Legislativas: o diabo pode estar nos detalhes


Nesta fase, a cabeça dos eleitores não está na política interna, mas nas festividades da Páscoa, nas pontes e no que Trump, Putin, Xi e quejandos andam a fazer.


Nota prévia: Há dias, uma notícia “plantada” voltou a colocar a hipótese de Paulo Portas, atualmente administrador da Mota-Engil e comentador da TVI, ser mais um candidato à presidência. Na realidade, o assunto anda há muito pelos mentideiros. Para alguns, Portas talvez conseguisse federar a direita para tapar Gouveia e Melo. Sabe-se lá… Mas uma coisa é certa: um debate entre ambos deveria ser bem interessante quanto a submarinos. Um na ótica do utilizador e outro na de quem participou na polémica encomenda enquanto governante.

1. Contrariando o entusiasmo frenético e quase insuportável da comunicação social e da profusão incomensurável de comentadores, o português comum pouco vai ligando aos debates e à política interna, passada que foi a queda do governo. O “senhor toda a gente” (traduzindo literalmente a expressão francesa) anda mais atento e preocupado quanto ao mal que o trumpismo, o putinismo, o xi-jinpismo e o fanatismo israelo-palestiniano fazem à Humanidade e ao bolso de cada um. No retângulo, mantém-se um estado de espírito género “não há paciência para esta malta da política, porque é tudo igual”. Os últimos desenvolvimentos abonam esse pensamento e os tempos são de celebração religiosa e familiar de Páscoa (com o preço do borrego e do cabrito em altas escandalosas, segundo o Correio da Manhã). Depois virão os feriados e pontes de abril e maio, com mais motivação para uma praiada do que para celebrar o Dia do Trabalhador ou os 50 anos da eleição da Constituinte. O verdadeiro tempo de campanha oficial vem com a primeira segunda-feira de maio. Será mais ou menos por essa data, com as eleições a 18, que a cidadania vai começar a pensar no tema, avaliando desde logo se vale a pena sair de casa para votar. Da última vez, houve uma mobilização inesperada, mas o gesto nada resolveu em termos de estabilidade e de maturidade dos eleitos. Já a visualização dos debates é comparável ao futebol, não se negando a sua importância, apesar da distância relativamente à ida às urnas e um calendário mais dado ao diletantismo. Há uns jogos que vale a pena ver e podem influenciar. São os que envolvem os três grandes (Montenegro, Pedro Nuno Santos e Ventura) entre si. Os do meio da tabela não definem grande coisa, mas podem desviar votos, como já se viu há um ano com o Livre e a IL. Aparentemente, há ainda muita coisa em aberto, sendo provável que os detalhes e as decisões de última hora contem bastante.

2. Com as sondagens a darem resultados que colocam na margem de erro a AD e o PS, pressupondo um resultado apertado, a distribuição de assentos parlamentares, e, portanto, a formação de um governo, pode depender, de facto, de situações aparentemente pouco relevantes. O diabo está muitas vezes nos detalhes. Recorde-se que nas legislativas de há um ano o PSD teve o mesmo número de deputados que o PS, pelo que os dois lugares do CDS foram essenciais para formar governo. O PS, por seu lado, poderia ter ganho, se o Livre não tivesse captado 200 mil votos, boa parte dos quais poderia ter ido parar a Pedro Nuno Santos sem que esses eleitores se sentissem traidores da esquerda. Viu-se também a forma como o voto da emigração alcandorou o Chega e varreu, humilhantemente, Santos Silva do Parlamento a que presidia. Confirmou-se que a votação dos emigrantes é sempre um fenómeno complexo, difícil e controverso. Até pela forma anacrónica como funciona. No entanto, não há nota de que o Estado esteja a informar em força a emigração destas legislativas, lembrando-a de que elege quatro deputados que podem ser determinantes. De igual modo, analisando o resultado das recentes regionais da Madeira, parece possível o Juntos Pelo Povo (JPP) conseguir um inédito lugar no Parlamento nacional. Em Setúbal, onde o PSD nem sequer é capaz de apresentar um candidato à Câmara Municipal (quando não lhe falta gente de qualidade), é provável que haja oscilações. E logo no terceiro maior círculo do país, que mete 19 deputados, os mesmos que Braga. Mais do que nunca, os indecisos, a abstenção e os pormenores podem ser determinantes quanto à constituição de um governo. A única coisa dada por certa é que a direita (AD/IL/CH) vai continuar maioritária, embora a manutenção do “não é não” entre Montenegro e Ventura torne impossível um acordo, se ambos se mantiverem. A AD pode eventualmente contar com um pequeno acréscimo de votos pela circunstância de não parecer possível repetir-se a confusão de siglas com uma coisa chamada ADN, que, há um ano, esteve perto de eleger a sua então vedeta, Joana Amaral Dias, ao receber 90 mil votos. Isto, apesar de ser possível dar-se um impacto negativo para o governo na sequência da revisão do sistema de IRS, que pode levar alguns a terem de acertar pagando, em vez de receberem.

3. Não era perceção nenhuma, era mesmo verdade. Feitas as contas temos por cá oficialmente 1 milhão e 600 mil imigrantes, embora possam até ser ainda mais. Ou seja, 15% da população. Há uns poucos que são muito ricos, consomem e instalam-se discretamente a trabalhar ou simplesmente a desfrutar, havendo quem, absurdamente, os acuse de serem um fator negativo. Há muitos que falam a nossa língua, chegam de países ditos irmãos para trabalhar e têm um potencial de integração formidável nuns anos ou de uma geração para a outra. São sangue novo, purificador, dão-nos ritmo e até a alegria que nos falta. Há também inúmeros explorados que vieram atrás de falsas oportunidades e que fazem pela vida, longe dos seus países, procurando simplesmente sobreviver para um dia poderem voltar ou andar cá e lá. Desde 2017, até Montenegro, vivemos uma irresponsável política de portas escancaradas que facilitou negócios, tráfico humano e outros crimes. A afluência de 700 mil almas suplementares, muitas vindas de culturas e religiões diferentes, com alta dificuldade de comunicação, rebentou com muito do nosso sistema social. Criou mesmo um submundo guetizado que não dominamos e tem regras próprias. No entanto, certas comunidades, como a chinesa, vão deixando de ser evidentes. Já não estão tanto nas lojas. Estão mesmo no topo dos acionistas das nossas empresas. Apesar de muitos dos imigrantes estarem parados ou trabalharem ao biscate, os empresários e o governo estudam a forma de mandar vir mais cem mil para certos setores ditos essenciais, designadamente o turismo e certas indústrias. É um perigo! Vai permitir mais arranjos, mais truques, mais empresas falsificadoras a trabalhar em fileira. A solução é recrutar cá dentro. Ir junto dessas populações fugidias e dar-lhes a oportunidade. E, se não quiserem, pôr fim à permanência. Trazer mais gente é o caminho do facilitismo que criou este problema e a desgraça de muitos dos que nos demandaram em busca de uma vida melhor que não sabemos dar-lhes.

4. Lentamente, como em tudo o que tem algo de revivalismo, o táxi volta a ser visto como um meio seguro e até simpático de transporte nos grandes centros. Na província, na verdade, nunca deixou de o ser, dada a sua alta função social e humanitária de proximidade. Mas nos nossos grandes centros a imagem descuidada, uma certa rudeza e uma condução abusiva, fizeram com que os TVDE se instalassem em força. Primeiro eram um serviço de executiva. Depois veio a bandalheira absoluta. O perigo na estrada. Condutores do Indostão. Vários tipos de insegurança pessoal. A sensação de que em caso de acidente o condutor pode desaparecer e não haver seguro. São ainda muitos, talvez cada vez mais, mas já não inspiram a mesma confiança. E, em contrapartida, há sinal que o desaparecido taxista diligente está de regresso, embora lentamente. Se é português, em regra sabe as ruas. Dá o seu bitaite. E, claro, política, futebol e ordenamento urbano são as suas praias. A classe está a renascer com velhos e novos. Há ainda abusos e embustes sobretudo na zona dos grandes aeroportos e de madrugada. Mas a coisa está a compor-se. Talvez um dia Lisboa possa seguir o exemplo de algumas cidades europeias onde não há TVDE. Só mesmo táxis.

Legislativas: o diabo pode estar nos detalhes


Nesta fase, a cabeça dos eleitores não está na política interna, mas nas festividades da Páscoa, nas pontes e no que Trump, Putin, Xi e quejandos andam a fazer.


Nota prévia: Há dias, uma notícia “plantada” voltou a colocar a hipótese de Paulo Portas, atualmente administrador da Mota-Engil e comentador da TVI, ser mais um candidato à presidência. Na realidade, o assunto anda há muito pelos mentideiros. Para alguns, Portas talvez conseguisse federar a direita para tapar Gouveia e Melo. Sabe-se lá… Mas uma coisa é certa: um debate entre ambos deveria ser bem interessante quanto a submarinos. Um na ótica do utilizador e outro na de quem participou na polémica encomenda enquanto governante.

1. Contrariando o entusiasmo frenético e quase insuportável da comunicação social e da profusão incomensurável de comentadores, o português comum pouco vai ligando aos debates e à política interna, passada que foi a queda do governo. O “senhor toda a gente” (traduzindo literalmente a expressão francesa) anda mais atento e preocupado quanto ao mal que o trumpismo, o putinismo, o xi-jinpismo e o fanatismo israelo-palestiniano fazem à Humanidade e ao bolso de cada um. No retângulo, mantém-se um estado de espírito género “não há paciência para esta malta da política, porque é tudo igual”. Os últimos desenvolvimentos abonam esse pensamento e os tempos são de celebração religiosa e familiar de Páscoa (com o preço do borrego e do cabrito em altas escandalosas, segundo o Correio da Manhã). Depois virão os feriados e pontes de abril e maio, com mais motivação para uma praiada do que para celebrar o Dia do Trabalhador ou os 50 anos da eleição da Constituinte. O verdadeiro tempo de campanha oficial vem com a primeira segunda-feira de maio. Será mais ou menos por essa data, com as eleições a 18, que a cidadania vai começar a pensar no tema, avaliando desde logo se vale a pena sair de casa para votar. Da última vez, houve uma mobilização inesperada, mas o gesto nada resolveu em termos de estabilidade e de maturidade dos eleitos. Já a visualização dos debates é comparável ao futebol, não se negando a sua importância, apesar da distância relativamente à ida às urnas e um calendário mais dado ao diletantismo. Há uns jogos que vale a pena ver e podem influenciar. São os que envolvem os três grandes (Montenegro, Pedro Nuno Santos e Ventura) entre si. Os do meio da tabela não definem grande coisa, mas podem desviar votos, como já se viu há um ano com o Livre e a IL. Aparentemente, há ainda muita coisa em aberto, sendo provável que os detalhes e as decisões de última hora contem bastante.

2. Com as sondagens a darem resultados que colocam na margem de erro a AD e o PS, pressupondo um resultado apertado, a distribuição de assentos parlamentares, e, portanto, a formação de um governo, pode depender, de facto, de situações aparentemente pouco relevantes. O diabo está muitas vezes nos detalhes. Recorde-se que nas legislativas de há um ano o PSD teve o mesmo número de deputados que o PS, pelo que os dois lugares do CDS foram essenciais para formar governo. O PS, por seu lado, poderia ter ganho, se o Livre não tivesse captado 200 mil votos, boa parte dos quais poderia ter ido parar a Pedro Nuno Santos sem que esses eleitores se sentissem traidores da esquerda. Viu-se também a forma como o voto da emigração alcandorou o Chega e varreu, humilhantemente, Santos Silva do Parlamento a que presidia. Confirmou-se que a votação dos emigrantes é sempre um fenómeno complexo, difícil e controverso. Até pela forma anacrónica como funciona. No entanto, não há nota de que o Estado esteja a informar em força a emigração destas legislativas, lembrando-a de que elege quatro deputados que podem ser determinantes. De igual modo, analisando o resultado das recentes regionais da Madeira, parece possível o Juntos Pelo Povo (JPP) conseguir um inédito lugar no Parlamento nacional. Em Setúbal, onde o PSD nem sequer é capaz de apresentar um candidato à Câmara Municipal (quando não lhe falta gente de qualidade), é provável que haja oscilações. E logo no terceiro maior círculo do país, que mete 19 deputados, os mesmos que Braga. Mais do que nunca, os indecisos, a abstenção e os pormenores podem ser determinantes quanto à constituição de um governo. A única coisa dada por certa é que a direita (AD/IL/CH) vai continuar maioritária, embora a manutenção do “não é não” entre Montenegro e Ventura torne impossível um acordo, se ambos se mantiverem. A AD pode eventualmente contar com um pequeno acréscimo de votos pela circunstância de não parecer possível repetir-se a confusão de siglas com uma coisa chamada ADN, que, há um ano, esteve perto de eleger a sua então vedeta, Joana Amaral Dias, ao receber 90 mil votos. Isto, apesar de ser possível dar-se um impacto negativo para o governo na sequência da revisão do sistema de IRS, que pode levar alguns a terem de acertar pagando, em vez de receberem.

3. Não era perceção nenhuma, era mesmo verdade. Feitas as contas temos por cá oficialmente 1 milhão e 600 mil imigrantes, embora possam até ser ainda mais. Ou seja, 15% da população. Há uns poucos que são muito ricos, consomem e instalam-se discretamente a trabalhar ou simplesmente a desfrutar, havendo quem, absurdamente, os acuse de serem um fator negativo. Há muitos que falam a nossa língua, chegam de países ditos irmãos para trabalhar e têm um potencial de integração formidável nuns anos ou de uma geração para a outra. São sangue novo, purificador, dão-nos ritmo e até a alegria que nos falta. Há também inúmeros explorados que vieram atrás de falsas oportunidades e que fazem pela vida, longe dos seus países, procurando simplesmente sobreviver para um dia poderem voltar ou andar cá e lá. Desde 2017, até Montenegro, vivemos uma irresponsável política de portas escancaradas que facilitou negócios, tráfico humano e outros crimes. A afluência de 700 mil almas suplementares, muitas vindas de culturas e religiões diferentes, com alta dificuldade de comunicação, rebentou com muito do nosso sistema social. Criou mesmo um submundo guetizado que não dominamos e tem regras próprias. No entanto, certas comunidades, como a chinesa, vão deixando de ser evidentes. Já não estão tanto nas lojas. Estão mesmo no topo dos acionistas das nossas empresas. Apesar de muitos dos imigrantes estarem parados ou trabalharem ao biscate, os empresários e o governo estudam a forma de mandar vir mais cem mil para certos setores ditos essenciais, designadamente o turismo e certas indústrias. É um perigo! Vai permitir mais arranjos, mais truques, mais empresas falsificadoras a trabalhar em fileira. A solução é recrutar cá dentro. Ir junto dessas populações fugidias e dar-lhes a oportunidade. E, se não quiserem, pôr fim à permanência. Trazer mais gente é o caminho do facilitismo que criou este problema e a desgraça de muitos dos que nos demandaram em busca de uma vida melhor que não sabemos dar-lhes.

4. Lentamente, como em tudo o que tem algo de revivalismo, o táxi volta a ser visto como um meio seguro e até simpático de transporte nos grandes centros. Na província, na verdade, nunca deixou de o ser, dada a sua alta função social e humanitária de proximidade. Mas nos nossos grandes centros a imagem descuidada, uma certa rudeza e uma condução abusiva, fizeram com que os TVDE se instalassem em força. Primeiro eram um serviço de executiva. Depois veio a bandalheira absoluta. O perigo na estrada. Condutores do Indostão. Vários tipos de insegurança pessoal. A sensação de que em caso de acidente o condutor pode desaparecer e não haver seguro. São ainda muitos, talvez cada vez mais, mas já não inspiram a mesma confiança. E, em contrapartida, há sinal que o desaparecido taxista diligente está de regresso, embora lentamente. Se é português, em regra sabe as ruas. Dá o seu bitaite. E, claro, política, futebol e ordenamento urbano são as suas praias. A classe está a renascer com velhos e novos. Há ainda abusos e embustes sobretudo na zona dos grandes aeroportos e de madrugada. Mas a coisa está a compor-se. Talvez um dia Lisboa possa seguir o exemplo de algumas cidades europeias onde não há TVDE. Só mesmo táxis.