Boas sondagens não fazem primaveras políticas


A circunstância de a AD (ou lá o que seja) aparecer em boa posição nesta altura não quer dizer nada.


Nota prévia: As leis da guerra e, desde logo, a ética militar condenam as ações de falsa bandeira para enganar o inimigo, embora se saiba que elas são recorrentes. Na política, há uma excessiva condescendência quanto a práticas similares. Chega-se ao ponto de haver quem seja candidato a cargos relevantíssimos sem o assumir, vestir a farda respetiva e erguer o seu estandarte. Esse, sim, é um verdadeiro problema ético. Outros podem ser ou não. Mas há casos que não oferecem dúvidas a ninguém de boa fé e bem formado.

1. Embora com diferenças que podem ser determinantes na formação de um governo estável, a maioria das sondagens conhecidas aponta para uma vitória da AD. É um dado relevante e indica que os portugueses consideram Luís Montenegro mais capaz do que Pedro Nuno Santos para exercer funções de primeiro-ministro. O estudo da Católica é elucidativo quanto a isso. Mesmo assim, é só uma suposta avaliação de confiabilidade com base em perguntas de algibeira. Para além de ser prejudicado por uma imagem de alguma impulsividade, é natural que PNS esteja ainda a pagar a elevada fatura da governação caótica e de casos de António Costa. Daí que, mesmo uma derrota, desde que escassa, não tenha de implicar instabilidade no PS. Desde logo porque há autárquicas e presidenciais de seguida e porque perder e ganhar deve fazer parte da vida dos políticos. Via-se, por exemplo, com Mário Soares que, passadas horas de uma derrota, já pensava no próximo combate (simbolizado no seu slogan “quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS”). Adivinhar é proibido, mas é provável que PNS seja dessa cepa também. Um indício foi a forma como recuperou da saída do governo e mantém um controlo sobre o aparelho do PS. Nos últimos dias verificou-se, entretanto, que as questões ligadas à empresa familiar de Montenegro e à sua ética têm vindo a diluir-se. A própria imprensa começou a remeter o tema para páginas interiores. São boas notícias para a AD, mas o tema vai obviamente voltar em força nos debates, sobretudo no que vai opor Montenegro a Pedro Nuno Santos e naqueles em que Ventura entrar. Já as propostas e os programas dos partidos surgem como adornos porque ninguém os lê e, sobretudo, porque ninguém esclarecido acredita em promessas firmes no estado em que o mundo se encontra, entre os desvarios de Trump, a guerra das tarifas e os conflitos sangrentos que há por todo lado, designadamente na Ucrânia, no Médio Oriente e em África. Encher a boca de promessas a prazo nestes tempos é ridículo. O mais que se pode é definir passos imediatos face a uma conjuntura que muda diariamente.

2. É estranha a insistência do PSD e do CDS em se apresentarem com uma sigla que contenha forçosamente as letras AD, simbolizando a velha Aliança Democrática dos anos 80. O PPM não vai desistir de lutar contra isso. E, mal ou bem, é tão herdeiro da sigla como o PPD/PSD ou o CDS, que até já foi PP. Mais pragmáticos e corajosos foram Passos e Portas quando avançaram com a coligação PaF (Portugal à Frente), ganhando ao PS de Costa, que só formou, legitimamente, governo através da geringonça. Está-se, porventura, a complicar o que é simples. Ou será que se pretende apagar a memória da dupla Passos/Portas dos tempos da troica? Calhando, é isso mesmo.

3. Voltando às sondagens, é notável a aparente resiliência do Chega. Bem assim como a consistência da Iniciativa Liberal e do Livre, funcionando, respetivamente, como potenciais captadores de votos do PSD e do PS, os quais, em contrapartida, poderão amanhã servir-se deles como muletas governativas. IL e Livre parecem ser percecionados como uma espécie de submarcas para quem não se sente satisfeito com o produto original. Faz sentido. Também acontece na indústria automóvel onde grandes companhias produzem marcas com diferentes imagens para ganhar mercado. E o engraçado é que resulta.

4. Relativamente à constituição das listas, quase todos os partidos ultrapassaram o problema e os pontos críticos. No PSD houve alguns casos de ranger de dentes. Mas, como diz um social-democrata batido, o resultado é sempre neutro, porque quando há um que chora, há outro que ri.

5. Já no PS a coisa fia mais fino, até porque mudam metade dos cabeças de lista. Todavia, tal não impediu que as listas recebessem 92% dos votos favoráveis da comissão política. A não recandidatura de Medina foi falada, mas é menos política do que pessoal e não causa mossa. Ao ex-ministro das contas certas advinham-se-lhe projetos profissionais de topo. José Luís Carneiro, o candidato derrotado por PNS, acabou bem tratado. Ficou com a sua segunda cadeira de sonho alcançável: Braga. A primeira era o Porto, o que era demais. Antes, fez bem em recusar Coimbra. O mais complicado é que, desta vez, Sérgio Sousa Pinto amuou a sério e não alinha na corrida. Rejeitou o generoso quarto lugar que PNS lhe dava em Lisboa. Alegou que se sentia desconfortável e não era estimado. Sabe-se que ficou incomodado com a circunstância de Álvaro Beleza, um médico mediático, segurista de sempre e presidente da Sedes, não ter sido chamado. Passou assim a ser altíssima a probabilidade de Sousa Pinto passar a ser ainda mais vocal na sua tradicional discordância, especialmente evidente na CNN Portugal, onde é um trunfo para captar audiência política.

6. A juntar ao que ficou dito (e que não é pouco), PNS foi buscar para o relevante oitavo lugar em Lisboa uma rapper luso-angolana que não agrada a Luanda. Trata-se de Eva Cruzeiro, dita Eva RapDiva. Mal se soube o nome, apareceram imagens de um improviso em que ela desvalorizava em termos vernáculos e cruéis a resistência da Ucrânia, causando mal-estar. A justificação dada foi desastrada, ao invocar a liberdade criativa num improviso. Para uma ativista com uma suposta alta formação académica é no mínimo pífio invocar o facilitismo típico de cantores populares de feira, imitadores foleiros de Quim Barreiros. Vai ser curioso ver se o alinhamento de Eva com a direção do PS é consistente, ou se há nela qualquer coisa de Joacine. Mesmo assim, é baixa a probabilidade dos episódios pitorescos ocorridos nas listas do PS e noutras terem efetivo efeito no resultado final de cada partido.

7. Mas há, todavia, outros fatores suscetíveis de influenciar a disposição de uns quantos eleitores. Um deles é o reembolso do IRS. Na senda do governo de Costa, o de Montenegro optou por fazer menos retenções. O resultado é que muita gente que tinha estorno vai agora receber menos ou até ter de pagar. Acabou-se uma poupança forçada que podia ser simpática para coisas inadiáveis sem serem de consumo imediato ou supérfluo, como a revisão do carro, pequenas obras ou o pagamento de seguros. Essas decisões governativas foram apresentadas como maior justiça fiscal e forma de evitar que o Estado retivesse o dinheiro de cada um. O argumento é bonito e até piedoso, mas é inexato. Ao disponibilizarem mais umas dezenas de euros à classe média, os ministros das finanças e da economia quiseram aumentar o consumo imediato e aquecer a economia. Pouco do dinheiro a mais terá sido canalizado para poupança. O mais certo é ter ido parar às caixas dos supermercados, das lojas de roupa barata, ajudado umas quantas pastelarias de balcão e o Estado, por via do IVA. É sempre um risco mudar os hábitos adquiridos ao longo de anos, sobretudo quando não há tempo de habituação, como resulta do inesperado calendário político gerado pela queda do governo.

8. Marine Le Pen foi condenada em França a quatro anos de cadeia (dois com prisão domiciliária efetiva), acrescidos de uma multa de cem mil euros e, sobretudo, uma inibição de se candidatar a lugares políticos. Tudo porque o seu partido recebeu dinheiro do parlamento europeu para pagar a consultores que não prestavam serviço efetivo aos eurodeputados. Marine vai recorrer para mudar a sentença que a põe fora da corrida presidencial, onde partiria à frente. Por cá, existe uma situação semelhante de “assessores fantasma” que envolveu pelo menos dois partidos (PSD e BE), embora os outros não devam andar longe dessa prática. A Justiça pegou no caso depois de uma denúncia. Já lá vão uns anos e nunca mais se soube nada do assunto. Nem mesmo se foi arquivado.

Boas sondagens não fazem primaveras políticas


A circunstância de a AD (ou lá o que seja) aparecer em boa posição nesta altura não quer dizer nada.


Nota prévia: As leis da guerra e, desde logo, a ética militar condenam as ações de falsa bandeira para enganar o inimigo, embora se saiba que elas são recorrentes. Na política, há uma excessiva condescendência quanto a práticas similares. Chega-se ao ponto de haver quem seja candidato a cargos relevantíssimos sem o assumir, vestir a farda respetiva e erguer o seu estandarte. Esse, sim, é um verdadeiro problema ético. Outros podem ser ou não. Mas há casos que não oferecem dúvidas a ninguém de boa fé e bem formado.

1. Embora com diferenças que podem ser determinantes na formação de um governo estável, a maioria das sondagens conhecidas aponta para uma vitória da AD. É um dado relevante e indica que os portugueses consideram Luís Montenegro mais capaz do que Pedro Nuno Santos para exercer funções de primeiro-ministro. O estudo da Católica é elucidativo quanto a isso. Mesmo assim, é só uma suposta avaliação de confiabilidade com base em perguntas de algibeira. Para além de ser prejudicado por uma imagem de alguma impulsividade, é natural que PNS esteja ainda a pagar a elevada fatura da governação caótica e de casos de António Costa. Daí que, mesmo uma derrota, desde que escassa, não tenha de implicar instabilidade no PS. Desde logo porque há autárquicas e presidenciais de seguida e porque perder e ganhar deve fazer parte da vida dos políticos. Via-se, por exemplo, com Mário Soares que, passadas horas de uma derrota, já pensava no próximo combate (simbolizado no seu slogan “quanto mais a luta aquece, mais força tem o PS”). Adivinhar é proibido, mas é provável que PNS seja dessa cepa também. Um indício foi a forma como recuperou da saída do governo e mantém um controlo sobre o aparelho do PS. Nos últimos dias verificou-se, entretanto, que as questões ligadas à empresa familiar de Montenegro e à sua ética têm vindo a diluir-se. A própria imprensa começou a remeter o tema para páginas interiores. São boas notícias para a AD, mas o tema vai obviamente voltar em força nos debates, sobretudo no que vai opor Montenegro a Pedro Nuno Santos e naqueles em que Ventura entrar. Já as propostas e os programas dos partidos surgem como adornos porque ninguém os lê e, sobretudo, porque ninguém esclarecido acredita em promessas firmes no estado em que o mundo se encontra, entre os desvarios de Trump, a guerra das tarifas e os conflitos sangrentos que há por todo lado, designadamente na Ucrânia, no Médio Oriente e em África. Encher a boca de promessas a prazo nestes tempos é ridículo. O mais que se pode é definir passos imediatos face a uma conjuntura que muda diariamente.

2. É estranha a insistência do PSD e do CDS em se apresentarem com uma sigla que contenha forçosamente as letras AD, simbolizando a velha Aliança Democrática dos anos 80. O PPM não vai desistir de lutar contra isso. E, mal ou bem, é tão herdeiro da sigla como o PPD/PSD ou o CDS, que até já foi PP. Mais pragmáticos e corajosos foram Passos e Portas quando avançaram com a coligação PaF (Portugal à Frente), ganhando ao PS de Costa, que só formou, legitimamente, governo através da geringonça. Está-se, porventura, a complicar o que é simples. Ou será que se pretende apagar a memória da dupla Passos/Portas dos tempos da troica? Calhando, é isso mesmo.

3. Voltando às sondagens, é notável a aparente resiliência do Chega. Bem assim como a consistência da Iniciativa Liberal e do Livre, funcionando, respetivamente, como potenciais captadores de votos do PSD e do PS, os quais, em contrapartida, poderão amanhã servir-se deles como muletas governativas. IL e Livre parecem ser percecionados como uma espécie de submarcas para quem não se sente satisfeito com o produto original. Faz sentido. Também acontece na indústria automóvel onde grandes companhias produzem marcas com diferentes imagens para ganhar mercado. E o engraçado é que resulta.

4. Relativamente à constituição das listas, quase todos os partidos ultrapassaram o problema e os pontos críticos. No PSD houve alguns casos de ranger de dentes. Mas, como diz um social-democrata batido, o resultado é sempre neutro, porque quando há um que chora, há outro que ri.

5. Já no PS a coisa fia mais fino, até porque mudam metade dos cabeças de lista. Todavia, tal não impediu que as listas recebessem 92% dos votos favoráveis da comissão política. A não recandidatura de Medina foi falada, mas é menos política do que pessoal e não causa mossa. Ao ex-ministro das contas certas advinham-se-lhe projetos profissionais de topo. José Luís Carneiro, o candidato derrotado por PNS, acabou bem tratado. Ficou com a sua segunda cadeira de sonho alcançável: Braga. A primeira era o Porto, o que era demais. Antes, fez bem em recusar Coimbra. O mais complicado é que, desta vez, Sérgio Sousa Pinto amuou a sério e não alinha na corrida. Rejeitou o generoso quarto lugar que PNS lhe dava em Lisboa. Alegou que se sentia desconfortável e não era estimado. Sabe-se que ficou incomodado com a circunstância de Álvaro Beleza, um médico mediático, segurista de sempre e presidente da Sedes, não ter sido chamado. Passou assim a ser altíssima a probabilidade de Sousa Pinto passar a ser ainda mais vocal na sua tradicional discordância, especialmente evidente na CNN Portugal, onde é um trunfo para captar audiência política.

6. A juntar ao que ficou dito (e que não é pouco), PNS foi buscar para o relevante oitavo lugar em Lisboa uma rapper luso-angolana que não agrada a Luanda. Trata-se de Eva Cruzeiro, dita Eva RapDiva. Mal se soube o nome, apareceram imagens de um improviso em que ela desvalorizava em termos vernáculos e cruéis a resistência da Ucrânia, causando mal-estar. A justificação dada foi desastrada, ao invocar a liberdade criativa num improviso. Para uma ativista com uma suposta alta formação académica é no mínimo pífio invocar o facilitismo típico de cantores populares de feira, imitadores foleiros de Quim Barreiros. Vai ser curioso ver se o alinhamento de Eva com a direção do PS é consistente, ou se há nela qualquer coisa de Joacine. Mesmo assim, é baixa a probabilidade dos episódios pitorescos ocorridos nas listas do PS e noutras terem efetivo efeito no resultado final de cada partido.

7. Mas há, todavia, outros fatores suscetíveis de influenciar a disposição de uns quantos eleitores. Um deles é o reembolso do IRS. Na senda do governo de Costa, o de Montenegro optou por fazer menos retenções. O resultado é que muita gente que tinha estorno vai agora receber menos ou até ter de pagar. Acabou-se uma poupança forçada que podia ser simpática para coisas inadiáveis sem serem de consumo imediato ou supérfluo, como a revisão do carro, pequenas obras ou o pagamento de seguros. Essas decisões governativas foram apresentadas como maior justiça fiscal e forma de evitar que o Estado retivesse o dinheiro de cada um. O argumento é bonito e até piedoso, mas é inexato. Ao disponibilizarem mais umas dezenas de euros à classe média, os ministros das finanças e da economia quiseram aumentar o consumo imediato e aquecer a economia. Pouco do dinheiro a mais terá sido canalizado para poupança. O mais certo é ter ido parar às caixas dos supermercados, das lojas de roupa barata, ajudado umas quantas pastelarias de balcão e o Estado, por via do IVA. É sempre um risco mudar os hábitos adquiridos ao longo de anos, sobretudo quando não há tempo de habituação, como resulta do inesperado calendário político gerado pela queda do governo.

8. Marine Le Pen foi condenada em França a quatro anos de cadeia (dois com prisão domiciliária efetiva), acrescidos de uma multa de cem mil euros e, sobretudo, uma inibição de se candidatar a lugares políticos. Tudo porque o seu partido recebeu dinheiro do parlamento europeu para pagar a consultores que não prestavam serviço efetivo aos eurodeputados. Marine vai recorrer para mudar a sentença que a põe fora da corrida presidencial, onde partiria à frente. Por cá, existe uma situação semelhante de “assessores fantasma” que envolveu pelo menos dois partidos (PSD e BE), embora os outros não devam andar longe dessa prática. A Justiça pegou no caso depois de uma denúncia. Já lá vão uns anos e nunca mais se soube nada do assunto. Nem mesmo se foi arquivado.