A política romena está a ferro e fogo. Em dezembro, Calin Georgescu venceu a primeira volta das eleições presidenciais contra todas as previsões. Porém, o Tribunal Constitucional anulou o sufrágio com base em alegações de influência russa. Foram agendadas novas eleições para o início de maio e Georgescu estava disposto a submeter-se de novo ao escrutínio popular. Mas a Autoridade Eleitoral Permanente impediu o político de se candidatar. Entre protestos e acusações de atropelo democrático, a direita romena uniu-se no apoio a George Simion, líder do partido conservador AUR. Neste momento, a exatamente um mês da primeira volta, o substituto de Georgescu lidera as sondagens. Em entrevista ao Nascer do SOL, Simion abordou a conjuntura política romena e europeia, explicou a sua orientação ideológica e apresentou a sua visão para o país.
Como lhe parece que os cidadãos romenos estão a reagir após os episódios que ocorreram desde a anulação da primeira volta das eleições presidenciais?
O que estamos a testemunhar em todo o país não é resignação – é um despertar. Os romenos estão a prestar atenção de uma forma que não se via há décadas. O cancelamento das eleições e a proibição de um dos principais candidatos abalou as pessoas. Mas também lhes recordou que o poder ainda tenta atuar à porta fechada. E os romenos estão fartos. Podemos senti-lo em cada mercado, em cada fábrica, em cada praça de aldeia – as pessoas estão prontas para recuperar a sua voz. O apoio ao nosso movimento não está apenas a crescer, está a galvanizar-se. É uma resposta a anos de injustiça e manipulação, e os episódios recentes apenas confirmaram para muitos que a mudança não é apenas necessária – é urgente.
Presumo que não esteja satisfeito com o silêncio da UE relativamente à anulação e exclusão do Sr. Georgescu. Mas acredita que se Bruxelas tivesse usado a sua influência diplomática as decisões tomadas pelo Tribunal Constitucional e pelo Gabinete Eleitoral poderiam ter sido diferentes?
É difícil não ficar desiludido com o silêncio de Bruxelas. A UE foi construída com base na promessa de valores democráticos partilhados e, no entanto, quando um dos seus Estados-membros atravessa uma crise democrática tão flagrante, a resposta é um silêncio ensurdecedor. A influência diplomática poderia ter feito a diferença? É possível. No mínimo, uma mensagem forte e clara da UE teria mostrado que os princípios democráticos ainda são importantes. Em vez disso, o silêncio deu uma sensação de aprovação implícita a ações que minam os próprios fundamentos da legitimidade eleitoral.
Acha que as decisões tomadas pelas autoridades romenas foram aprovadas, a priori, pela UE ou a UE simplesmente fechou os olhos devido às opiniões de Georgescu sobre a NATO, a Rússia e a própria União?
Esta é a questão que está na mente de muitas pessoas. Terá havido coordenação ou apenas um silêncio conveniente? Não vou especular sem provas, mas é evidente que as opiniões de Georgescu o tornaram uma figura difícil para certos interesses em Bruxelas. Quer se trate de encorajamento ativo ou de tolerância passiva, o resultado final é o mesmo – um processo eleitoral marcado pela manipulação. E isso abre um precedente perigoso, não apenas para a Roménia, mas para toda a União Europeia. Não se pode afirmar que se defende a democracia na Ucrânia e, ao mesmo tempo, olhar para o outro lado quando ela é desmantelada num Estado-membro.
E teme que, em caso de vitória – e neste momento lidera as sondagens para a primeira volta –, a eleição possa ser novamente anulada?
Seríamos ingénuos se não considerássemos esse risco. A primeira anulação mostrou-nos que nenhuma linha é sagrada para aqueles que estão desesperados por manter o controlo. Por isso, sim, estou preocupado. Foi precisamente por isso que pedi publicamente que observadores internacionais neutros acompanhassem a votação do princípio ao fim. Há forças enraizadas no sistema – profundamente enraizadas, bem financiadas e com medo de perder o poder. Mas também há milhões de romenos que querem que a sua voz conte. E nós estamos determinados a garantir que essa voz seja protegida.
Como é que os atores da direita romena, chegaram à conclusão de que a sua candidatura seria a mais suscetível de igualar o sucesso de Georgescu?
Não se tratava de ego ou ambição, mas sim de dinâmica e responsabilidade. A realidade é que eu tenho estado no terreno, a construir este movimento a partir das bases, muito antes de estes acontecimentos se desenrolarem. Quando Călin Georgescu foi retirado da corrida, os nossos apoiantes – muitos dos quais também o tinham apoiado – procuraram alguém que pudesse levar a mesma mensagem para a frente, mas que também tivesse a infraestrutura nacional e a experiência para ganhar. Esse fardo recaiu sobre mim, e eu aceitei-o porque este momento é maior do que qualquer pessoa. Trata-se de garantir a legitimidade democrática e de oferecer aos romenos uma verdadeira alternativa.
Tem havido muito debate sobre o seu pensamento político. Pode clarificá-lo? Onde é que se encaixa?
Sou um conservador. Acredito na soberania nacional, na família, nos valores tradicionais, na justiça económica e na responsabilidade democrática. Mas mais do que na ideologia, acredito nos resultados. Não estou interessado em rótulos concebidos para silenciar o debate – estou interessado em resultados que sirvam o povo romeno. Sim, a integração da Roménia na União Europeia trouxe progressos e oportunidades inegáveis: das infra-estruturas à mobilidade, do acesso aos mercados a um maior alcance diplomático. Mas sejamos honestos: esses benefícios foram sempre mútuos. A Roménia contribuiu imensamente para a UE, quer através da sua mão de obra qualificada, da sua posição estratégica ou do seu potencial agrícola e industrial. O que eu não acredito é num sistema que vende os recursos do país, marginaliza os seus trabalhadores e depois diz que são extremistas por exigirem melhor. As nossas políticas são patrióticas, sim, mas nunca isolacionistas, nunca regressivas. Queremos uma Roménia forte dentro de uma Europa forte, mas em pé de igualdade – a nossa voz ouvida, a nossa dignidade respeitada e os nossos interesses defendidos.
Existe um movimento político de direita quem tem vindo a crescer em todo o mundo e que foi reforçado pela eleição de Donald Trump. Mas esta “internacional conservadora” tem clivagens claras, mesmo dentro da UE. Por exemplo, o seu partido no ECR, mas alguns dos antigos membros da sua família europeia emigraram para os Patriotas. É possível ultrapassar, de forma suave, estas clivagens?
Os conservadores não são monolíticos. Haverá sempre diferenças entre partidos e líderes, especialmente num continente tão diverso como o europeu. O que importa é se conseguimos unir-nos em torno de princípios fundamentais: soberania nacional, integridade democrática e proteção do nosso património cultural. Seja no ECR ou noutro lugar, acredito que é possível – e necessário – construir pontes. Os nossos cidadãos não querem saber de rótulos. Preocupam-se com resultados. Precisamos de coligações pragmáticas que respeitem a identidade nacional, mas que estejam prontas a cooperar quando os interesses se alinham.
Para além do que já disse, qual é a sua posição geral sobre a UE? Considera que continua a ser importante para a Europa, no geral, e para o seu país, em particular, ou acha que está a tornar-se demasiado grande?
A UE foi uma ideia nobre, mas, na prática, está a afastar-se dos seus valores fundadores. Com demasiada frequência, atua como um império e não como uma união. Isso não significa que a Roménia deva sair, mas significa que temos de redefinir o nosso papel. Não somos um membro de segunda linha. Temos valor, temos direitos e temos de negociar a partir de um lugar de força, não de submissão. A Europa é importante mas só se respeitar a voz de cada nação que a compõe. No momento em que deixar de o fazer, arrisca-se a perder legitimidade aos olhos dos seus cidadãos.
E, na eventualidade de se tornar presidente, tornar-se-á uma espécie de enfant terrible como Viktor Orbán?
Não estou interessado em imitar ninguém, muito menos os estereótipos. A Roménia tem a sua própria história, o seu próprio povo, os seus próprios interesses estratégicos. Se defendê-los faz de mim uma voz difícil em Bruxelas, então que assim seja. Mas acredito que, com uma diplomacia forte e baseada em princípios, podemos ser respeitados e assertivos. O meu trabalho não é agradar aos burocratas em Bruxelas, é proteger o povo romeno. Se tiver de incomodar alguém para o fazer, fá-lo-ei.
Pode clarificar qual é a sua posição sobre a NATO, especificamente no contexto atual do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
A Roménia é um membro empenhado da NATO. Isso não vai mudar. A nossa segurança depende das nossas alianças estratégicas. Mas pertencer à NATO não significa que tenhamos de a seguir cegamente. Estamos na linha da frente desta guerra e temos a responsabilidade de falar claramente: a Roménia quer a paz. Apoiámos a Ucrânia com ajuda humanitária e abrigo desde o primeiro dia. Mas uma escalada sem fim não é uma estratégia. A diplomacia tem de voltar à ordem do dia. A nossa segurança reside no desanuviamento, na cooperação regional e numa defesa nacional forte, não em tornarmo-nos um peão no tabuleiro de xadrez de outrem.
Lidera as sondagens, mas os cenários possíveis para a segunda volta apontam para o facto de poder ser derrotado por uma candidatura centrista e pró-UE. Presumo que se esteja a preparar para esse cenário. Como?
Estamos a preparar-nos fazendo o que sempre fizemos: ir diretamente às pessoas. Não temos a máquina mediática, os patrocinadores corporativos, nem o apoio da velha elite. Mas temos algo muito mais poderoso: a confiança dos romenos comuns. E essa confiança cresce sempre que aparecemos, falamos honestamente e lutamos por eles. Isto não é apenas uma teoria, já foi provado. O AUR foi eleito o segundo maior partido no Parlamento, apesar de ter sido subestimado e ignorado pelo establishment. Isso não aconteceu por acaso. Aconteceu porque as pessoas estão cansadas de serem enganadas, ignoradas e manipuladas. A segunda volta não vai ser sobre esquerda vs. direita – vai ser sobre as pessoas vs. o sistema. E se transmitirmos essa mensagem de forma clara e consistente, venceremos. E mesmo que não ganhemos desta vez, o país já mudou. A velha classe política já não pode fingir que fala por toda a gente. A mudança está a acontecer e não pode ser revertida.
Por fim, o que pode o povo romeno esperar da sua eventual presidência?
Uma rutura com o business as usual. Uma presidência que sirva o povo e não a classe política. As minhas prioridades serão a soberania nacional, a justiça económica, a independência energética, a reforma institucional e o restabelecimento da dignidade da vida pública. Deixaremos de vender os nossos recursos, de ignorar os nossos agricultores, de exportar a nossa juventude. Vamos reconstruir este país a partir de dentro. Com orgulho, com transparência e com o povo no centro de todas as decisões. Há demasiado tempo que nos dizem que nada pode mudar. Mas o povo mostrou o contrário. Agora é altura de terminar o trabalho.