O fantasma do défice

O fantasma do défice


Depois do Banco de Portugal foi a vez de o Conselho de Finanças Públicas antever o risco do regresso do défice no próximo ano. É certo que nem sempre o regulador acerta nas previsões, mas ‘nenhum outro modelo’ o faz.


O risco de Portugal voltar a ter défice no próximo ano fez soar alarmes. O primeiro alerta tinha sido feito pelo Banco de Portugal em dezembro do ano passado, altura em que apontou para um défice de 0,1% em 2025, 1% em 2026 e 0,9% em 2027. Agora foi a vez do Conselho de Finanças Públicas prever um saldo orçamental nulo em 2025 e um regresso ao défice em 2026 – ano em que deverá atingir os 1% ­ – devido a medidas de aumento da despesa pública e «na hipótese de manutenção das políticas em vigor».

Em relação a Mário Centeno, o ‘pessimismo’ foi desvalorizado por ter sido primeiro-ministro do Governo socialista. Na altura, o primeiro-ministro chamou a atenção para o facto de «mais nenhuma entidade» interna ou externa estar a acompanhar o «pessimismo» do governador. De acordo com Luís Montenegro, os dados do Banco de Portugal «aparecem em contramão, visto que não há mais nenhuma entidade que acompanhe o pessimismo que o senhor governador do Banco de Portugal expressou».

Agora com as previsões da entidade liderada por Nazaré da Costa Cabral, a reação coube ao ministro da Economia. «Não vai haver défice em Portugal. Isso é claríssimo», afirmou Pedro Reis. E acrescentou: «Poder afirmar que não vai haver défice numa fase de volatilidade mundial, numa fase de instabilidade, quer dizer que algum trabalho de casa deve ter sido feito para poder escudar a nossa economia».

Ainda assim, o ainda governante deixou um recado: «Estaria muito mais preocupado em relação ao défice se não tivéssemos um plano como este ou se não sentisse a resiliência dos setores da economia portuguesa». E não hesitou: «Não abdicamos de contas certas, nem vendemos ilusões que nos possam sair amanhã mais caras. Não é um tempo de aventuras, é um tempo de sentido de responsabilidade e de ambição».

Guerra dos números

Esta ameaça de regresso ao défice foi desvalorizada por João César das Neves. Ao Nascer do SOL afirma que «não se trata propriamente de uma previsão, dado ser uma variável de política, não de evolução da economia».

Ainda assim, reconhece que o risco existe sempre, «sobretudo devido à fragilidade de governos minoritários, que impõem permanente campanha eleitoral de Governo e oposição».

Já António Costa Silva, antigo ministro da Economia socialista, veio afirmar que «ter um pequeno défice não é um problema», desde que não se deixe disparar as contas públicas, afirmando que o Governo anterior poderia ter usado alguma pequena parte do défice para negociar aumentos com algumas carreiras da Função Pública, tal como aconteceu com o atual Executivo.

Também ao nosso jornal, Eugénio Rosa lembra que nenhuma das previsões contempla «o impacto provável do aumento das taxas aduaneiras anunciadas por Trump em abril» e admite que, numa análise mais detalhada, é possível detetar disparidades, embora as previsões do aumento PIB sejam muito semelhantes.  O mesmo não acontece com os dados que servem de base a essas previsões. «O Conselho de Finanças Publicas prevê que a Formação Bruta de Capital Fixo, ou seja, o investimento, aumente 6,3% em 2025, enquanto o Banco de Portugal aponta para um aumento de apenas 3,9%, isto é, menos 38%. O mesmo sucede com as importações. O Banco de Portugal prevê um aumento de 2,8% em 2025, enquanto o Conselho de Finanças Publicas diz que o aumento deverá ser de 4,3%, e o Governo 3,5%», salienta.

Previsões nem sempre acertam

É certo que nem sempre as previsões correm como estavam previstas. Mário Centeno tomou posse como governador do Banco de Portugal em julho de 2020, altura em que Portugal ainda estava em situação de alerta devido à covid e em que o Parlamento aprovou o Orçamento Suplementar para fazer face ao aumento das despesas relacionadas com a pandemia. Aliás, nesse ano, a economia portuguesa caiu 8,4%, sem paralelo na história recente do país.

No final desse ano, o órgão regulador apontou para uma recuperação económica ao apontar para um crescimento de 3,9% em 2021. Um valor abaixo do que se verificou. O Instituto Nacional de Estatística (INE) acabou por revelar que tinha crescido 4,9%.

O mesmo cenário repetiu-se em relação às previsões para 2022. O BdP apontou para um crescimento de 5,2%, inicialmente a economia portuguesa teria crescido 6,8%, mas o INE acabou por rever em alta para 7%. Comportamento que foi repetido no ano seguinte. A meta da entidade liderada por Mário Centeno indicava uma subida de 2,1%, o gabinete de estatística acenou com 2,3%, revendo mais tarde em alta para 2,5%.

Em relação ao ano passado voltou-se a assistir a divergências. O Banco de Portugal apontou para um crescimento de 1,7%, mas afinal a economia nacional cresceu mais dois pontos percentuais: 1.9%.

Diferenças que não causam estranheza a César das Neves. «O modelo de previsão do Banco de Portugal é bom, não muda como o governador, mas não acerta sempre, como nenhum outro modelo», diz ao nosso jornal.

Opinião partilhada por Eugénio Rosa. «O Banco de Portugal corrige as suas previsões trimestralmente, o que mostra que mesmo para um período tão curto – de apenas três meses – não consegue acertar nas suas previsões». E dá como exemplo, as previsões de dezembro de 2024 com as de março de 2025, em que inicialmente previa que, em 2025, o PIB aumentaria 2,2%, mas em março a previsão é de um aumento de 2,3%, «quando tudo apontavam para um abrandamento económico».

Já em relação ao investimento, o economista refere que a previsão é inversa. Em dezembro de 2024, o Banco de Portugal previa que a Formação Bruta de Capital Fixo aumentasse em 5,4%, em 2025, mas três meses depois baixou a previsão para apenas 3,9%.«O Banco de Portugal deixou de acreditar no Governo sobre a execução do PRR, enquanto o Conselho de Finanças Publicas continua a acreditar», salienta.

Também Luís Mira Amaral tinha admitido ao Nascer do SOL que o Banco de Portugal é um órgão independente, nomeadamente do Governo e, como tal, pode fazer as suas análises que podem não coincidir com as do Executivo. «Não vejo drama nenhum nisso e ainda bem que é assim. Faz parte das regras do jogo». No entanto, também lembrou que, mesmo que Mário Centeno tenha razão, «o Governo tem a capacidade de controlar a execução orçamental, fazendo cativações».

Um trabalho de casa que, segundo o economista, foi usado por Centeno quando estava no Governo. «Lembro-me quando Mário Centeno era ministro das Finanças e várias instituições, entre as quais o Conselho de Finanças Públicas, alertavam para o nível de despesa e para o défice que ia ser gerado, no entanto, o Executivo tinha a capacidade de fazer cativação e de fazer o controlo orçamental», referiu.

Ainda assim, reconheceu que os alertas são úteis no sentido de consciencializar o Governo de que tem de haver algum controlo na despesa. «Está a haver um grande aumento da despesa pública e isso preocupa-me. A despesa pública está a crescer a valores que nos deve merecer reflexão. Qualquer pessoa vê isso, não é preciso ser ex-ministro das Finanças para perceber que a despesa pública está a aumentar muito e nesse aspeto se o alerta for visto no sentido de controlo da despesa pública é positivo», salientou.

O que dizem as instituições

De acordo com o Banco de Portugal, «as projeções orçamentais apontam para o retorno a uma situação deficitária, embora o rácio da dívida pública mantenha uma trajetória descendente», acrescentando que o regresso aos défices orçamentais é explicado «pelos efeitos das medidas permanentes já adotadas, que impactam tanto a despesa pública como a receita fiscal, pelos empréstimos do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] previstos para 2026 e, a partir de 2027, pelo aumento de despesa nacional necessária para assegurar a continuidade dos projetos financiados pelo PRR».

Já para o Conselho de Finanças Públicas, estes valores representam uma revisão face às projeções de setembro, devido à «incorporação na atual projeção do impacto orçamental de medidas de política económica de aumento da despesa pública e de redução da receita». Entre as medidas destacam aquelas «dirigidas para a melhoria dos rendimentos das famílias, dos jovens, dos pensionistas e das empresas, aprovados no Orçamento do Estado para 2025, e em legislação adicional aprovada até ao final da XVI legislatura, abrangendo a extensão das valorizações salariais a vários grupos profissionais da função pública».