Está em Bruxelas de olhos postos no desfecho da crise política que se vive em Portugal e considera que a partir de 19 de maio PS e PSD têm de abrir linhas de diálogo para garantir estabilidade ao país.
O senhor foi a primeira pessoa a dizer que se o Governo não apresentasse uma moção de confiança, o PS deveria apresentar uma moção de censura. Esta era uma crise inevitável?
Eu penso que era mesmo uma crise inevitável. Por isto, a partir do momento em que o Governo anunciou a intenção de apresentar a moção de confiança, se não houvesse da parte das oposições uma alteração radical do seu comportamento enquanto oposições, na forma como estavam a abordar as questões ligadas ao primeiro-ministro, pareceu me evidente nesse dia que o Governo queria, de facto, uma moção de confiança ou queria que algum partido apresentasse uma moção de censura e que ela fosse aprovada. E, portanto, criou aqui uma crise política agora eu, como tenho dito, não demonizo, não desvalorizo, não considero necessariamente negativo o recurso a eleições antecipadas. E concordo com a decisão do Presidente da República de convocar eleições porque estávamos a atingir uma situação de impasse: Eu pergunto, se não tivesse ocorrido esta crise, se não houvesse eleições com que espírito é que seria possível, se nada se alterasse, por exemplo negociar o Orçamento de Estado no próximo ano? Negociar fosse o que fosse entre os dois maiores partidos políticos portugueses?
As sondagens dizem-nos que os portugueses não só não queriam estas eleições como não compreendem muito bem porque é que vão ter de ir às urnas outra vez. Estes dados não alteram a leitura que os políticos fizeram daquilo que se estava a passar?
Não, é evidente que as pessoas confrontadas com uma crise relativamente inesperada e ao verem acabar uma legislatura que se iniciou há pouco mais de um ano, tendem sempre a considerar que esta situação poderia ter sido evitada e encontrar uma solução melhor. Eu, francamente, não encontrava, no contexto em que nos encontramos, uma solução melhor do que uma clarificação através de eleições. Nós tivemos, nas últimas décadas, nos últimos 20 anos, um período de grande polarização política, que assenta sobretudo numa tensão excessiva na relação entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista. Isto vem de há uns anos, vem talvez da fase final do período em que Sócrates foi primeiro-ministro, essa é uma fase em que já há claramente uma clivagem muito grande. Acentua-se fortemente com o Governo de Passos Coelho e aumenta ainda mais aquando da constituição da geringonça. Prolongou-se no tempo e, de certa maneira, ainda estamos dominados por esse ciclo político, que é um ciclo marcado por um afrontamento extremo entre os dois grandes partidos de centro-esquerda e de centro-direita. Ao contrário do que tinha sucedido em períodos anteriores, em que, malgrado haver divergências claras entre os dois partidos, isso não foi impeditivo de que, em conjunto, promovessem grande reformas no país. Ora, eu creio que a primeira legislatura pós-período de governação do Partido Socialista ainda está muito marcado por isso. E nesse sentido, as eleições inauguram uma nova fase na vida política portuguesa, uma fase menos crispada, uma fase em que seja possível, naturalmente, perceber o confronto entre o poder e a oposição, que é essencial à vida democrática, mas, ao mesmo tempo em que seja possível manter um clima de diálogo sem o qual os ciclos políticos tenderão a ser muito reduzidos.
Mas é um risco credível, a acreditar naquilo que temos visto nas sondagens e que demonstram que nada vai ficar muito diferente?
Mas eu acho que vai ficar. Mesmo que os resultados fossem exatamente os mesmos, imaginemos por hipótese absurda que a Assembleia da República era uma cópia da atual, apesar de tudo, o contexto seria diferente, porque já teríamos passado por esse momento eleitoral e eu creio que todos os partidos políticos e todos os responsáveis políticos terão de perceber, no dia 19 de maio, a importância de estabelecerem alguns entendimentos entre si.
Acha que há hipótese de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos se poderem entender de uma forma diferente?
Digamos que eu, nestas coisas, nunca personalizo, porque acho que isso é a pior forma de abordar…
A questão da relação pessoal é importante…
Sim, com certeza, mas não pessoalizo até porque as pessoas, de acordo com as circunstâncias, às vezes transcendem-se a si próprias e alteram os seus comportamentos, e estão disponíveis para coisas que anteriormente não estavam. Abstraindo completamente as personalidades que neste momento desempenham essas funções, os dois grandes partidos estruturantes da democracia portuguesa, têm de ter um relacionamento diferente entre si.
Só que, entretanto, as coisas foram mudando também no panorama político nacional e hoje em dia, independentemente do resultado, há uma coisa que parece certa que é uma maioria à direita no Parlamento. Nesse cenário, e contando com o Chega para essa equação, acha que ainda há muitas condições para se manterem as linhas vermelhas?
Espero que sim e espero que seja possível fazê-lo, porque neste momento a maior ameaça, tal como noutras circunstâncias históricas, a extrema-esquerda constituiu uma ameaça grave para as democracias ocidentais, agora é a extrema-direita que volta a constituir, como constituiu no período entre as duas guerras, a grande ameaça às democracias ocidentais.
E em nome dessa exclusão, faria sentido para si a constituição de um bloco central?
Eu acho que o bloco Central é uma solução limite em circunstâncias excecionais, porque pode ter um efeito pernicioso, ou tornar menos percetível a distinção entre poder e oposição, ou melhor, destruir até essa relação poder/oposição.
O Dr. Marques Mendes, candidato presidencial, fez uma proposta que, no fundo, se resumia a que os dois partidos fizessem um acordo de não apresentarem moções de confiança, nem moções de censura e comprometerem-se a negociar os orçamentos. Acha que esse era um caminho possível?
Parece um caminho que tem de ser equacionado. O que é certo é que o quadro político parlamentar, se permanecer mais ou menos idêntico, ganhe quem ganhar as próximas eleições, é evidente que temos de encontrar fórmulas inovadoras para garantir a estabilidade política e para garantir condições de governação do país.
Seria aceitável, do ponto de vista do nosso sistema constitucional que viesse a surgir uma outra liderança dentro do PSD para assumir o Governo – Luís Montenegro já disse que não estaria disponível, que o não é não -, que, no fundo, pegasse nestes resultados eleitorais e fizesse essa coligação. Acha que isso poderia ser aceitável pelo Presidente da República?
Essa solução careceria de legitimidade moral. Eu, aliás, estou à vontade para dizer isso, porque há quem diga que quando o PS foi a correr fazer um acordo com os partidos à sua esquerda, sem que tivesse previamente informado o país cometeu um gravíssimo erro no plano moral. E a minha grande divergência na altura da constituição da geringonça foi essa. Foi mais uma divergência, antes de tudo, no plano moral. Entendia que esta linha tinha legitimidade constitucional, mas não tinha a legitimidade moral, que tinha escassa legitimidade política para fazer aquele acordo naquele momento. Porque, na verdade, não é um contrato político que é estabelecido com o país. Não incluía, no meu ponto de vista, a possibilidade de opção por uma solução governativa daquela natureza. E tal como há uns anos me opus veementemente dentro do meu próprio partido a uma solução dessa natureza, também agora entendo que o Partido Social Democrata, depois de aparecer em eleições a dizer que em nenhuma circunstância fará um entendimento com o Chega, depois vir a fazer seja com quem for, enferma de uma gravíssima falta de legitimidade no plano moral.
O Partido Socialista fechou o processo de elaboração das listas às próximas eleições, como é que comenta as saídas de Fernando Medina e de Sérgio Sousa Pinto?
Lamento a saída do Fernando Medina, porque é uma das grandes figuras do Partido Socialista e com quem o Partido Socialista terá de contar no futuro. Sai por decisão própria, mas faz falta no Parlamento e faz falta na vida política mais ativa. Como amigo de Sérgio Sousa Pinto respeito a decisão que muito me penaliza. Não creio que os motivos tenham que ver com uma específica divergência com a presente direção do partido. Terá que ver com um mal estar mais profundo, com a própria natureza da vida político-partidária contemporânea.
Pedro Nuno Santos, da última vez, teve muito pouco tempo para se rodear daqueles que são os seus mais próximos. Acha que é tempo de renovar a bancada socialista mais à imagem do atual líder?
A renovação faz-se tranquilamente, mas nunca se fará, prescindindo de rostos que são fundamentais na identidade do atual PS e do PS do futuro próximo. Para além dos casos de Fernando Medina e Sérgio Sousa Pinto, as outras pessoas permanecem. Os outros nomes que estiveram nas listas nos últimos anos continuam. Há aqui uma evolução, naturalmente, que haverá uma ou outra figura mais próxima do líder que tenderá a emergir, todos os líderes trazem consigo essas figuras e há que respeitar. E isso é próprio do processo político democrático. Mas há um conjunto de personalidades que vão continuar.
E se Pedro Nuno Santos voltar a perder umas legislativas um ano depois, tem condições para continuar, para se manter à frente do partido, ou será um líder a prazo?
Tem. Primeiro nós não podemos estar a mudar de líder em função dos resultados eleitorais. Podemos olhar para vários países em que os vários líderes perderam várias eleições. É preciso avaliar o porquê dos resultados, as razões para os resultados não serem aqueles que almejamos. Perder eleições não significa automaticamente que alguém deva abandonar a liderança, isso acho que é um mau método, que utilizamos exageradamente em Portugal e que também contribui para desestabilizar excessivamente a vida política partidária. É evidente também que em cada congresso, temos de avaliar quem é a pessoa que está em melhores condições para dirigir o partido. Não há lideranças eternas, mas também nenhum líder se pode considerar um líder a prazo, nem se pode perceber a ele próprio como líder a prazo, porque isso enfraquece-o internamente e na disputa política em geral, enfraquece na sua capacidade de afirmação de um projeto político.
Do que conhece do Partido Socialista, não acha que será assim que ele passará a ser olhado?
Não, não necessariamente, tudo depende dos resultados e depende muito da forma como toda a vida política evolui. Eu espero que o PS ganhe as eleições, nem quero estar aqui a cenarizar um quadro em que o PS perca as eleições. Mas do meu ponto de vista, o que nós temos de perceber é que precisamos de líderes políticos fortes, de líderes políticos que se instalem com algum tempo na liderança dos partidos, que não tenham a sensação de estar permanentemente a prazo, e de estarem a ser objeto de um juízo quotidiano, e de estarem a correr o risco permanente de saírem no dia seguinte. Porque isso é a receita para termos líderes fracos. Fracos no sentido de não conseguirem impor aos seus próprios partidos determinadas decisões menos populares, de conseguirem estabelecer acordos com os seus adversários, que não são momentaneamente compreendidos e aclamados pelas bases partidárias. Só líderes fortes é que podem, de facto, assumir plenamente essas atitudes mais arriscadas e mais difíceis que são necessárias para um país. E nesse sentido julgo que nós não devemos cultivar a ideia de líderes a prazo, de líderes que estão permanentemente a ser julgados e avaliados. O líder deve cumprir o seu mandato e, no próximo Congresso, os militantes que estiverem eventualmente descontentes terão oportunidade de apresentar a sua alternativa.
Mas a verdade é que o PS não estava ainda preparado para ir a votos?
O partido tem de estar permanentemente preparado para ir a eleições. Não há líderes estagiários, nem no poder, nem na oposição. Não há líderes em situações de estágio a prepararem-se para um dia mais tarde chegar a eleições. Quando alguém se candidata a líder de um partido, sabe em absoluto que tem de estar preparado para no dia seguinte ser primeiro-ministro de Portugal, como é o caso do Partido Socialista ou o caso do PSD. Qualquer líder do PSD ou do PS, no momento em que é eleito líder, no dia seguinte pode ser primeiro-ministro. Porque pode haver uma crise, pode haver seja o que for que leva a isso. Portanto, não há líderes em situação de estágio.
Mas havia um calendário estabelecido pelo Pedro Nuno Santos, que era começar por estes dias uns Estados Gerais, para fazer um programa daqui a um ano?
Estando na oposição, o Partido Socialista tinha o dever de fazer isso como qualquer partido. Agora, isso não significa que o Partido Socialista estivesse agora aqui, numa espécie de período em que tínhamos um líder em estágio e nós também estávamos numa espécie de formação profissional ou de formação universitária, tendo em vista a obtenção de conhecimentos para mais tarde serem utilizados num momento posterior para exercer funções governativas. Isso não existe. Os partidos têm de estar permanentemente preparados para exercer o poder. O líder de um grande partido como o Partido Socialista tem de estar permanentemente preparado para assumir as mais altas funções políticas no país. Não advogo nada a tese de que o PS não estava preparado. O PS estava e está preparado para assumir o poder imediatamente em Portugal. Como o PSD também estava, como se sabe. A tendência no nosso país é para dizermos isso em relação a todos os líderes da oposição. Nunca vi nenhum líder de oposição muito popular no nosso país, mesmo aqueles que depois se revelaram rapidamente muito populares como primeiros-ministros. Até ao dia anterior a serem primeiro-ministro, eram impopulares e eram vistos como líderes a prazo e eram contestados. Isso não me incomoda muito, o que me parece importante dizer é que o Pedro Nuno Santos está preparado para ser primeiro-ministro. Não tenho a mais pequena dúvida sobre isso.
Acha que a defesa deve ser um tema obrigatório nesta campanha eleitoral? O investimento na defesa?
Hoje, é um tema central no debate político europeu e uma vez que estamos a disputar eleições, seria interessante que esse tema fosse abordado. Mas temo que este venha a ser um tema menor. Como em quase tudo, em quase todos os debates em Portugal, em quase todas as democracias, os temas de política externa e de defesa tendem a ser um pouco desvalorizados. É verdade que estamos numa fase diferente e se as pessoas estão mais atentas a isso é possível que haja mais predisposição para ter esses assuntos.
A questão é que é uma inevitabilidade que venha a haver maior investimento na defesa e onde é que se vai buscar os recursos para isso?
Esse é um tema que só pode ser tratado a nível europeu. Nós só conseguiremos encontrar uma resposta adequada não apenas para financiar as políticas de defesa, mas para termos uma verdadeira política de defesa adequada às nossas necessidades, se o fizermos a nível europeu. São temas que inevitavelmente constarão dos programas dos partidos e devem ser obviamente objeto de discussão.
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