A adesão tardia das trincheiras ao compromiso


Deixem lá as trincheiras que precisamos de governabilidade para fazer o que ainda não foi feito, com base no interesse geral e no bem comum.


Quais cogumelos silvestres ou espargos selvagens nesta época do ano, começaram a emergir no espaço público uma estranha conversão de quem sempre sustentou e concretizou a cultura de trincheiras vigente na vida política e em muitas expressões das nossas vivências individuais e comunitárias em promotores de convergência e de compromisso político face à pulverização do espectro político e aos problemas da governabilidade do país.

Descobriram agora que há problemas estruturais e mesmo de circunstância que perduram para além de tudo o que é aceitável, simplesmente porque o tempo de um ciclo político de um partido ou de uma maioria parlamentar é insuficiente para decidir, agir, sustentar e avaliar os resultados das políticas. É de trincheira, quiçá de pequenez política, o que se assiste de destruição de opções políticas e soluções anteriores cada vez que um novo governo entra em funções.

Descobriram agora que a degradação do ambiente político, dos protagonistas ao nível do debate político, eivada de um tribalismo insano, um certo rancor e de uma deriva maniqueísta, sempre nivelada por baixo, é lesiva do interesse geral?

Durante anos promoveu-se uma crescente ação política de trincheira, em que as nossas posições e propostas eram sempre melhores que as dos outros, com reduzida tolerância em relação a quem pensa diferente, incapacidade para gerar pontes de diálogo, próprias de democracias maduras, e diabolização do compromisso entre as partes, como exercício de alegada fraqueza política, de falta de liderança ou de vazio de carisma. É claro que as diabolizações foram sempre de geometria variável em função dos protagonistas políticos e dos exercícios de funções, permitindo, por exemplo, num mesmo momento, o compromisso entre o município de Lisboa e o governo de Passos e de Portas (Terrenos do Aeroporto e Frente Ribeirinha) e a desestabilização partidária, num quadro de intervenção da Troika, entre o Partido Socialista e o governo PSD/CDS.

Vergastados pelos tilintares de mudança em Eduardo Ferro Rodrigues e Pedro Adão e Silva, somos tomados pelo sentimento de que “mais vale tarde do que nunca”, mas a evolução tardia, em função da instabilidade política, da incapacidade da esquerda para gerar maioria estáveis e do quadro difuso da democracia portuguesa, meio século depois da sua implantação, pode ser pouco mais do que tática e quase nada de convicção.

É que o toque a rebate em defesa do compromisso entre os principais partidos, para fazer o que ainda não foi feito e responder a problemas estruturais que não são resolvidos pelos governos de turno, pode ser apenas uma fraca tentativa de remoção de Pedro Nuno Santos como líder do PS, por considerarem que, pelo seu histórico e perfil, nunca vestiria tal fato de compromisso para a governação. A ser assim, é um triste exercício de quem contribuiu para a alteração substancial do perfil da militância partidária e para a política de trincheira que se instalou em Portugal, sem resultados sólidos, sustentados e eficazes nas respostas a diversos problemas, da habitação à coesão social, da saúde à coesão territorial, da pobreza à fragilidade do tecido económico, entre outros.

A não ser assim, a tratar-se de uma conversão à política do compromisso, que pode assegurar opções, soluções, resultados e avaliações sustentadas para as pessoas, as comunidades e os territórios, mas haverá todo um caminho de pedagogia democrática a ser ativado, porque são muitos os adictos da trincheira, dos protagonistas políticos aos media. Sim, alguns media viciados em polémica, em escalada de verbalização entre partidos, em valorização do acessório para preencher espaço e até nas suas próprias agendas são parte do problema da degradação democrática assente na tribalização e nas trincheiras.

Em democracia, o normal é haver quem pense diferente, quem tenha propostas diferentes e quem dialogue para construir as melhores soluções, sobretudo num país com recursos financeiros finitos, evidente instabilidade política, funcionamento irregular das instituições e ligeireza no tratamento de pilares importantes da visão de país que queremos. Abandonar a política da trincheira para uma política de compromisso é fundamental para acabar com o iô-iô das opções políticas e das políticas públicas, dando estabilidade e previsibilidade mínimas a tudo e a todos.

É que ao contrário do que se diz, o que faz emergir os extremos, os populismos e outras derivas negativas para o compromisso democrático dos portugueses, não é a existência de uma convergência política moderada ao centro, mas a persistência de problemas sem respostas, as injustiças e a degradação do exercício político e do funcionamento do Estado. Estes há mais de três décadas que não têm nenhum contributo de um bloco central. E, no entanto, em regime de trincheira e de turno, existem, persistem e minam a confiança dos portugueses na arte do possível, na política tristemente nivelada por baixo e sem resolver os problemas estruturais. Deixem lá as trincheiras que precisamos de governabilidade para fazer o que ainda não foi feito, com base no interesse geral e no bem comum. Devastador para o sistema político é constatar a crescente inconsistência dos portugueses com o compromisso democrático e com o contrato social, por falta de respostas. Esse é o tsunami cujos sinais estão aí, sem a resposta adequada, como na eclosão e afirmação do Chega.

Uma Páscoa Feliz!

NOTAS FINAIS

À ORDEM DE TRUMP OU ÀS ORDENS DE TRUMP. O inacreditável questionário da administração Trump para instituições portuguesas com programas norte-americanos revela bem a deriva de demência instalada, agora em sentido contrário ao wokismo, a caminho de práticas autoritárias de regimes outrora combatidos pelos estados democráticos. É não ter senso mínimo. Imagine-se que a China fazia o mesmo com os fornecedores da EDP?

ATENÇÃO, OS RETROCESSOS ANDAM POR AÍ. Na Flórida, na América de Trump, estuda-se a redução das restrições à contratação laboral de menores. Na Alemanha, Sebastian Ebel, que lidera a Tui, o maior operador turístico do mundo, questiona a conciliação entre o trabalho e a vida privada, sustentando mais horas de trabalho; Ola Kallenius, da Mercedes questiona o facilitismo das baixas médicas” e Michael Hutler, do Instituto IW, defende a remoção de feriados. Eles andam aí.

JOÃO ALMEIDA HISTÓRICO! A conquista da Volta ao País Basco é o maior feito de uma carreira já de referência do ciclista de A-Dos-Francos, nas Caldas da Rainha, expressão maior de um atleta excecional num país que não investe o suficiente no desporto, além do futebol.

A adesão tardia das trincheiras ao compromiso


Deixem lá as trincheiras que precisamos de governabilidade para fazer o que ainda não foi feito, com base no interesse geral e no bem comum.


Quais cogumelos silvestres ou espargos selvagens nesta época do ano, começaram a emergir no espaço público uma estranha conversão de quem sempre sustentou e concretizou a cultura de trincheiras vigente na vida política e em muitas expressões das nossas vivências individuais e comunitárias em promotores de convergência e de compromisso político face à pulverização do espectro político e aos problemas da governabilidade do país.

Descobriram agora que há problemas estruturais e mesmo de circunstância que perduram para além de tudo o que é aceitável, simplesmente porque o tempo de um ciclo político de um partido ou de uma maioria parlamentar é insuficiente para decidir, agir, sustentar e avaliar os resultados das políticas. É de trincheira, quiçá de pequenez política, o que se assiste de destruição de opções políticas e soluções anteriores cada vez que um novo governo entra em funções.

Descobriram agora que a degradação do ambiente político, dos protagonistas ao nível do debate político, eivada de um tribalismo insano, um certo rancor e de uma deriva maniqueísta, sempre nivelada por baixo, é lesiva do interesse geral?

Durante anos promoveu-se uma crescente ação política de trincheira, em que as nossas posições e propostas eram sempre melhores que as dos outros, com reduzida tolerância em relação a quem pensa diferente, incapacidade para gerar pontes de diálogo, próprias de democracias maduras, e diabolização do compromisso entre as partes, como exercício de alegada fraqueza política, de falta de liderança ou de vazio de carisma. É claro que as diabolizações foram sempre de geometria variável em função dos protagonistas políticos e dos exercícios de funções, permitindo, por exemplo, num mesmo momento, o compromisso entre o município de Lisboa e o governo de Passos e de Portas (Terrenos do Aeroporto e Frente Ribeirinha) e a desestabilização partidária, num quadro de intervenção da Troika, entre o Partido Socialista e o governo PSD/CDS.

Vergastados pelos tilintares de mudança em Eduardo Ferro Rodrigues e Pedro Adão e Silva, somos tomados pelo sentimento de que “mais vale tarde do que nunca”, mas a evolução tardia, em função da instabilidade política, da incapacidade da esquerda para gerar maioria estáveis e do quadro difuso da democracia portuguesa, meio século depois da sua implantação, pode ser pouco mais do que tática e quase nada de convicção.

É que o toque a rebate em defesa do compromisso entre os principais partidos, para fazer o que ainda não foi feito e responder a problemas estruturais que não são resolvidos pelos governos de turno, pode ser apenas uma fraca tentativa de remoção de Pedro Nuno Santos como líder do PS, por considerarem que, pelo seu histórico e perfil, nunca vestiria tal fato de compromisso para a governação. A ser assim, é um triste exercício de quem contribuiu para a alteração substancial do perfil da militância partidária e para a política de trincheira que se instalou em Portugal, sem resultados sólidos, sustentados e eficazes nas respostas a diversos problemas, da habitação à coesão social, da saúde à coesão territorial, da pobreza à fragilidade do tecido económico, entre outros.

A não ser assim, a tratar-se de uma conversão à política do compromisso, que pode assegurar opções, soluções, resultados e avaliações sustentadas para as pessoas, as comunidades e os territórios, mas haverá todo um caminho de pedagogia democrática a ser ativado, porque são muitos os adictos da trincheira, dos protagonistas políticos aos media. Sim, alguns media viciados em polémica, em escalada de verbalização entre partidos, em valorização do acessório para preencher espaço e até nas suas próprias agendas são parte do problema da degradação democrática assente na tribalização e nas trincheiras.

Em democracia, o normal é haver quem pense diferente, quem tenha propostas diferentes e quem dialogue para construir as melhores soluções, sobretudo num país com recursos financeiros finitos, evidente instabilidade política, funcionamento irregular das instituições e ligeireza no tratamento de pilares importantes da visão de país que queremos. Abandonar a política da trincheira para uma política de compromisso é fundamental para acabar com o iô-iô das opções políticas e das políticas públicas, dando estabilidade e previsibilidade mínimas a tudo e a todos.

É que ao contrário do que se diz, o que faz emergir os extremos, os populismos e outras derivas negativas para o compromisso democrático dos portugueses, não é a existência de uma convergência política moderada ao centro, mas a persistência de problemas sem respostas, as injustiças e a degradação do exercício político e do funcionamento do Estado. Estes há mais de três décadas que não têm nenhum contributo de um bloco central. E, no entanto, em regime de trincheira e de turno, existem, persistem e minam a confiança dos portugueses na arte do possível, na política tristemente nivelada por baixo e sem resolver os problemas estruturais. Deixem lá as trincheiras que precisamos de governabilidade para fazer o que ainda não foi feito, com base no interesse geral e no bem comum. Devastador para o sistema político é constatar a crescente inconsistência dos portugueses com o compromisso democrático e com o contrato social, por falta de respostas. Esse é o tsunami cujos sinais estão aí, sem a resposta adequada, como na eclosão e afirmação do Chega.

Uma Páscoa Feliz!

NOTAS FINAIS

À ORDEM DE TRUMP OU ÀS ORDENS DE TRUMP. O inacreditável questionário da administração Trump para instituições portuguesas com programas norte-americanos revela bem a deriva de demência instalada, agora em sentido contrário ao wokismo, a caminho de práticas autoritárias de regimes outrora combatidos pelos estados democráticos. É não ter senso mínimo. Imagine-se que a China fazia o mesmo com os fornecedores da EDP?

ATENÇÃO, OS RETROCESSOS ANDAM POR AÍ. Na Flórida, na América de Trump, estuda-se a redução das restrições à contratação laboral de menores. Na Alemanha, Sebastian Ebel, que lidera a Tui, o maior operador turístico do mundo, questiona a conciliação entre o trabalho e a vida privada, sustentando mais horas de trabalho; Ola Kallenius, da Mercedes questiona o facilitismo das baixas médicas” e Michael Hutler, do Instituto IW, defende a remoção de feriados. Eles andam aí.

JOÃO ALMEIDA HISTÓRICO! A conquista da Volta ao País Basco é o maior feito de uma carreira já de referência do ciclista de A-Dos-Francos, nas Caldas da Rainha, expressão maior de um atleta excecional num país que não investe o suficiente no desporto, além do futebol.