100 dias que abalaram o mundo


Ainda é cedo para consagrar uma “revolução trumpiana”. A revolução é anunciada e propagandeada pela equipa presidencial mas ainda não há efeitos que se tenham consolidado e que possam ser tidos por duradouros.


Há um programa, decalcado do Project 2025, mas há também hesitação, contradição, abandono e faltam o método e a consistência. O folclore no dia da tomada de posse, no longínquo 20 de Janeiro de 2025, foi um exemplo de “good TV” mas na essência não se afastou do que tem sido a prática, bem mais discreta, de outros Presidentes, com destaque para Obama e Biden: a assinatura de dezenas de ordens executivas que têm por objectivo revogar outras tantas ordens executivas do antecessor.

Uma das maiores dificuldades a vencer pela Administração Trump-bis é o lastro do I mandato e da respectiva dificuldade em executar um programa e manter uma equipa. A Casa Branca foi, de 2016 a 2020, uma porta giratória por onde se entrava a correr e se saía ainda mais depressa. Este fantasma assombra Trump e está a atrasar a perda da virgindade na primeira remodelação. A lista dos candidatos é extensa e a pole position é bicéfala: o Secretário da Defesa Hegseth e Elon Musk. O primeiro cairá às mãos de todos (e são muitos) os que querem a sua cabeça como atestado de maior poder. O segundo retirar-se-á em breve, pretextando o cuidado empresarial e escapando às consequências destrutivas da comparação com Trump. A comparação passará a ser feita com J. D. Vance, o Presidente in pectore, e que terá de redobrar no cuidado de se manter, aos olhos de Trump, como a sua sombra fiel. Este convívio alimenta a pergunta fundamental sobre o trumpismo: Donald é um instrumento, nem sempre bem controlado por uma estrutura dotada de racionalidade e de poder efectivo, ou Trump tem existência autónoma e, frequentemente, em conflito com os interesses dos republicanos (mercados financeiros, empresas exportadoras no offshore, tecnológicas, comércio livre, imigração, com e sem qualificações)?

No plano internacional Trump apregoa o aumento do preço a cobrar aos restantes Estados pela pax americana, esquecendo-se que o serviço de segurança prestado pelos EUA é remunerado pelo valor artificialmente elevado do dólar (que não corresponde ao valor da balança de transacções correntes) e pela capacidade de endividamento dos EUA (que, parecendo infinita, também não corresponde ao valor dos bens e serviços exportados e menos ainda à capacidade real de pagar a dívida). O fim da pax americana pode também ser o fim do dólar como moeda de reserva e da dívida pública dos EUA como destino das poupanças do mundo (a começar pelas da China e da Europa).

O desfazer da NATO não se traduzirá necessariamente num aumento das vendas de equipamento militar americano. Os até agora Aliados passaram a desconfiar dos EUA e da possibilidade de lhes adquirirem armas com um kill switch accionável a partir de Washington.

Ao colocar em causa os acordos comerciais existentes, Trump estimula o aprofundar das relações comerciais entre os restantes blocos: União Europeia, China, Rússia, Índia, Mercosul, África. O abandono pelos EUA da ajuda ao desenvolvimento e o desfazer da malha de embaixadas e de consulados, em particular em África, multiplica, perigosamente, o not so soft power da China.

Há capitais em fuga dos EUA (a desvalorização do dólar e o aumento das taxas de juros pagas pela dívida federal são disso prova), com destino ao entesouramento seguro (ouro e restantes metais preciosos) mas também para os mercados emergentes. Consiga a União Europeia concluir, finalmente, o mercado interno de capitais e os custos de financiamento para as famílias e empresas europeias baixarão de forma significativa.

100 dias que abalaram o mundo


Ainda é cedo para consagrar uma “revolução trumpiana”. A revolução é anunciada e propagandeada pela equipa presidencial mas ainda não há efeitos que se tenham consolidado e que possam ser tidos por duradouros.


Há um programa, decalcado do Project 2025, mas há também hesitação, contradição, abandono e faltam o método e a consistência. O folclore no dia da tomada de posse, no longínquo 20 de Janeiro de 2025, foi um exemplo de “good TV” mas na essência não se afastou do que tem sido a prática, bem mais discreta, de outros Presidentes, com destaque para Obama e Biden: a assinatura de dezenas de ordens executivas que têm por objectivo revogar outras tantas ordens executivas do antecessor.

Uma das maiores dificuldades a vencer pela Administração Trump-bis é o lastro do I mandato e da respectiva dificuldade em executar um programa e manter uma equipa. A Casa Branca foi, de 2016 a 2020, uma porta giratória por onde se entrava a correr e se saía ainda mais depressa. Este fantasma assombra Trump e está a atrasar a perda da virgindade na primeira remodelação. A lista dos candidatos é extensa e a pole position é bicéfala: o Secretário da Defesa Hegseth e Elon Musk. O primeiro cairá às mãos de todos (e são muitos) os que querem a sua cabeça como atestado de maior poder. O segundo retirar-se-á em breve, pretextando o cuidado empresarial e escapando às consequências destrutivas da comparação com Trump. A comparação passará a ser feita com J. D. Vance, o Presidente in pectore, e que terá de redobrar no cuidado de se manter, aos olhos de Trump, como a sua sombra fiel. Este convívio alimenta a pergunta fundamental sobre o trumpismo: Donald é um instrumento, nem sempre bem controlado por uma estrutura dotada de racionalidade e de poder efectivo, ou Trump tem existência autónoma e, frequentemente, em conflito com os interesses dos republicanos (mercados financeiros, empresas exportadoras no offshore, tecnológicas, comércio livre, imigração, com e sem qualificações)?

No plano internacional Trump apregoa o aumento do preço a cobrar aos restantes Estados pela pax americana, esquecendo-se que o serviço de segurança prestado pelos EUA é remunerado pelo valor artificialmente elevado do dólar (que não corresponde ao valor da balança de transacções correntes) e pela capacidade de endividamento dos EUA (que, parecendo infinita, também não corresponde ao valor dos bens e serviços exportados e menos ainda à capacidade real de pagar a dívida). O fim da pax americana pode também ser o fim do dólar como moeda de reserva e da dívida pública dos EUA como destino das poupanças do mundo (a começar pelas da China e da Europa).

O desfazer da NATO não se traduzirá necessariamente num aumento das vendas de equipamento militar americano. Os até agora Aliados passaram a desconfiar dos EUA e da possibilidade de lhes adquirirem armas com um kill switch accionável a partir de Washington.

Ao colocar em causa os acordos comerciais existentes, Trump estimula o aprofundar das relações comerciais entre os restantes blocos: União Europeia, China, Rússia, Índia, Mercosul, África. O abandono pelos EUA da ajuda ao desenvolvimento e o desfazer da malha de embaixadas e de consulados, em particular em África, multiplica, perigosamente, o not so soft power da China.

Há capitais em fuga dos EUA (a desvalorização do dólar e o aumento das taxas de juros pagas pela dívida federal são disso prova), com destino ao entesouramento seguro (ouro e restantes metais preciosos) mas também para os mercados emergentes. Consiga a União Europeia concluir, finalmente, o mercado interno de capitais e os custos de financiamento para as famílias e empresas europeias baixarão de forma significativa.