Ekrem İmamoğlu. Um perfil do maior rival de Erdogan

Ekrem İmamoğlu. Um perfil do maior rival de Erdogan


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De gestor de um restaurante de almôndegas ao topo da hierarquia política, Ekrem İmamoğlu personifica, hoje, a oposição ao regime de Erdogan. Em 2019 venceu as eleições para a autarquia de Istambul e é a aposta do seu partido para as próximas presidenciais. Foi detido há um mês e o seu aprisionamento desencadeou uma onda de protestos em solo turco. İmamoğlu promete estar ao lado dos resistentes.

No poder há mais de 20 anos, começando como presidente da Câmara de Istambul entre 1994 e 1998, passando, de 2003 a 2014, pelo cargo de primeiro-ministro e desde 2014 como Presidente, Recep Tayyip Erdogan é o principal nome turco do século XXI. Porém, ao fim de duas décadas de poder, o líder turco parece ter encontrado um rival à altura: Ekrem İmamoğlu.


Nascido em Akçaabat, na província de Trabzon, em 1970, İmamoğlu seguiu uma educação religiosa antes de rumar ao Chipre, então controlado pelos turcos, e à Universidade de Istambul, cidade que lhe abriu as portas para o estrelato político, onde se licenciou em gestão de empresas e obteve um mestrado em Gestão de Recursos Humanos. Entretanto, o título de mestre foi-lhe retirado durante o imbróglio político que acabou na sua detenção há pouco menos de um mês.


Como reportou a agência de notícias alemã DesutscheWelle, antes de tentar a sorte na vida política, a vida do principal rival de Erdogan passou pela almôndegas, assumindo a gestão de um restaurante especializado nessa iguaria turca (o kofte), pela construção, onde aplicou a sua aprendizagem académica na liderança da empresa familiar İmamoğlu Insaat, e pelo futebol, integrando o painel executivo do Trabzonspor, um dos maiores clubes turcos e o maior da região que o viu nascer.

Raízes políticas
Independentemente de se ter lançado apenas há onze anos, quando assumiu a liderança de Beylikdüzü, um distrito de Istambul, İmamoğlu nunca foi alheio à política. Contudo, os pais, donos da empresa de construção já mencionada, tinham visões políticas distintas.


Enquanto o pai era, segundo a enciclopédia Brittanica, uma voz ativa no Partido da Pátria – partido dominante entre 1983 e 1991 -, extinto desde 2009, mas cujo ADN ideológico é partilhado pelo AKP de Erdogan, a mãe era apoiante do CHP, o Partido Popular Republicano.


Assim, é caso para dizer que İmamoğlu saiu à mãe, uma vez que é parte integrante do CHP desde 2008, tendo liderado a juventude partidária em 2009 – o mesmo ano em que foi o escolhido para presidir à delegação do partido na região que viria a servir, cinco anos mais tarde, como autarca.
O CHP não era propriamente popular entre a classe alta da Turquia, mas o trabalho de İmamoğlu em Beylikdüzü, onde demonstrou toda a sua capacidade administrativa, atraiu a simpatia de algumas franjas da elite. Assim, em 2019, o partido escolheu-o como candidato à presidência do grande motor da economia, e a maior cidade, mesmo não tendo o estatuto de capital, turca, Istambul.


O AKP cimentara-se no poder da cidade através dos mandatos de Kadir Topbas e de Mevlüt Uysal, num domínio que se estendeu de março de 2004 a abril de 2019. Mas é nas eleições de 2019 que o controlo do AKP ficou em risco, e onde o seu lado maquiavélico se tornou evidente. Binali Yildirim, candidato do partido de Erdogan, perdeu a eleição para İmamoğlu por 0,16%, percentagem que se traduz nuns escassos 13 mil 729 votos, o que levou o AKP a contestar os resultados e a exigir uma recontagem, que acabou por confirmar a vitória tangencial do CHP. Insatisfeitos com a perda de uma das cidades mais importantes do país, o partido de Erdogan apresentou um pedido ao Supremo Tribunal da Turquia que previa o anulamento do ato eleitoral, tendo como objetivo uma repetição do mesmo.


No dia 6 de maio, o apelo do AKP foi atendido, e novas eleições foram agendadas para junho, tendo a presidência de İmamoğlu durado apenas 16 dias. No período entre o anulamento e o novo escrutínio eleitoral, Ali Yerliaka, Governador de Istambul, ficou também ao leme da autarquia.

Vitória reforçada e problemas com a Justiça
Num país cuja adesão à União Europeia tem sido, há décadas, um tema sensível e pouco exequível dada a saúde da democracia turca, soaram mais uma vez os alarmes. Mas o imbróglio eleitoral acabou por fortalecer İmamoğlu, que saiu novamente vencedor das urnas, e desta vez com uma margem mais confortável. Conseguiu mais cerca de 600 mil votos que nas eleições de março e o seu adversário perdeu mais de 200 mil eleitores, aumentado para cerca de 800 mil votos o fosso entre o CHP e o AKP. İmamoğlu classificou os responsáveis do anulamento da primeira eleição como «idiotas», aprofundando assim a rua rivalidade com o sistema e enfrentando o seu primeiro problema judicial dois anos mais tarde, quando o Ministério Público lhe dirigiu acusações de desrespeito às autoridades. Passado um ano, em 2022, foi condenado não só a dois anos e sete meses de prisão, como também viu recair sobre si uma pena de inelegibilidade para cargos públicos.


Ainda assim, conseguiu resistir e garantiu a reeleição nas autárquicas do ano passado, eleições que representaram uma forte machadada no AKP. O partido de Erdogan conseguiu vencer em apenas 24 províncias, menos 15 do que as que tinha conquistado em 2019, enquanto o CHP passou de 21 para 35 províncias, vencendo, no voto popular, por uma margem de 3,1%.

Detenção, protestos e “autoritarismo sem precedentes”
As próximas eleições presidenciais na Turquia estão agendadas para 2028 e, constitucionalmente, Erdogan estará impedido de se candidatar de novo. Por isso, e dada a natureza do seu regime, não será surpreendente que recorra a uma manobra para que o atual Presidente possa continuar à frente dos destinos da Turquia. Antevendo uma possível antecipação do ato eleitoral, o CHP apressou-se a nomear um candidato presidencial, e ao que tudo indicava, seria İmamoğlu, independentemente de ter vários processos contra ele, como por exemplo, e segundo a Brittania, «alegada manipulação de concursos enquanto presidente da câmara do distrito de Beylikdüzü e (…) por alegada tentativa de influenciar o poder judicial através de críticas públicas a processos pendentes». Mas, a 19 de março, o autarca de Istambul foi detido «sob a acusação de corrupção e de ajudar o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (Partiya Karkeren Kurdistan; PKK), um grupo militante designado como organização terrorista ao abrigo da lei turca. Foi escolhido como candidato presidencial do CHP em 23 de março, mas no mesmo dia foi preso e formalmente desqualificado para o exercício de funções públicas por decisão judicial», nota a mesma fonte.


Como seria de esperar, a detenção e prisão de um dos políticos mais populares do país desencadeou uma vaga de protestos significativa. «O que estamos a ver hoje», disse a politóloga turca Begum Uzun à DeustcheWelle no dia 29 de março, «é a raiva justificada da geração jovem, cujo futuro lhes foi arrancado em resultado de um autoritarismo prolongado e de uma pobreza persistente». A dura repressão das manifestações contra o regime tem sido altamente contestada, e as preocupações quanto a uma abrupta viragem totalitária são cada vez mais claras.
Foi também por isto que Berk Esen, cientista político que tem conduzido investigações sobre o autoritarismo turco, disse, citado pela mesma agência de notícias, que «o que o regime está a fazer contra Ekrem İmamoğlu ultrapassa tudo o que já vimos antes», acrescentando ainda que estamos perante uma «escalada autoritária sem precedentes».

O julgamento
Na passada sexta-feira, İmamoğlu apresentou-se pela primeira vez em tribunal e não poupou nas palavras: «Estou aqui porque ganhei três vezes as eleições em Istambul. Estou aqui preso porque ganhei contra a ideia de que “quem ganha Istambul, ganha a Turquia”». Esta última referência, como bem notou a BBC, é uma farpa a Erdogan, que popularizou esta máxima. O rival do Presidente turco também acusou a televisão estatal de lançar uma campanha para o denegrir, notando que «deveria transmitir esta audiência em vez de a transmitir com mentiras e calúnias para me desacreditar».
Através de uma publicação na sua conta oficial do X no dia 1 de abril, İmamoğlu piscou ainda o olho à União Europeia, começando da seguinte forma: «Da prisão de Silivri: Uma mensagem para a Europa e para a Turquia». «O caminho da Turquia para a democracia está a ser testado», escreveu o opositor, «mas a vontade do povo permanece inabalável». «Hoje, o Parlamento Europeu pronunciou-se. Vozes de todo o espetro político uniram-se para defender a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito na Turquia. Enquanto membro do Conselho da Europa e país candidato à adesão à UE, a nossa nação tem de honrar os seus compromissos. A democracia não pode ser seletiva – nem à la carte nem à la turca. Tem de ser plena, genuína e inabalável». Após agradecer a Marta Kos, Comissária para o Alargamento, İmamoğlu concluiu apresentando as suas esperanças para o futuro do país: «O futuro da Turquia pertence àqueles que lutam pela paz, pela justiça e pela liberdade. E eu estou aqui, com todo o meu coração, ao vosso lado».