Autobiografia. A infancia e juventude de Francisco


O mais velho de cinco irmãos, cresceu numa “habitação simples num bairro simples”.


Os avós e o pai de Jorge Bergoglio, Mario, eram italianos que rumaram a Buenos Aires no início da década de 1930, durante o consulado de Benito Mussolini.

Ali enfrentaram a dura recessão, que os atiraria para a miséria não fosse a ajuda providencial de um padre também italiano, Enrique Pozzoli, que os pôs em contacto com quem lhes emprestasse o dinheiro necessário para abrirem um negócio. “O Almacén Bergoglio venderia géneros alimentícios de todos os tipos, da farinha aos feijões, do óleo ao vinho. Também produtos a retalho, desde que os clientes pudessem levar recipientes e garrafas de casa”, recordava Francisco em Esperança – A Autobiografia (ed. Nascente).

Foi também graças a esse padre que o pai e a mãe de Jorge Mario se conheceram, tendo-se casado a 12 de dezembro de 1935. O primogénito nasceria um ano e cinco dias depois, a 17 de dezembro de 1936. Depois a família foi crescendo, até se contarem cinco irmãos. “Tal como os dedos de uma mão, nós, irmãos, fomos sempre muito unidos”.

Dos dois anos até aos 21 viveu sempre na mesma casa durante cerca de 20 anos até fazer 21 recidiu sempre na mesma casa térrea, com três quartos e uma casa de banho. “Uma habitação simples num bairro simples, todas as casas baixas; respirava-se aí um ar tranquilo e pacífico, um clima de confiança nos outros tal como no futuro”, descreveu. A casa dos avós ficava a dois passos, assim como o terreiro onde ele e outros miúdos jogavam futebol. Jorge Mario não era um Maradona – que viria a conhecer – nem um Messi. Ainda assim divertia-se com uma bola de trapos: “Sempre gostei de jogar à bola e não me importava de não ser grande coisa”, conta, “Em Buenos Aires chamavam pata dura àqueles que eram como eu. O que significa ter dois pés esquerdos. Mas jogava. Muitas vezes era o guarda-redes; esse papel também é bom: ensina a olhar a realidade na cara, a enfrentar os problemas; talvez não saibas de onde partiu aquela bola, mas de qualquer maneira deves tentar agarrá-la. Tal como acontece na vida.”

E continua: “Jogar é um direito, e há o sacrossanto direito de não sermos campeões. Atrás de cada bola que rola há sempre um rapaz que os seus sonhos e as suas aspirações, o seu corpo e o seu espírito”.

Curiosamente, em pequeno Jorge não queria ser jogador de futebol profissional (e muito menos padre). A sua primeira vocação foi outra.

“la muitas vezes às compras ao mercado da rua com a avó e a mamã e, entre todas as bancas, fascinava-me a do homem do talho: com o avental branco atado nas costas e o cutelo afiado no grande bolso que, tal como um canguru, tinha no ventre, no qual enfiava o dinheiro. Era um espetáculo ver aquele homem cortar a carne em pedaços, com golpes rápidos e precisos, e parecia-me mesmo que ganhava bem. Assim, naquele tempo, respondia a quem me perguntava o que gostaria de fazer quando fosse grande ser talhante! Ao crescer, as vocações esclareceram-se melhor”.

Ao domingo iam à missa em família e regressavam a casa para uma grande refeição “com cinco e seus pratos” – embora ressalve sempre que não viviam à larga.

Fé em família

“Foi uma infância serena. Tudo parecia acontecer com extrema naturalidade, a brincadeira, a escola, o estudo, bem como a educação religiosa. Os ensinamentos da fé também se aprendiam com a mesma simplicidade natural: era como uma língua. Aprendia-se a falar e aprendia-se a crer. Por isso, gosto de dizer que a transmissão da fé é feita em dialeto, não com artificiosidade escolar ou livresca, mas no modo como se comunica em família, como se vive quotidianamente.”

Esse primeiro idílio da infância terminou quando o pai, tinha ele 14 anos, lhe anunciou que iria trabalhar durante dois meses de férias, a fazer limpezas numa fábrica de meias. Seguiram-se os estudos numa Escola Técnica de Indústrias Químicas.

A 21 de setembro de 1953, o Dia da Primavera na Argentina, aconteceu-lhe algo de “grande”. “Escreveu-se algures que ia declarar-me a uma namorada”, relata. Também teve as suas paixonetas, como assume, “mas não foi isso”. O que de importante lhe sucedeu foi o encontro com o padre Carlos Duarte Ibarra, que de algum modo o deixou secretamente convencido de que tinha de se tornar padre. Não o contou a ninguém, a mãe pensava que ele ia ser médico.

No início de 1956 entrou para o seminário diocesano Imaculada Conceição de Villa Devoto, onde por pouco não morreu com uma gripe. Dois anos depois, iniciou o noviciado nos Jesuítas, tendo obtido o diploma em filosofia em 1963.