Riscos das redes. “Pais devem ser guardiões mas não espiões”

Riscos das redes. “Pais devem ser guardiões mas não espiões”


As crianças têm cada vez mais cedo não só acesso a dispositivos eletrónicos como também às redes sociais. Sem controlo, podem passar por problemas de sono, de interação social e até emocionais. Apoio dos pais é fundamental nesta situação e deverá ser feito com base no diálogo.


Cada vez mais cedo, as crianças começam a ter acesso a telemóveis ou tablets e, em grande parte dos casos, essa utilização inclui a navegação nas redes sociais. Com os criadores de conteúdos a ganharem cada vez mais destaque, são muitos os que pensam passar de meros consumidores a produtores. Não é incomum ‘passearmos’ pelas redes sociais e, aleatoriamente, aparecer um vídeo de uma criança – na casa dos 10 anos, por exemplo – a fazer vídeos de maquilhagem, a mostrar as suas compras, ou a mostrar o que veste e como se arranja para ir a determinado sítio, o conhecido get ready with me. Mas depois, nem tudo corre bem. Já nos passaram pelos olhos também vídeos de crianças que são gozadas na escola pela sua exposição pública ou que recebem mensagens de ódio. E isso deixa marcas.

Para evitar o pior, é necessário apoio parental, não só para que as crianças não dependam tanto das redes sociais mas para que também saibam proteger-se do que elas têm de mais perverso.

Os especialistas dizem que as crianças só deveriam ter acesso ao telemóvel depois dos 10 anos de idade, mas em Portugal, o relatório “Portugal a brincar” revela que 39,3% das crianças nesta faixa etária já têm um telemóvel ou um tablet próprio.

Além do cyberbullyng há outros riscos à espreita. Um exemplo – e que tem acontecido com frequência – é o happy slapping que mais não é do que quando um episódio de agressão ou de humilhação entre jovens é gravado e posteriormente colocado online e partilhado por uma larga audiência.

Falar com desconhecidos e enviar fotos de nudez tem sido cada vez mais comum e são casos que os pais não conseguem controlar.

Regras são importantes

O i tentou perceber junto de Raquel Raimundo, psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses, em que riscos é que as crianças incorrem no acesso precoce às redes sociais e aos dispositivos e como podem os pais ajudar.

“Há riscos em termos daquilo que são os padrões de sono” uma vez que as crianças “ficam muitas vezes acordadas até mais tarde nos ecrãs e nas redes sociais”. Esta tendência pode trazer “uma alteração do padrão de sono”.

Na opinião de Raquel Raimundo, a dependência das redes sociais pode levar ainda ao “empobrecimento das próprias redes de amizade e daquilo que são os contactos mais presenciais por substituição apenas por relações que são mais online”. E não é o único risco: “Pode também levar a dificuldades de atenção e concentração, do próprio rendimento académico, ou até a algumas menos pensadas e menos óbvias como sendo o caso da própria visão”. E lembra que há já indicações de que em 2050 mais de 50% da população será míope.

Outros riscos estão relacionados com os padrões de comportamento e emoções como “sentir maior ânsia, irritação, dificuldade em lidar com a frustração” mas também “o sedentarismo, o facto de haver uma diminuição da própria atividade física em virtude de se estar mais online, dos sentimentos de solidão e de isolamento que também podem ser mais potenciados”.

“No fundo, é estar com muitas pessoas na rede mas sentir-se mais sozinho porque aqui a questão não é tanto o estar ou não sozinho, é mais o quanto a pessoa se sente só”.

A dependência

Para Raquel Raimundo, existe também o problema da dependência que traz outras situações como insegurança online e cyberbullying. “Os riscos são bastante diversos e sabemos também que, neste momento, 60% da população mundial utiliza redes sociais e esse valor em Portugal é de quase 80%. É um número bastante elevado. E outro dado que temos é que cerca de um quarto dos jovens está em redes sociais mais de seis horas por dia”, alerta. “É o scrolling is the new smoking”, diz ainda.

A psicóloga recorda que a Organização Mundial de Saúde está atenta a estes casos e dá recomendações, dependendo da faixa etária, dos tempos que as crianças ou jovens devem utilizar ecrãs. Esse valor é nulo até aos 2 anos de idade, as crianças não devem estar nos ecrãs. Entre os dois e os cinco anos, no máximo uma hora por dia. Depois entre os seis e os 10, no máximo duas horas e, a partir dos 10 anos, entre duas a três horas.

A ajuda dos pais

Questionada como é que os pais podem ajudar estas crianças, Raquel Raimundo defende que “o principal, neste situação – como em outras – é haver diálogo e construção de regras que possam ser negociadas – não necessariamente impostas – no sentido de se perceber o que é o mais benéfico também para as crianças ou para os adolescentes”. No fundo, trata-se de uma negociação mas com algumas restrições. E deixa exemplos: “Pode haver restrição pelo tempo de uso ou dos conteúdos que são vistos. O tempo de uso incide um pouco sobre estas recomendações da OMS que são ajustadas não só à idade mas depois também se deve ter em conta outros fatores como, por exemplo, o próprio nível de desenvolvimento das crianças porque sabemos que, para a mesma idade, às vezes, o nível de desenvolvimento ou de maturidade também não é exatamente igual”.

Mas será preciso ter em conta outras características porque, por exemplo, as tecnologias também ajudam muito crianças neurodivergentes. “Temos que ter mesmo em consideração as diferentes crianças ou jovens”, alerta a psicóloga.

Em termos de estratégias de monitorização, “vai sendo importante ter essa supervisão parental”, diz ao i. Como? “Irem questionando sobre o que é que viram online, o que podem fazer para ficar longe de sarilhos”. Recordando a existência de aplicações de controlo parental, a psicóloga desaconselha “ferramentas que sejam propriamente vigilância de toda a atividade online. Especialmente quando já são adolescentes. Os pais devem ser sobretudo guardiões e não propriamente espiões dos filhos. A não ser que haja uma suspeita muito forte de que algo grave possa estar a acontecer, devem também evitar fazê-lo”.

E há sempre outras medidas a ter em conta para o bem estar dos filhos, como a “promoção de hábitos de vida saudáveis, a prática física diária, não adormecer com dispositivos digitais ou evitar utilizá-los até uma hora antes de dormir, evitar tecnologia também durante o tempo de estudo”.

E tudo pode ser um jogo e uma atividade familiar. O importante é que a criança se sinta motivada. “Sábado à tarde sem ecrãs, por exemplo. E até diria uma outra que é: trabalhar, de certa forma, a resistência à frustração e como forma até de lidar com o ócio porque cada vez mais sentimos isso: as crianças e os jovens têm dificuldade em lidar com o aborrecimento, terem tempo livre e não terem um telemóvel na mão”.

Como proteger os mais novos

Controlo parental

•  É através do controlo parental que os pais podem monitorar a navegação, restringir conteúdos impróprios para menores e bloquear páginas ou usuários que possam constituir uma ameaça para as crianças. Atualmente já existem aplicações próprias para o efeito. O controlo parental existe em todos os dispositivos que utilizamos, como computadores, tablets, smartphones, televisões, consolas de jogos, entre outros

Bloqueio de sites

•  Nem todos os sites são adequados a crianças e muitos aparecem mesmo que não sejam os mais jovens à procura. Para bloquear sites, as formas mais simples e fáceis envolvem a utilização de uma aplicação de restrição que vai manter os filhos longe de problemas ou websites que são considerados inapropriados.

Ativar pesquisa segura

•  Existe ainda a pesquisa segura. Serve tanto para dispositivos móveis como para
o computador e o principal objetivo é limitar o tipo de conteúdo que será exibido nos resultados de pesquisa. Com a pesquisa segura ativada, é possível impedir que sejam abertas as páginas que o utilizador definiu como indesejadas.

Limitar exposição e tempo

•  Podem ser criadas regras horárias para que as crianças e jovens não usem o telemóvel a determinadas horas do dia dando prioridade, por exemplo, ao convívio familiar ou a atividades lúdicas que não envolvam o acesso aos ecrãs.

Apps educativas

•  As crianças são muito curiosas e os tablets podem ser uma boa ajuda para as ajudar a aprender. Ainda que seja preferível evitar os ecrãs, quando não é possível, existem os tablets próprios para os mais novos. Estes equipamentos trazem já definições próprias e acabam por ser mais seguros. Mas nem todos os pediatras aconselham, será sempre uma opção dos pais. A juntar a isto, existe uma panóplia de aplicações educativas onde as crianças podem pôr em prática os seus conhecimentos.