Trinta e duas mil. Foi o número de pessoas que viram um dos vídeos, publicados na rede social TikTok, de uma rapariga de 16 anos que terá sido violada por três jovens numa arrecadação, em Loures. Apesar das milhares de testemunhas do crime, nenhuma denúncia foi apresentada. Foi só através de uma participação do Hospital Beatriz Ângelo, onde a vítima foi atendida, que a Polícia de Segurança Pública (PSP) tomou conhecimento do caso, que aconteceu em fevereiro.
Ao que se sabe, os suspeitos, com idades entre os 17 e os 19 anos, seriam influencers nas redes sociais, com um um público muito significativo, principalmente no TikTok. Entre os seguidores, estava a vítima. A menor aceitou inicialmente encontrar-se com um dos suspeitos, perto da sua residência, mas o jovem apareceu acompanhado por mais dois amigos, desconhecidos da vítima. Uma fonte judicial, citada pelo Expresso, adianta que a jovem terá aceitado, num primeiro momento, manter relações sexuais, mas, já no local, disse para os rapazes pararem, o que não aconteceu. O vídeo da violação foi editado e dividido em várias partes para ser partilhado nas redes sociais.
Os suspeitos foram presentes a primeiro interrogatório judicial, tendo sido colocados em liberdade, ficando sujeitos às medidas de coação de apresentações periódicas semanais e proibição de contactos coma vítima. Os três jovens estão indiciados de 51 crimes envolvendo sequestro, violação e pornografia de menores.
“Violação não se filma, condena-se”
Os contornos do caso e o facto de os suspeitos terem ficado a aguardar em liberdade gerou uma onda de indignação que culminou numa manifestação no passado sábado, com o lema “Violação não se filma, condena-se”. Várias centenas de pessoas juntaram-se em frente à Assembleia da República, em Lisboa, para exigir respostas mais eficazes por parte das autoridades nos crimes de abuso sexual.
Em declarações aos jornalistas, representantes do Bloco de Esquerda, Livre e PAN defenderam que a violação deve passar a ser um crime público e que as plataformas que gerem as redes sociais devem ser responsabilizadas legalmente pela partilha de imagens e vídeos de crimes sexuais.
Confissões nas redes sociais
Antes da denúncia formal, um dos suspeitos da violação publicou um vídeo em colaboração com outro influencer, onde mostra um frame do vídeo da alegada violação e explica que se tratava de uma “gera” (sexo em grupo), em que estariam sob o uso de drogas.
O jovem gaba-se ainda de que a rapariga teria ficado quase sem conseguir andar e que teve de ir ao hospital, na sequência do ato sexual. Na altura, em que o vídeo foi publicado não se sabia que se tratava de uma violação, mas o jovem não fez questão de esconder os detalhes do que aconteceu.
Este é o segundo caso recente em que um influencer admite ou fala abertamente sobre um crime nas redes sociais, sem receio de represálias. Ao ser desafiado a contar um segredo que nunca contou, o tiktoker Tiago Grila admitiu ter atropelado uma pessoa.
A confissão foi feita no programa de Youtube Podcast do Mestre, onde o influencer, sempre de sorriso na cara, conta o sucedido: “Atropelei uma pessoa e fugi. Ali na subida de quem sai do bingo, na Amadora. Não a vi, ia agarrado ao telemóvel. Ouço um estoiro e parti o vidro”, disse, acrescentando: “Depois vi que ela se levantou, atenção. Mas partiu-me o vidro [do carro] com o chapéu de chuva. Só a minha namorada e a minha mãe é que sabem. Foi só um toquezinho.”
Posteriormente, a SIC avançou que o atropelamento mencionado por Tiago Grila tinha acontecido no dia 17 de janeiro de 2024, pouco depois das 20h, numa passadeira na Avenida D. José I, na Amadora, e que a vítima, uma mulher, sofreu várias mazelas.
O canal televisivo refere que a vítima perdeu os sentidos com o embate, tendo sofrido fraturas de dois dentes, do braço esquerdo e um traumatismo craniano que necessitou de oito pontos, além de vários hematomas na face e no corpo.
Recorde-se que a confissão do tiktoker fez com que a PSP denunciasse o crime ao Ministério Público, que já reabriu o inquérito.
Agora, Tiago Grila nega tudo, mas o que foi dito nas redes sociais será uma peça-chave no processo.
TIKTOK, UMA TERRA SEM LEI? Coincidência ou não, ambos os casos envolvem “estrelas do TikTok”, uma das redes mais utilizadas pelos jovens. Apesar da gravidades dos crimes de que são acusados, tanto os jovens suspeitos de violação, como Tiago Grila, aumentaram o número de seguidores depois das polémicas.
No caso de Grila, o influencer chegou mesmo a alegar que teria inventado a confissão como uma “jogada de marketing” para gerar visualizações e crescer nas redes sociais.
Certo é que as redes sociais têm sido diversas vezes acusadas de permitir a partilha de conteúdos violentos, discursos de ódio e discriminatórios e até pornografia infantil.
No caso do Tiktok, a plataforma não só permitiu a partilha do vídeo da violação, como a propagação de vídeos com referências diretas ao crime, bem como comentários que ridicularizam a vítima ou glorificam os agressores. Alguns desses conteúdos chegaram a aparecer em páginas de recomendação, acessíveis a utilizadores com menos de 13 anos.
Tal como outras plataformas, a rede social detida pela ByteDance, alega que tem equipas de moderação e inteligência artificial para detetar conteúdos problemáticos, mas não parece estar a ser suficiente.
Em novembro de 2024, sete famílias francesas processaram o TikTok, acusando a plataforma de expor seus filhos a conteúdos que teriam contribuído para o declínio da saúde mental dos adolescentes e, em dois casos, levado ao suicídio. As famílias alegam que o algoritmo do TikTok promoveu vídeos prejudiciais, exacerbando problemas psicológicos nos jovens.