Com pastagens de qualidade e alimentação de precisão, a criação de vitelos em pastoreio será mais vantajosa para o clima que a estabulação.
No âmbito das preocupações ambientais com a produção animal, tem-se generalizado a ideia de que a melhor solução do ponto de vista ambiental para a produção de gado (bovinos, ovinos, caprinos) é o pastoreio, com recomendações de eliminação progressiva da produção animal em estabulação.
Um recente artigo na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, cujos resultados foram cobertos na imprensa portuguesa, concluiu, no entanto, que, para condições dos EUA, um bife de carne de vaca de produção extensiva, baseada em erva, não tem menores impactes que um bife de produção intensiva à base de ração.
Mas qual seria o resultado de uma análise análoga para o caso português?
Felizmente, podemos encontrar a resposta a esta pergunta num também recente artigo na revista Environmetal Impact Assessment Review, publicado por uma equipa do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde me incluo.
Os sistemas de produção em Portugal, como em geral em todos os países desenvolvidos, têm actualmente uma situação mista. As manadas de vacas estão na pastagem, onde aleitam os vitelos até ao desmame por volta dos seis meses de idade. Nessa altura, os vitelos são em geral transportados para instalações de engorda em confinamento, onde completarão o seu ciclo de vida. Nestas instalações, são alimentados com alimento concentrado, vulgarmente designado ração, cujos ingredientes, como cereais ou soja, têm associados à sua produção emissões de carbono significativas.
Alternativamente, podemos considerar a possibilidade dos vitelos passarem em pastagem uma parte ou a totalidade do seu ciclo posterior ao desmame; reduz-se assim (embora não se elimine) o uso de ração na sua alimentação, e o correspondente impacte ambiental. A comparação entre esta engorda em pastoreio e a engorda convencional, em confinamento, foi o cerne do nosso artigo.
O desempenho ambiental da engorda em pastoreio depende naturalmente da qualidade da pastagem utilizada. Considerámos assim dois tipos de pastagem: as pastagens permanentes naturais, correspondentes à esmagadora maioria da área de pastagens em Portugal; as pastagens permanentes semeadas biodiversas ricas em leguminosas ou, numa expressão mais curta, as pastagens semeadas biodiversas. Este último sistema, uma inovação pioneira desenvolvida em Portugal, proporciona uma alimentação de maior quantidade e qualidade, com maior estabilidade ao longo do ano. Tal deve-se, por um lado, à sua biodiversidade, onde até 20 espécies ou variedade diferentes garantem a máxima adaptação da pastagem aos diferentes momento do ano, e, por outro lado, à sua riqueza em leguminosas, que fabricam o seu próprio adubo azotado através da sua simbiose com bactérias alojadas nas suas raízes, os rizóbios. Através do uso das pastagens semeadas biodiversas, é possível reduzir a quantidade de ração disponibilizada aos vitelos em pastoreio.
O recurso a pastagens tem, em qualquer caso, uma desvantagem: o alimento disponibilizado aos animais varia ao longo do tempo, consoante as condições climatéricas e o próprio pastoreio feito pelos animais. O agricultor tem dificuldade em determinar essa variação, e portanto acaba por fornecer de forma inadequada a suplementação necessária.
Qual foi então o resultado da nossa análise?
A solução ambientalmente óptima depende de duas variáveis: o impacte ambiental da ração (“impacte”); a precisão com que o agricultor consegue fornecer suplementação em pastoreio (“precisão”). Quanto mais baixo o impacte, mais favorável é fazer a engorda em confinamento; quando mais alta a precisão, mais favorável é fazer a engorda em pastoreio.
Para elevado impacte, não é ambientalmente compensador fazer a engorda nem em confinamento, nem na pastagem, e portanto o melhor é fazer o consumo dos vitelos logo ao desmame. Para níveis intermédios de impacte e baixa precisão, é mais compensador ambientalmente fazer a criação dos vitelos em estábulo. Esta é na prática a situação actual generalizada em Portugal.
No entanto, ser for possível ao agricultor determinar com precisão a suplementação necessária, já passa a ser ambientalmente mais favorável fazer a criação dos vitelos em pastagem. Para tal ser possível, é necessário desenvolver técnicas baseadas em Inteligência Artifical e detecção remota com imagem de satélite, para determinar em cada momento a quantidade e qualidade da alimentação que a pastagem está a fornecer aos animais, podendo assim determinar com precisão qual a suplementação necessária. Este é precisamente o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Técnico em colaboração com a sua spin-off Terraprima, desenvolvendo algoritmos de machine learning que permitem obter, através da imagens de satélite, informação sobre a biomassa e o teor em proteína da pastagem.
Ficou também clara desta análise a superioridade das pastagens semeadas biodiversas, ao fornecerem alimento em maior quantidade e qualidade, reduzindo o uso de ração. De notar que esta análise não considerou o sequestro de carbono destas pastagens, pois a capacidade do sequestro de compensar as emissões dos animais é temporária, durando cerca de 10 anos, enquanto é retirado dióxido de carbono da atmosfera devido ao aumento do nível de matéria orgânica no solo. Para este período, outro estudo da mesma equipa do Técnico tinha já demonstrado que o sequestro de carbono é suficiente para contrabalançar as emissões dos animais, tornando assim a produção carbono neutra.
De notar também que esta análise não considerou as emissões evitadas pela redução da carga combustível e correspondente risco de incêndio devido ao pastoreio; um estudo também do Técnico mostrou já claramente esta redução de carga combustível, mas não existe ainda uma quantificação dos efeitos esperados em termos de redução de emissões de carbono.
Podemos assim concluir que, mesmo ignorando os aspectos do sequestro de carbono e da redução de risco de incêndio, em Portugal a criação de vitelos em pastoreio é mais favorável para o clima desde que realizada em pastagens de qualidade e garantindo uma suplementação adequada, que complemente a nutrição fornecida pela pastagem.
Professor de Ambiente e Energia no Instituto Superior Técnico