Uma fortuna para uns, mas uma perda para outros

Uma fortuna para uns, mas uma perda para outros


O uso das criptomoedas tem-se tornado cada vez mais transversal, abrangendo diferentes geografias e classes sociais, com motivações distintas conforme o contexto económico e social. Mas se para uns representa um verdadeiro caso de sucesso, para outros pode significar uma perda avultada


Se até aqui o uso das criptomoedas era maioritariamente especulativo, associado à expectativa de lucros rápidos ou até a uma imagem de status e modernidade, nos últimos anos e tudo indica que também no futuro, estas moedas digitais têm vindo a ganhar um novo papel, o de proteger a privacidade dos utilizadores. À medida que o dinheiro físico, notas e moedas, se torna cada vez mais escasso, as criptomoedas surgem como uma forma alternativa de pagamento mais discreta e descentralizada, especialmente útil em contextos onde os pagamentos informais se tornam mais difíceis», garante à LUZ, Paulo Monteiro Rosa, economista do banco Carregosa. 

Esta evolução tem sido acompanhada pelo uso cada vez mais transversal das moedas digitais, já abrangendo diferentes geografias e classes sociais, com motivações distintas conforme o contexto económico e social.

É certo que, a sua natureza volátil continua a ser um dos principais riscos. «As fortes quedas recentes nos mercados acionistas e no valor de várias criptomoedas vieram, mais uma vez, confirmar que as criptomoedas são ativos arriscados, longe de poderem substituir o dólar como valor-refúgio em tempos de crise, já que a moeda norte-americana continua a desempenhar um papel fundamental como moeda de liquidez em momentos de instabilidade nos mercados financeiros», refere o responsável.

E acena com vantagens e desvantagens, oportunidades, riscos e desafios. «Entre as principais destaca-se a Bitcoin, a mais antiga e conhecida, sendo todas as outras geralmente referidas como altcoins. A Bitcoin tem vindo a ser cada vez mais utilizada em transações e como reserva de valor, sobretudo em países com economias frágeis e desestruturadas, como em várias regiões de África e da América Latina, onde as moedas locais perdem valor rapidamente, delapidando o poder de compra das populações», acrescentando que a Bitcoin surge «como uma alternativa plausível, já que grande parte da população possui um telemóvel com acesso à internet, mas nem sempre cumpre os requisitos para abrir ou manter uma conta bancária».

A verdade é que começa a ser cada vez mais comum o aparecimento de máquinas ATM de criptomoedas. São parecidas com uma caixa de multibanco tradicional, mas apenas permitem o uso de moedas digitais. Isto significa que, em vez de estarem ligadas à sua conta bancária estão conectadas com a carteira digital do utilizador. 

Transações de sucesso, azar e casos falsos

Um dos casos mais famosos foi de Laszlo Hanyecz, em 201, que utilizou 10 mil Bitcoin para comprar duas pizzas – o equivalente a 40 dólares, na altura, mas que aos dias de hoje corresponderia a milhões. O programador americano entrou para a história e, desde aí, o dia 22 de maio de cada ano é celebrado na comunidade cripto como ‘o Dia da Pizza Bitcoin’. E ao longo dos anos não tem revelado arrependimentos: «Foi emocionante fazer parte da história de algo tão grande».

Outro caso de sucesso diz respeito aos gémeos Cameron e Tyler Winklevoss que ficaram conhecidos por ‘entrar em guerra’ com Mark Zuckerberg sobre a criação do Facebook e foram os primeiros multimilionários a conquistar uma fortuna em Bitcoin.

Estes são alguns exemplos a que se juntam casos de anónimos. Mas também não faltam histórias em sentido inverso. «Foi basicamente tudo o que tínhamos e dinheiro que estava de lado para a casa». A confissão foi de Raquel Janeiro que, em conjunto com Miguel Mimoso, formam o conhecido casal de influencers, Explorerssaurus. Investiram tudo o que tinham em criptomoedas e perderam tudo. Diz-se que terá sido cerca de um milhão de euros.

«Eu percebo zero de investimentos, confio cegamente no Miguel e uma das coisas que eu já lhe disse, não sei se é mágoa, mas é um tópico que eu sei que ainda não está resolvido dentro de mim», lamentou Raquel, relembrando o caso que aconteceu em 2022. «Ele tinha dito ‘olha este aqui é arriscado, podemos perder ou podemos ganhar’, e aquilo que nós perdemos que eu sabia que podíamos perder foi mais do que aquilo que tínhamos de lado para a casa, e não é esse que me afeta tanto porque esse eu sabia». «Era tudo o que tínhamos. Antes sempre disse vou me reformar aos 30. Estou agora com 29. Estive anos a dar 150% de mim, eu estou muito perto de um burnout, porque eu pensei ‘estou quase de saída’», contou.  

Este é um dos riscos das criptomoedas, principalmente quando se investe tanto dinheiro. O caso português não é único. 

O influenciador Ape, dono do perfil ApeMP5, revoltou-se no início deste ano depois de perder milhões com aquilo que diz ter sido o golpe da criptomoeda $LIBRA, indicada pelo presidente da Argentina, Javier Milei. O influencer, que se dedica à compra de meme coins, que são criptomoedas inspiradas em memes ou tendências da internet, investiu dinheiro. Mas essas moedas virtuais normalmente são altamente voláteis e ganham popularidade por meio de influenciadores e comunidades online. No seu perfil no X, Ape publicou um vídeo onde diz que Milei fez com que ele perdesse tudo com a criptomoeda que divulgou.

«Estou completamente falido! Não tenho nada! Tenho que vender o meu Rolex, tive que vender tudo! Fui roubado, todos vocês me roubaram!», gritava. 

Arriscar pode sempre não ser boa ideia e é preciso ter muitos fatores em consideração quando se investe em criptomoedas. 

Burlas e queixas

É preciso também ter em atenção as fraudes. No verão do ano passado, um esquema em pirâmide com recurso a criptomoedas fez mais de três milhões de lesados, 156 em Portugal. A média de investimentos rondaria os 120 mil euros.

No mês passado, o Ministério Público divulgou um documento onde avisa que têm sido muito frequentemente recebidas no Ministério Público denúncias de burlas em plataformas online que dizem ser intermediárias de negócios no mercado de criptomoedas. 

«Estas plataformas são manifestações de uma atividade criminosa organizada, de grande dimensão e natureza internacional», alerta.

O Ministério Público alerta que estão ativas na internet múltiplas páginas que publicitam investimentos em criptomoedas: «Dizem captar investimentos nestes ativos e prometem muito grande rentabilidade, sem qualquer risco financeiro associado. Muitas delas são páginas fraudulentas e não pertencem nem são geridas por qualquer intermediário financeiro legítimo e autorizado», lê-se na nota.

E acrescenta que normalmente, solicitam a quem as visita o nome, um endereço de email e um número de telefone. «A partir desse momento, recorrem a métodos muito agressivos de abordagem, por via de contacto telefónico». Neste contacto, acrescentam, «supostos traders, em representação dessas supostas plataformas financeiras, usam métodos muito insidiosos de persuasão, com o intuito de convencer as vítimas a transferir quantias monetárias para supostos investimentos em criptomoedas».

Para mais facilmente convencerem as vítimas, «sugerem sempre um primeiro investimento de baixo valor (na ordem dos 250 euros). Depois, após a vítima realizar este primeiro investimento, fornecem-lhe códigos de acesso a uma página reservada, na Internet, onde a sua suposta conta está a ser gerida. Nela, a vítima é confrontada com gráficos e quadros dos quais se retira que o seu suposto investimento se valorizou imenso – e portanto, que já teve um grande ganho financeiro». 

Aliás, o Banco de Portugal tem vindo a fazer alertas ao lembrar que os criptoativos não são verdadeiras moedas, uma vez que não têm curso legal nem cumprem as funções da moeda:  «Ninguém é obrigado a aceitar pagamentos em criptoativos, pelo que não são um meio de pagamento de aceitação generalizada. Não é possível usar criptoativos para fixar preços, devido à instabilidade do seu valor. Não são adequados para preservar riqueza ou poupar, uma vez que não são regulados e o seu valor é instável».