Emiliano Zapata Salazar era um mulherengo incoercível. Houve um desses coca bichinhos das estatísticas que lhe atribuiu quatorze mulheres. E identificou-as quase todas: Inés Alfaro Aguilar, Josefa Espejo Merino (La Generala), Margarita Sáenz Ugalde, Petra Portillo Torres, María de Jesús Pérez Caballero, Georgina Piñeiro, Gregoria Zúñiga Benítez, Luz Zúñiga Benítez, Agapita Sánchez e Matilde Vázquez. As outras tiveram de se contentar com o orgulho dos pequenos: o anonimato. De nove delas nasceram-lhe dezasseis filhos, o que é mais do que razoável. Mas as línguas viperinas nunca deixaram de lhe roer os caboucos. E tudo começou por causa de um romance mal explicado com uma senhora de Huamuxtitlán, Deonicia Amancise de Jesús, conhecida por Amada Díaz Quiñones, esposa de um dos seus grandes amigos, um tal de José Ignacio Mariano Santiago Joaquín Francisco de la Torre y Mier, político e dono de propriedades, que era tratado por El Yerno de su Suegro, o Filho de seu Sogro – e haveria bons motivos para isso. O problema é que a amizade entre Emiliano e José aborreceu muita gente bem instalada que atirou para as bocas do mundo queZapata não se contentava em dormir com a matrona e juntava o marido nos seus movimentos de alcofa. Enfim, era o que era.
Ao entrar assim à bruta pelo texto dentro, deixo passar a sensação de queZapata passava mais tempo na cama do que a fazer outra coisa qualquer e isso não é absolutamente verdade. O façanhudo Emiliano constituiu-se como uma das figuras-chave da Revolução Mexicana que durou entre 1910 e 1920. E convém traçar algumas linhas sobre esse fenómeno social e político cruzado por personagens apaixonantes. Há historiadores que consideram ter-se tratado de um momento absolutamente definitivo da História do México.Não serei eu a contrariá-los.
Era uma vez no México
O assunto é bastante confuso. Simplifiquemo-lo o mais possível porque o espaço não abunda para fazer de enciclopédia. Viajemos à vol d’oiseu. De um dos lados estavam os apoiantes do general José de la Cruz Porfirio Díaz Mori, que assumiu uma política ditatorial desde que chegou à presidência do país em 1876. Era um grande papa-tachos. E para o provar acrescento que ocupou o cargo de presidente por três vezes em ocasiões diversas num total de trinta anos. Não era de estranhar que houvesse muito boa gente farta dele e do seu regime conhecido por Porfiriato. Como sempre acontece com este tipo de homenzinhos com chapéus de penas na cabeça, solidificou uma guarda pretoriana, a GuardiaRural, mais conhecida pelos Rurales – composta por canalha do pior, muitos deles antigos bandidos de estrada –, encarregada de dominar qualquer tipo de rebeldia por parte dos hacendados, os servos da gleba, se é que posso usar a designação, camponeses entregues às ordens dos grandes proprietários de terras que dominavam mais de noventa por cento do solo mexicano. Para cada caudilho a sua oposição. Em 1905 surgiu o Partido Liberal de México, criado por um grupo considerável de artistas e intelectuais, liderados pelos irmãos Magón, Ricardo Flores, Enrique e Jesús, anarquistas de alma, coração e fígado, e apoiado por gente como o escritor e advogado Luis Vicente Cabrera Lobato, que assinava LucasRivera, Antonio Diaz Soto y Gama, um dos maiores incentivadores do jornal anti-Porfírio, o El Hijo del Ahuizote, e José Guadalupe Posada Aguilar, um ilustrador tão verrinoso como o nossoBordalo Pinheiro. E foi assim que os primeiros grupos de revoltosos começaram a erguer a cabeça presa à canga dos seus exploradores. Primeiro nas minas de cobre da província de Sonora, em seguida por entre os trabalhadores da indústria têxtil de Veracruz. Era como se, de repente, uma cabeça de fósforo tivesse acendido outra e por aí fora. O rastilho final deu-se quando, na véspera das eleições presidenciais de 1910, Porfírio Diaz foi confrontado com a candidatura rival de Francisco Ignacio Madero González, chefe do recém-fundado Partido Anti-Reeleccionista. Perdeu a cabeça e enfiou com Madero na cadeia. A fuga quase imediata deste foi espetacular. Exilou-se no Estados Unidos, em San Antonio, Texas. O caldo estava entornado.

Com o apoio norte-americano à sua causa reformista, FranciscoIgnacio juntou um grupo tremendo de líderes rebeldes saído das famílias exploradas de hacenderos: Pascual Orozco, Pancho Villa e Venustiano Carranza. Uma força de gente cansada da ditadura começou a organizar-se militarmente. Mexicali, a capital do Estado de BajaCalifornia, e Chihuahua, capital do Estado do mesmo nome, foram tomadas com facilidade. Avançando de norte para sul, contornando El Paso, Texas, invadiram Ciudad Juárez, para cá doRio Grande. Imponente, com o seu bigode bem desenhado e de sobrancelhas negras e cerradas debaixo do sombrero, EmilianoZapata tornava-se um nome adorado e temido ao mesmo tempo. Ao fim ao cabo era o desenho dos revolucionários mexicanos que se colou à nossa memória para sempre. As faixas de carregadores cruzadas ao peito e a espingarda na mão serviram para compor um boneco com muito de romântico. A liberdade estava a passar por ali.
Viva Zapata!
A primeira proeza militar de Emiliano foi a ocupação da Hacienda de Chinameca, junto a Ciudad Ayala. Em seguida, no dia 19 de Maio de 1911, o triunfo na Batalha deCuautla, naqueles que foram considerados os seis dias mais sangrentos da Revolução Mexicana, atirou-o para o mundo das lendas. E não há quem goste mais de lendas do que os mexicanos. Sobretudo quando pelas veias lhes corre a lava da insurgência.
Calma aí com os cavalos! Zapata não era nenhum ranhoso, nascido em berço de palha. O nono dos dez filhos de Gabriel Zapata e Cleofas Jertrudiz Salazar, veio ao mundo em Anenecuilco, Morelos, no dia 8 e Agosto de 1879, como neto de um fazendeiro rico, José Salazar, e sobrinho de Cristino e José Zapata, heróis da IIGuerra Franco-Mexicana, quando Napoleão III avançou para a conquista do México na tentativa de impor um imperador da famíliaHabsburgo chamadoMaximiliano, aquele de quem se afirma que tem estátua noRossio por engano, no lugar da de Pedro IV. Aprendeu contabilidade e soube governar-se muito bem, mesmo que tenha ficado órfão de pai aos 16 anos. O seu problema, como de muitos outros como ele, é que a Revolução Mexicana foi um caldo de traições e de relações mal resolvidas que provocaram alianças espúrias, tantas vezes viradas do avesso. Madero tornou-se presidente e amaldiçoou Emiliano que não estava satisfeito com as reformas postas em marcha e reivindicava a entrega de terras aos trabalhadores. Inebriado pelo poder, Francisco Ignacio atirou com o Exército Federal contra os soldados de Zapata e criou campos de trabalhos forçados para todos aqueles que se atreviam a colocar em causa a sua autoridade. Seria um dos seus fiéis, o general VictorianoHuerta a derrubá-lo no Golpe de Estado de 19 de Fevereiro de 1913. Nova reviravolta. Uma coligação de Constitucionalistas, liderada por José Venustiano Carranza, pegou em armas contra Huerta. ComCarranza estavam o general Álvaro Obregón e o inimitável José Doroteo Arango Arámbula. Talvez o nome não vos diga nada. Mas dirá certamente se eu escrever aqui que José passou à posteridade como PanchoVilla – prometo voltar a ele num dos próximos capítulos. Entretanto, Emiliano não acatou a proeminência de Venustiano. Preferiu dedicar os seus esforços à reforma agrária na sua zona de Morelos, deixando os restantes numa estúpida guerra intestina que não demorou muito a pôr Carranza e Villa em confronto, sendo que o primeiro acabou por aniquilar o segundo em 1915, ficando com as mãos livres para perseguir Zapata a partir daí. Autotitulando-se o Primer Jefe da revolução, arrebanhando um grupo conhecido pelos Sediciosos, Venustiano Carranza fez do desaparecimento deZapata uma prioridade. O carrasco foi designado: Jesús Guajardo. Uma questão de paciência. Guajardo foi alimentando contactos com Emiliano ao ponto de, no dia 10 de Abril de 1919, conseguir convencê-lo a encontrarem-se na Hacienda de San Juan, em Chinameca, sob o pretexto de que estava pronto a desertar e a juntar-se a ele. Uma salva de tiros varou-o mal cruzou a entrada da fazenda. Depois fotografaram-lhe o cadáver. Era preciso que não restassem quaisquer dúvidas que Zapata estava morto. Como nos filmes.