Nunca como nas últimas semanas se falou tanto em Bloco Central, desde que ele foi formado em 1983 por Mário Soares e Mota Pinto. Desde essa altura que a classe política desenvolveu alergia à ideia de entendimentos entre socialistas e sociais-democratas. Cavaco Silva nasceu então para a política, personificando a oposição a essa união entre os dois partidos que considerava contranatura.
Quarenta anos depois, a solução, não de uma coligação de governo, como foi na altura, mas de um compromisso que permita assegurar estabilidade, voltou a estar na mente de muitos políticos, à esquerda e à direita. Nos bastidores, a experiencia de um governo periclitante, sujeito aos caprichos de uma bancada de 50 deputados do Chega , já levava a que em surdina, alguns protagonistas políticos fossem levantando a hipótese de acordar entendimentos do passado, mas já em plena pré-campanha multiplicam-se as declarações de senadores, candidatos e proto-candidatos à presidência a apontar no mesmo sentido.
Esta quinta-feira foi Eduardo Ferro Rodrigues que, numa entrevista ao jornal Público e à Rádio Renascença que veio dar voz à possibilidade do regresso de um Bloco Central, mesmo que em moldes diferentes dos de 1983. Questionado sobre se devia haver de novo um governo de Bloco Central Ferro Rodrigues respondeu: «Estas coisas não se constroem do pé para a mão, mas não estranharia que houvesse essa necessidade». Na mesma entrevista, o antigo Presidente da Assembleia da República explica as razões que podem justificar uma solução política que há poucos meses toda a gente rejeitava: «bem podemos caminhar para uma situação limite porque há todos os ingredientes negativos do ponto de vista internacional, muito mais graves do que nessa altura. Quando começarem a chegar à mesa dos portugueses estas tarifas extraordinárias, as pessoas vão perceber que os tempos estão a mudar e que é necessário também que os políticos aprendam alguma coisa e que tenham juízo. Portanto não fomentem crises desnecessárias».
À voz de Ferro Rodrigues juntam-se as de muitos outros agentes políticos que nos últimos dias têm falado no mesmo sentido em vários órgãos de comunicação social.
Em entrevista nesta edição do Nascer do SOL, Rui Moreira, Presidente da Câmara do Porto diz a propósito «Agora há uma coisa que me parece óbvio nós no dia 18 de maio vamos ter um daqueles duelos, como dizíamos nos filmes de western, em que aparecem dois pistoleiros e em que um deles vai sair de morte, e a partir daí tudo será diferente». Rui Moreira considera que é impossível o diálogo entre Montenegro e Pedro Nuno Santos, mas que esse é um problema que acaba depois das eleições, porque um dos dois acabará por sair e com outros líderes o diálogo será mais fácil.
Também António José Seguro que oficialmente se mantém em reflexão sobre uma candidatura presidencial, no artigo que escreveu para o nosso jornal (págs. 16 a 18) se refere à urgência de desbloquear o diálogo nestes termos: «defendo compromissos com soluções concretas para os problemas do país e das pessoas. Não defendo arranjos de poder que servem, essencialmente, clientelas partidárias e outros. A estabilidade política que preconizo é um meio e não um fim: um meio para mudar e melhorar Portugal. O mesmo digo sobre a necessidade do diálogo democrático entre os atores políticos. Uma democracia sem diálogo é uma democracia moribunda. Existem demasiados bloqueios nos processos de diálogo entre os órgãos de Estado e entre os atores políticos».
A incerteza sobre os resultados que sairão das eleições do próximo dia 18 de maio e o receio de que da nova ida às urnas os portugueses não forneçam um quadro mais estável para a governação, são os motivos que levam estas e outras vozes a colocarem em cima da mesa o cenário de um entendimento dos partidos ao centro. Como deverá ser esse entendimento, ninguém arrisca dizer, mas parece claro que ninguém acha credível a repetição da fórmula de 1983. As várias vozes que se têm pronunciado apontam para entendimentos de incidência parlamentar e nem sequer acham necessário, ou acreditam em acordos escritos.
Até ao momento só Marques Mendes avançou com uma proposta concreta. O candidato presidencial desafiou os líderes da AD e do PS a comprometerem-se, já na campanha eleitoral de que viabilizarão o partido que sair vencedor.
Na visão do ex-líder do PSD, basta um acordo. Se PS e PSD aceitarem o compromisso de não apresentar no parlamento moções de censura, nem moções de confiança e se se comprometerem a negociar os orçamentos, do ponto de vista de Marques Mendes, a estabilidade governativa ganha novos horizontes, num cenário em que é cada vez menos provável que qualquer um destes partidos consiga obter uma maioria absoluta. Acresce que um acordo deste tipo dificulta o caminho ao Chega que perde um aliado para criar instabilidade.