que toda a população enfrenta».

Rumo à Assembleia da República
São 11 horas e os primeiros alunos da Faculdade de Letras de Lisboa já começaram a chegar à Cidade Universitária para a pintura dos cartazes e faixas que serão utilizados nesse dia. Segundo Matilde Ventura, de 20 anos, porta-voz do coletivo e também membro do núcleo da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) onde está a tirar o curso de Estudos Gerais, o que estava planeado antes da queda do Governo de Luís Montenegro seria que os alunos, nesse dia, saíssem das aulas e marchassem todos juntos até à residência oficial do primeiro-ministro. «Iríamos depois ocupar e paralisar as escolas durante um período de duas semanas ou mais até o Governo se comprometer com a medida que está na Carta. Como o governo caiu, não faz sentido estarmos a paralisar as escolas para pressionar um governo que não existe», começa por explicar ao Nascer do SOL.
Tiveram então, segundo a jovem ativista, de se adaptar «àquilo que seria a coisa mais honesta». «Quando digo ‘honesta’, significa olharmos para a realidade e perceber o que vai acontecer. Queremos mesmo ter ações que sejam consequentes e não fazer apenas uma concentração aqui, uma manifestação ali, gritar umas coisas e ir para casa. Isso não funciona! Temos muito pouco tempo para mudar tudo, porque a crise climática só está a piorar», exalta.


«Vamos fazer aquilo a que chamamos de ‘lock-out’ – tática inspirada nos movimentos sociais e estudantis contra o Apartheid e pelos direitos civis dos EUA», adianta. Os alunos de cada uma das escolas envolvidas no movimento vão sair das aulas, marchar juntos até à praça José Fontana – em frente ao liceu Camões -, e quando estiverem todos juntos, irão até à Assembleia da República, com várias paragens pelo meio. «Vão participar alunos de várias escolas, desde universidades, à Escola Superior de Teatro e Cinema, até alunos da EB1 Camões, mais novos. O nosso objetivo é ter uma assembleia estudantil no final em frente à própria Assembleia da República, para planearmos as próximas três semanas», revela.


De acordo com Matilde, como os jovens ativistas não vão paralisar as escolas e «vai haver uma campanha eleitoral que não está conectada aos tempos que estamos a viver», o objetivo será «criar disrupção nesta campanha eleitoral». «Como é que é possível estarmos em 2025 e haver uma campanha eleitoral onde os partidos não falam em cortar emissões, travar a crise climática?», interroga. «Queremos mostrar que isto não é uma campanha que está a acontecer em tempos ‘normais’ e que é necessário que os partidos políticos tenham Fim ao Fóssil até 2030 no seu programa eleitoral para terem legitimidade para serem governo. Se não, não vão ter! Se estas pessoas não têm nenhuma intenção de nos salvaguardar, proteger e travar a crise climática, não serão um governo legítimo», defende.


Durante a tarde de terça-feira, um grupo de estudantes do movimento Fim ao Fóssil até 2030 dirigiu-se às sedes do PS, PSD, PCP, BE, PAN e LIVRE, em Lisboa, para entregar a Carta que enviou igualmente por email à Iniciativa Liberal, deixando de fora apenas o Chega, que os estudantes consideram ser «o cão de guarda do sistema fóssil».


A jovem admite que o coletivo ainda não sabe quais as ações que fará durante as semanas de campanha eleitoral, visto que a assembleia que acontecerá no dia 28 «irá trazer muito mais clareza». «É onde temos todos os estudantes… E nós queremos sempre tomar decisões da forma mais horizontal e consensual possível», explica.

Radicais e hipócritas?
O coletivo é conhecido pelas ações que envolvem «atirar tinta» e ocupar e paralisar escolas. Quando o fizeram pela primeira vez (em 2022), inspiraram-se, acrescenta, em Maio de 68: «É tudo feito com muito diálogo e organização. Inspiramo-nos muito no passado. Existe muita criatividade quando discutimos o que fazer». Os alunos estão organizados no espaço da Greve Climática Estudantil Lisboa e têm uma reunião semanal de organização em que estão representantes de cada núcleo.


Artur, também aluno da Faculdade de Letras, do curso de Estudos Gerais, já foi condenado uma vez por ter ocupado a FLUL em 2022. «Se eu tiver não sei quantas multas, mas conseguir que abrandem a crise climática, eu passo a minha vida inteira a pagar multas. Isto quer dizer que estamos a tocar na ferida!», afirma.


Interrogado sobre se essas ações não são demasiado «radicais», o jovem ativista de 21 anos defende que «radical é condenar-nos à morte». «Tudo o que nós fizemos e fazemos é diferente e confrontativo. É uma coisa que as pessoas não estão habituadas a ver, mas não é radical. Estamos a lutar pelo mundo. Os protestos são feitos para incomodar. Se não incomodarem, estamos só a andar pela rua», acrescenta. E Mónica, de 22 anos, estudante do mesmo curso, concorda: «Há muitas coisas violentas no mundo. Violentas foram as cheias de Valência. Isso assusta-me. Os nossos protestos só demonstram urgência. Quando atiramos tinta, é uma maneira das pessoas pararem e perceberem. Não é com o intuito de magoar», garante.
Um dos maiores contra-argumentos que os jovens ativistas recebem é o facto de utilizarem smartphones, viajarem de avião, terem carros ou usarem roupas de fast-fashion. Há mesmo quem os acuse de serem hipócritas.

«Acusam-nos de ter iphones, roupa boa, às vezes até de tomar banho. Nós somos todos indivíduos que estão dentro desta luta, mas que também estão inseridos numa sociedade capitalista. Eu tomo banho, porque gosto de estar limpa. Uso o telemóvel porque quero comunicar com as pessoas. Estarmos a apontar os dedos a cada um individualmente, não me parece justo», lamenta Mónica.

Pensar o futuro
Na faculdade de letras começa um workshop de cartazes na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa (FCSH). Jéssica, de 22 anos, estudante de Medicina na NOVA Medical School, está sentada no chão juntamente com outros três jovens, que escrevem «frases de luta» em pedaços de cartão. Faz parte do movimento há três anos. «Neste momento o que nós sabemos é que o norte global tem de acabar com a extração e utilização dos combustíveis fósseis e faltam apenas cinco anos. Nós não estamos a inventar. Isto são os prazos da ciência. Temos toda a legitimidade de estar a lutar. Em 2019, disseram-nos que era uma emergência, mas neste momento o que nos dão é indiferença ou repressão», declara. «Como estudante de medicina é impensável estar a aprender a tratar de pessoas quando eu sei que em 2040 não vamos conseguir viver. Como vai ser mais tarde? Como vai funcionar um Sistema Nacional de Saúde que já está em colapso? Como é que eu vou tratar pessoas?», desabafa.


André ouve com atenção e pede para intervir. Tem 23 alunos e é aluno do mestrado de História Contemporânea na (FCSH). «Sou de Montemor O’Novo, tenho avós no Ribatejo, vejo as coisas a secar, de vez em quando é preciso deixar morrer uma área porque já não há água. É uma agonia lenta», diz. «Temos uma Organização das Nações Unidas que serve para criar um grande consórcio que tenha um input de todas as autoridades das diferentes áreas relacionadas com o clima do mundo inteiro. Eles espremem aquilo tudo e produzem relatórios. O conhecimento científico, as recomendações, está tudo lá com a maior autoridade possível. Depois é uma questão de fazer», garante, referindo-se ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).


Segundo o jovem «quem está a tomar as decisões daqui a uns anos está num lar e não quer saber». «Eu vou viver aqui até ao final deste século. Não quero ver a minha terra a ficar um saara. Segundo a previsão da ONU, serão 1.2 mil milhões de refugiados em 2050. Isto é mais do que a população da Europa inteira. Como vamos lidar com isso? As pessoas claro que têm de fugir. Qual é a minha alternativa? Que outra vida é que tenho para a qual ir?», interroga.


Jéssica esclarece ainda que «parar escolas não significa que estejamos a responsabilizá-las pelo que está a acontecer». «É uma forma de dizer: ‘Como é que é possível eu estar a ir para as minhas aulas, sabendo que há camaradas meus que estão a morrer no Congo ou em Luanda por não haver água, pelo solo já não ser fértil o suficiente para terem comida. É impossível viver os nossos dias como se estivesse tudo bem», remata.