Nas últimas eleições legislativas, a AD elegeu 80 deputados, o PS, 78. O Chega chegou aos 50, com o Livre e o PCP a conseguirem quatro, o Bloco de Esquerda, cinco e o PAN apenas um. A distribuição de votos resultou da aplicação do chamado método de Hondt. Todavia, se tivesse sido usado um outro modelo, que já é usado em outros países como Islândia e Noruega, com recurso a segunda volta para reaproveitamento do voto desperdiçado, os resultados seriam ligeiramente diferentes. O PS não teria alteração no número de mandatos atribuídos. Já a AD perderia três mandatos, enquanto que o Chega e o Livre perderiam um mandato cada . Por sua vez, a IL, a CDU e o PAN receberiam um mandato adicional, enquanto que o Bloco de Esquerda obteria dois.
Este modelo alternativo dá destaque aos chamados votos desperdiçados, votos que não foram convertidos em mandatos e que, no entender de João Miguel Telhada, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, acabam por resultar na desigualdade na atribuição de mandatos entre partidos. «Estamos a falar num total de 1,2 milhões votos desperdiçados»,diz ao Nascer do SOL. A ideia é que na primeira volta sejam designados a maioria dos 230 mandatos, mas que fiquem alguns para uma segunda volta que irão contribuir para baixar o número de votos desperdiçados.
De acordo com João Miguel Telhada, com a tal volta de compensação, o apuramento dos mandatos seria feito em duas contagens. «Inicialmente há um número de mandatos, que podem ser 10, por exemplo, que é o número que acharíamos que seria equilibrado. Os outros mandatos seriam atribuídos fazendo a contagem dos votos tal e qual como fazemos agora e utilizando o método de Hondt para se converter os votos em número de mandatos». A partir daí, seria necessário uma segunda volta para o aproveitamento dos votos desperdiçados. «Quando vamos apurar os votos desperdiçados a nível nacional, naturalmente, os partidos grandes tornam-se pequenos e os pequenos tornam-se grandes. Porque os partidos grandes têm menos votos desperdiçados do que os partidos pequenos, o que é natural», diz o professor.
E o responsável explica o funcionamento deste novo modelo. «Quando é feita a distribuição, pega-se nesses votos desperdiçados, volta-se a usar o método de Hondt para reverter esses votos em mandatos e quando há essa distribuição podemos verificar uma redistribuição diferente, porque se esses votos fossem contados na forma tradicional, provavelmente iriam quase todos parar aos partidos maiores. Na verdade, os partidos pequenos ganham outra preponderância. Daí, se calhar, por exemplo, o ADN pode eleger um deputado… Isto depende dos métodos que são utilizados porque a IL, o Bloco e o PAN, sobretudo, podem eleger mais um às custas, naturalmente, dos grandes partidos», explica o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Mais justo?
Questionado sobre se este sistema seria mais justo, o professor defende que «poderia sempre atingir-se uma combinação mais interessante entre representatividade e governabilidade», uma vez que, com este sistema, ainda que se possa perder um pouco de governabilidade, ganha-se na representatividade.
Mas há mais. Ainda que não esteja estudado, faz parte da previsão desta tese que este sistema eleitoral podia também ajudar na abstenção ou no voto útil. «Se as pessoas soubessem que haveria uma volta de compensação, este voto útil também se podia diluir e também podia perder-se o que também favorecia os partidos pequenos», defende ao nosso jornal.
E o professor considera que os partidos estariam dispostos a esta mudança. «De forma mais ou menos vocal, têm dito sempre que a revisão da lei eleitoral é importante e acho que isso está implícito nesta ideia, uma identificação das fragilidades do sistema».
Atualmente, em Portugal, o sistema eleitoral em vigor é o método de Hondt que consiste na divisão do número total de votos obtidos por cada candidatura por divisores fixos, e assim sucessivamente até se esgotarem todos os mandatos do círculo eleitoral. Mas há muito que se critica que favorece os partidos maiores. As críticas surgem de muitos lados mas João Miguel Telhada, por exemplo, defende que «o método de Hondt está um bocadinho mais inclinado para outro lado, ou seja, perde representatividade, mas aposta mais na governabilidade e favorece sempre mais quem tem mais votos».
Esta é uma opinião partilhada ao longo dos anos por vários especialistas e matemáticos que consideram exatamente o mesmo: o sistema eleitoral atual beneficia os maiores partidos e acaba por tirar representatividade aos mais pequenos.
No entanto, é preciso ter em conta que, para que haja uma mudança no sistema eleitoral, é preciso que aconteça uma alteração constitucional.