
Como vê a questão da energia nuclear?
As pessoas têm tendência para ter muito medo do nuclear, mas na realidade não nos podemos esquecer que o nuclear é uma arma de descarbonização maciça porque, em termos de emissões, é a energia que menos emissões tem por quilowatt-hora produzida. Estamos a falar de cinco a seis gramas por quilowatt-hora tendo em conta toda o ciclo de vida do nuclear, desde a prospeção do minério, construção e desmantelamento. Mas as pessoas têm muito medo fruto dos acidentes que houve e daquilo que foi o nascimento bélico do nuclear, no entanto, o tipo de reatores onde esses acidentes aconteceram não refletem aquilo que é o nuclear hoje em dia, a indústria aprendeu muito com os acidentes e tem evoluído no sentido de ser cada vez mais segura. É a forma de energia elétrica que menos mortes tem por energia produzida, no mundo há mais de 440 reatores a operar com grande fiabilidade e estão 80 a 90% do tempo a produzir energia elétrica de forma segura.
Os acidentes que ocorreram provocaram o tal medo?
Antes de Chernobil houve Three Mile Island que não teve nenhuma vítima associada. Mas quando se fala de Chernobil é preciso ter em conta que o seu reator está longe de ser um reator representativo daquilo que são os reatores atuais. Chernobil tinha um reator que podia produzir energia elétrica mas tinha sido criado sobretudo para produzir plutónio para o armamento nuclear, não tinha paredes de contenção e foi mal operado. E apesar do acidente continuou a produzir energia elétrica até ao inicio dos anos 2000 e o que aconteceu em Chernobil não acontece num reator hoje em dia. Depois também houve Fukushima, mas foi uma situação diferente. A causa do acidente não foi o tremor de terra, todos os reatores no Japão desligaram automaticamente em segurança, tal como estava previsto. O problema foi um tsunami que galgou as paredes de contenção e inundou a cave, onde estavam os geradores auxiliares que mantinham o arrefecimento do reator. Houve um erro de contenção ao colocar o reator junto ao mar, a um nível onde a água podia galgar, ainda que o tsunami que ocorreu estivesse fora de todos os parâmetros expectáveis para a zona. Os reatores começaram a aquecer e o núcleo derreteu e ao derreter houve uma acumulação de hidrogénio, não houve uma explosão nuclear. As pessoas pensam, muitas vezes, que os reatores explodem, mas um reator nuclear não explode, o que aconteceu foram várias explosões de hidrogénio devido à sua acumulação. Chernobil tem hoje em dia um número oficial que é de cerca de quatro mil vítimas associadas e as 576 vítimas associadas a Fukushima foram resultado do processo de evacuação e quando vemos o número de mortes totais do nuclear, tendo em conta toda a energia que é produzida, tem um número de vítimas muito menor do que qualquer outra forma de energia. Por exemplo, as pessoas têm medo do nuclear mas não têm medo de barragens. O maior acidente relacionado com a energia que aconteceu foi numa barragem, na China, onde morreram 200 mil pessoas. Depois já houve na Europa, em Itália, onde morreram cerca de 20 mil pessoas, mas o nuclear mete medo.
Mantém-se a ideia de que é perigoso…
As pessoas têm a perceção de perigo em relação ao nuclear da mesma forma que as pessoas têm a perceção de que é perigoso andar de avião, no entanto, andar de carro é muitíssimo mais perigoso do que andar de avião. E tendo em conta todas as outras formas de produção de energia, o nuclear é seguro. Há um número muito interessante, a Alemanha fechou todas as centrais nucleares, a última foi fechada no ano passado, mas desde 2011, após Fukushima, há artigos que estimam que o número de mortes prematuras adicionais resultantes de substituir o nuclear pelo carvão na Alemanha é na ordem das mil pessoas ano, simplesmente o nuclear mete medo.
Portugal tem resistência em relação ao nuclear…
Primeiro, acho que em Portugal a população não tem receio, não há muitos inquéritos sobre o assunto. O último inquérito foi feito, em 2007, pelo Expresso, que deu como resultado que 55% da população era favorável à energia nuclear, entretanto, nos últimos tempos, tem havido uns inquéritos no X que valem o que valem, mas os números têm sido significativos em torno das pessoas que são a favor do nuclear. Falo com muita gente, vou a muitas escolas e há muitos que concordam que o nuclear é uma opção e que deveríamos, pelo menos, considerar para Portugal essa opção para ver se faz sentido do ponto de vista económico e a pensar no futuro. Os políticos têm algum medo e têm sempre a tendência de dizerem que o nuclear é caro, é lento, sem terem em conta aquilo que são os custos, por exemplo, de embarcar só numa grande penetração das renováveis. Há vários estudos chamados de custos totais de sistema que indicam que quando temos renováveis temos de ter backup e capacidade necessária para quando não há vento e quando não há sol, além disso, as renováveis ocupam mais área e estão espalhadas pelo território. E quando é preciso criar e aumentar a rede elétrica tudo isso tem custos e numa análise de custo total de sistema chega-se à conclusão que o nuclear mais renováveis é mais barato do que a opção exclusiva de renováveis. Por isso, faz sentido equacionar o nuclear, mas não é para hoje. Não vamos ter uma central amanhã a operar, mas se estamos a pensar em atrair indústrias elétrico-intensivas para o nosso país temos de aumentar aquilo que é o consumo de energia e se vamos ter de produzir mais energia elétrica convém pensar qual é o mix adequado, ideal para daqui a 10/15 anos. Essa é uma visão estratégica que é necessária ter e é importante que os políticos também comecem a ver isso, em vez de se refugiarem no argumento de que é caro e de que é lento. Por isso, acho que a população é mais favorável do que a maioria das pessoas pensam e acho que é necessário fazer um inquérito para começar a ver mais seriamente o que é que a população pensa. No ano passado, importámos 20% da nossa eletricidade, mas não importámos só quando há muito sol em Espanha, importámos tendo em conta o mix que havia a Espanha. Isso significa que, ao longo do ano passado, importámos 6 a 10% de energia proveniente do nuclear, ou seja, estamos a consumir energia elétrica proveniente do nuclear. As centrais em Espanha que são cerca de 7,4 gigawatts estão a produzir energia elétrica que nós em Portugal consumimos. A grande questão que também temos de ter em conta é se avançar o encerramento das centrais em Espanha será que Espanha consegue continuar a providenciar este backup que nos tem dado esta importação significativa que temos tido? É uma questão que é importante e temos de pensar para o futuro. Não é para hoje, é aquilo que queremos ser amanhã.
É um investimento a longo prazo…
Diria a médio prazo. Falamos em atrair centros de dados por causa da inteligência artificial, em atrair fábricas de baterias, em produzir hidrogénio verde, em expandir a mobilidade elétrica, em aumentar a bomba de calor em casa, mas tudo isso implica um maior consumo de eletricidade necessário para a descarbonização. No entanto, só conseguiremos se as fontes de produção de energia forem descarbonizadas e aí as renováveis estão ao nível do nuclear e depois se tivermos capacidade para produzir essa quantidade necessária de eletricidade para expandirmos. É preciso salientar que, embora o número seja exagerado, o Plano Nacional de Energia e Clima prevê duplicar o consumo elétrico até 2030, ainda não percebi como é que isto vai ser conseguido.
Como será possível?
Para começar, acho que não vamos duplicar o consumo até 2030, mas mesmo que se assuma que se tenha, pelo menos, um crescimento significativo de 2 a 3% até 2030 vai ter impacto e vamos ter de produzir mais. E não é só em renováveis e a aposta, por exemplo, de eólica offshore também não é claro que seja nem mais barato, nem mais rápido do que o nuclear porque, no caso de Portugal, estamos a falar de offshore flutuante, em que existe alguma experiência, mas é preciso construir toda a cadeia de valor. Ainda agora saiu uma notícia que o leilão de offshore na Dinamarca ficou vazio. É preciso uma discussão mais séria, com mais vontade de discutir os assuntos e, sobretudo, de fazer contas e ver quanto é que custa realmente, mas numa visão integrada. Não é numa visão de que o solar é barato e que toda a gente aceita os painéis solares. E esquecemo-nos de que 70% dos painéis vêm da China, são muito baratos, pondo de lado toda a poluição que é feita para os produzir porque está longe. Também as eólicas que têm vindo a crescer, muitos dos materiais necessários são produzidos na China, sem ter em conta aquilo que é o impacto ambiental. É preciso uma visão mais integrada.
E mais equilibrada para desmistificar os mitos?
É preciso sobretudo combater os mitos. Nada disto se faz sem uma forte consciencialização da população, o chamado contrato social. E isto faz-se estabelecendo um contrato social com a população que compreende o que é que está a ser dado, o porquê e os benefícios. Há, neste momento, países em que os municípios se estão a bater uns com os outros para terem lá centrais nucleares. Na Polónia isso está a acontecer, na Finlândia já aconteceu e na Estónia também. Porquê? Porque ao terem uma central nuclear atrai trabalhadores especializados e estes desenvolvem a região e a economia local. Há países onde os municípios compreendem isto e têm vindo a debater esta questão. Agora é preciso envolver a população, não pode ser como aconteceu no lítio que é imposto à população de repente, sem explicar o porquê e as suas vantagens. É diferente consciencializar a população e conseguir um contrato social do que forçar a população a aceitar.
Lançou um livro para desmistificar o nuclear e fala da fusão nuclear…
A fusão já se fala há 50 anos. O problema é que é um pouco mais complicada de se conseguir. Tem vantagens do ponto de vista ambiental, do ponto de vista de resíduos, pelo menos, de resíduos de baixa duração, em que os resíduos de alta intensidade serão em menor quantidade, mas a fusão sendo complicada ainda tem alguns desafios tecnológicos. Atualmente há muito investimento privado nos Estados Unidos e há muitas startups a nascerem com promessas mirabolantes. Há uma que diz que vai vender eletricidade à Google, em 2028. Há outra que vai produzir reatores de 400 mega watts até meados de 2030. Mas, conhecendo aquilo que são os desafios tecnológicos, não estará disponível já depois de amanhã, nem é provavelmente a energia para a descarbonização. Será a energia para assegurar a manutenção do crescimento do consumo de energia. Há um detalhe que é importante e que as pessoas, às vezes, não têm noção é que 9% da população mundial não tem acesso à eletricidade de forma regular ou até de eletricidade. Vamos ter que criar condições como um todo para que esta população tenha acesso. Os países que estão em desenvolvimento querem mais eletricidade e dificilmente vamos reduzir o seu consumo. Ou seja, mesmo que atinjamos a descarbonização, a manutenção de uma energia descarbonizada vai exigir mais produção de energia e é aí que surge a fusão nuclear. Agora, com tanto dinheiro privado que está a ser posto, com tantas novas ideias e inovação que estão a ser trazidas para cima da mesa, pode ser que haja uma disrupção tecnológica ou, pelo menos, um acelerar de todo este processo. Neste momento, acho que ainda existem desafios tecnológicos significativos. Aliás, estive agora três dias em Granada, onde os vários investigadores do programa europeu de fusão estiveram precisamente a discutir os desafios para fazer uma central elétrica de fusão nuclear e ainda é preciso muito trabalho, investimento e conhecimento para chegarmos lá. Agora não tenho dúvidas que a fusão nuclear seria a solução, mas ainda vamos ter de esperar um bocadinho, a menos que haja uma disrupção tecnológica. As disrupções tecnológicas podem impulsionar, às vezes, mais dinheiro e mais investimento. Por exemplo, a China, neste momento, tem um programa muito agressivo na fusão nuclear e, da mesma forma que a China apareceu esta semana com um modelo de inteligência artificial aparentemente disruptivo pode ser que daqui a uns tempos nos surpreenda também com a fusão nuclear. Mas uma coisa é certa, a física não muda nem na China, nem na Europa e os problemas que ainda têm que enfrentar são semelhantes aos problemas que nós temos de enfrentar e ainda vai ser preciso muito desenvolvimento tecnológico.