O estigma sobre os cursos profissionais levou a que, por muitos anos, se considerasse a existência de um ensino de primeira e de segunda categoria. Ir para um curso profissional ainda é visto como uma opção para os “menos capazes” ou para quem não tem tanto jeito para matemática ou português. Mesmo a nível europeu, num estudo realizado pela Mckinsey, mais de 5200 jovens de 8 países (incluindo Portugal), assumem o preconceito face ao ensino profissional. Em cinco países, os estudantes que concluíram uma licenciatura universitária consideram que a sociedade valoriza mais um curso académico do que o ensino profissional. Ao mesmo tempo acreditam que o ensino profissional teria, provavelmente, sido mais útil para encontrarem um emprego.
Cursos profissionais são só para os ‘menos capacitados’?
De acordo com o PISA 2022, os alunos do Ensino Profissional apresentam maiores quebras no desempenho nos três domínios em avaliação – Leitura, Matemática e Ciências – e têm o estatuto socioeconómico mais baixo. Há ainda uma tendência dos estudantes de famílias com formação mais baixa optarem pelos Cursos Profissionalmente Qualificantes do que os estudantes de famílias com mais formação académica, que procuram mais os Cursos Científico-humanísticos, conclui o estudo do EDULOG.
Este estudo identificou os três tipos de perfis de alunos que frequentam o ensino profissional em Portugal: o perfil dominante são estudantes com historial de baixo desempenho académico; mas há também alunos com um histórico de bom desempenho escolar e motivados pelo “ensino aplicado, a aprendizagem de uma profissão e a perspetiva de empregabilidade”; e os que não pretendem ou ponderam entrar no mercado de trabalho, mas sim prosseguir estudos no ensino superior.
Ainda assim, estes indicativos não chegam para traçar um quadro de ‘menorização’ do ensino profissional em relação ao ensino regular, garante Pedro Major, diretor executivo da Insignare, entidade que detém a Escola Profissional de Ourém e a Escola de Hotelaria de Fátima. “Os cursos profissionais são uma excelente oportunidade de formação prática e não se limitam a ser apenas para aqueles com dificuldades em Matemática ou Português”, defende. E acrescenta: “Estes cursos foram desenhados para preparar os jovens para o mercado de trabalho, dotando-os de competências técnicas necessárias para o desempenho de uma profissão. Além disso, oferecem também uma formação em disciplinas teóricas, mas com um enfoque aplicado e prático, o que pode ser mais adequado ao perfil de muitos alunos.”
Cursos profissionais: 51% arranjam emprego em 14 meses
Outro dos preconceitos que existe relativamente ao ensino profissional é o de que as empresas desvalorizam quem vem de cursos profissionais, principalmente com uma procura crescente por quadros qualificados. “Em determinados setores de atividade, os cursos profissionais são muito mais valorizados, enquanto em outros, as empresas podem preferir candidatos com uma formação mais académica”. admite Pedro Major. “À medida que o mercado de trabalho evolui e a procura por competências específicas aumenta, os cursos profissionais têm sido a escolha das empresas. Todos os dias assistimos, na comunicação social, a empresários a afirmar que o país tem falta de quadros intermédios especializados”.
A verdade é que os dados têm apontado nesse sentido. De acordo com o estudo “Guia sobre o Ensino Profissional: uma escolha com futuro”, da Fundação José Neves, um aluno do Ensino Secundário Profissional tem maior facilidade em entrar no mercado de trabalho do que um aluno dos Cursos Científico-humanísticos. Mais de metade (51%) dos que optam por cursos profissionais conseguem emprego 14 meses após concluir o curso e 1 em cada 5 desses jovens obtém emprego na empresa onde estagiou.
Este dado reflete a importância do plano curricular típico dos cursos profissionalizantes, mais focado na prática e na formação em Contexto de Trabalho, já que a maioria dos cursos inclui estágios obrigatórios nas empresas, geralmente com duração de 600 horas, permitindo que os alunos tenham contacto real com o mercado de trabalho.
O diretor da Insignare explica que este é um traço distintivo dos cursos profissionais e que, pelo contrário, “os planos dos Cursos Científico-humanísticos preparam os jovens para o prosseguimento de estudos em detrimento do ingresso no mercado de trabalho”.
Número de alunos no ensino profissional quadruplica em 20 anos
Seja para evitar a matemática e o português ou para dar um salto mais rápido para o mercado de trabalho, a verdade é que o número de alunos a optar pelo ensino profissional em Portugal quadruplicou em duas décadas, segundo os dados do_EDULOG. Se em 1995, entre 449.663 alunos a frequentar o ensino secundário, 26.198 estavam no profissional, em 2016 esse número era significativamente maior (112.395).
Atualmente 45% de estudantes estão no Ensino e Formação Profissional, sendo que Portugal ocupa a 19.ª posição do ranking europeu de países com mais alunos a frequentar esta tipo de ensino, segundo o mesmo estudo. Já no primeiro lugar do ranking está a República Checa com 73%.
Ciências Informáticas são a área com mais diplomados Hoje, com um mundo em constante mudança, o mercado pede cada vez mais profissionais com competências digitais e tecnológicas. Tal como acontece na sociedade em geral, enquanto alguns cursos profissionais estão a acompanhar as tendências, outros estão a ficar para trás.
Pedro Major admite que_“à medida que a tecnologia vai avançando os planos curriculares vão-se tornando ligeiramente desajustados”, mas que cabe a cada escola ultrapassar essa questão “com a introdução de novas matérias/abordagens na lecionação dos cursos”.
Para isso, a Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional, IP (ANQEP) está a proceder à renovação do Catálogo Nacional de Qualificações, com a atualização/revisão da oferta profissionalizante para adaptar os currículos às reais necessidades das empresas.
Prova de que as áreas tecnológicas são cada vez mais relevantes é que quase 30% de diplomados em cursos profissionais estão em áreas ligadas à tecnologia e digitalização.
Segundo a edição de 2024 do relatório “Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal”, as Ciências Informáticas são a área de educação e formação com mais diplomados, cerca de 14,4% do total, em 2021/22. A estes, juntam-se 5,3% de diplomados de cursos de Eletrónica e Automação, e 9,5% de cursos de Audiovisuais e Produção dos Media.
Sobre a oferta de formação prática em áreas emergentes, como inteligência artificial (IA), energias renováveis ou design digital, Pedro Major refere que “a presença nos planos curriculares de cursos profissionais está a aumentar, mas a sua utilização pode variar dependendo da escola e do curso”.
“Qualquer professor/formador sabe que a IA está disponível quer para os docentes/formadores quer para os alunos, pelo que tem de fazer um esforço no sentido de a usar como ferramenta para a lecionação, por forma a conseguir estimular de forma mais assertiva os alunos”, defende.