‘Temos tido a capacidade de fazer, não é só anunciar’

‘Temos tido a capacidade de fazer, não é só anunciar’


O vice-presidente da Câmara de Lisboa, com o pelouro das Finanças, entre outros, defende que estão a ser dados passos importantes na solução dos problemas da habitação e da saúde, e acredita que será possível pôr travão às centenas de lojas de souvenirs.


Estamos na altura do quarto e último Orçamento da Câmara que subiu agora para 1.359 milhões de euros e a vossa aposta passa pelos transportes, habitação e educação…
Em primeiro lugar, todos se lembram da maneira como ganhámos as eleições com uma margem muito pequena e, na altura, antecipava-se um Orçamento de grande instabilidade, com uma capacidade de fazer muito comprometida – que, apesar das dificuldades políticas que tivemos e que são evidentes, os números já indiciam uma capacidade de concretização muito grande. E, ainda sem falar em áreas, temos tido uma média de execução dos orçamentos acima dos 80%, que compara com quase mais 10% relativamente àquilo que é a média dos últimos quatro anos no mandato de Fernando Medina. Conseguimos fazer mais e concretizar mais e isso tem sido acompanhado com um nível de investimento muito grande. Estamos a falar de mais de 456 milhões de euros de investimentos em relação ao mandato anterior. Há quem diga que estamos com mais investimento por causa do PRR, mas se olharmos para o investimento que não tem financiamento europeu estamos a falar de mais de 258 milhões. Temos conseguido fazer a pensar no futuro. Onde é que isso se vê ou quais são as áreas principais? Uma das áreas que faz muita diferença é a habitação. Temos tido a capacidade de fazer, não é só anunciar. Já entregámos mais de 2.130 casas a lisboetas.

Em rendas acessíveis?
Nas rendas acessíveis e também na reabilitação de património devoluto e no património dos bairros municipais. É uma grande obra. Se acrescentarmos o apoio que estamos a dar na renda, estamos a falar de mais de 3.100 famílias que foram apoiadas durante estes anos. O contraste entre a média de entrega de casas com o mandato anterior é absolutamente abissal. Temos, neste momento, cinco mil obras em fogos entre construção nova e reabilitação. E, para o ano, em habitação temos um Orçamento que continua a crescer, estamos a falar de 154 milhões de euros.

Em relação à habitação?
É sem dúvida uma área muito importante, onde temos tido um investimento muito grande. E na mobilidade temos investimentos muito diferentes entre si e todos dirigidos à valorização do transporte público. Toda a gente se lembra da medida dos passes gratuitos, em que houve uma preocupação de trazer mais pessoas para o transporte público. Na altura, o que se temia era ‘vão trazer mais pessoas, mas é preciso melhorar a qualidade da oferta’ e fizemos acompanhar essa medida de um plano de investimento plurianual em renovação e aumento da frota que não tem precedentes na Carris. No agregado até 2026/27 estamos a falar de 220 milhões na frota da Carris. Em 2027, o objetivo da Carris é ter mais de 90% da frota em energias limpas e isso é muito importante. Por exemplo, os Parques Navegante foi um projeto piloto que lançámos este ano e o que fizemos? Havia alguns parques que até tinham níveis de utilização relativamente baixo e procurámos induzir a utilização destes parques estacionamento, dizendo às pessoas que se tivessem um passe navegante e entrassem no sistema de transporte público não pagavam parque.

Em setembro admitiu a possibilidade de passar o Metro para as mãos da Câmara. Como está o processo?
Manifestámos essa intenção ao Governo porque achámos que fazia sentido. O Metro é uma infraestrutura muito importante na mobilidade da cidade e é uma questão eminentemente política. No passado, havia a tradição de a Câmara de Lisboa indicar um membro do conselho de administração, mesmo não executivo, para assegurar uma melhor articulação com a cidade. António Costa interrompeu essa tradição e, na altura, manifestámos esse desagrado e temos a expectativa que possa ser ultrapassado em breve. O próprio conselho de administração do Metro estará nesta fase para reconhecer mudanças e temos a expectativa que, nessa altura, seja reparado, pelo menos, essa falha. O que nos parece muito importante é que haja uma melhor e uma maior articulação entre o Metro e a cidade de Lisboa porque mais de 90% do Metro é na cidade.

Outra aposta do Orçamento é na Educação…
Em 2019 houve a transferência de competências para a câmara e herdámos a responsabilidade de manutenção das escolas e de funcionamento naquilo que não tem de ação educativa. Uma das queixas que temos em relação à transferência de competências é que, muitas vezes, os municípios estão a ficar como tarefeiros, em que têm de tratar dos edifícios, mas não tratam depois das competências respetivas, como acontece, por exemplo, na questão da Saúde. Na Educação ainda aconteceu uma coisa um pouco pior, é que foi prevista a transferência de competências, dizendo que as câmaras ficavam responsáveis pela manutenção do parque escolar, mas dependentes de financiamento por parte do Estado. E isso nunca se assegurou efetivamente, ou seja, diante da cidade, diante da comunidade escolar, as pessoas vão ao Ministério e o Ministério diz: ‘Ah, essa competência está nas câmaras’, e as câmaras dizem: ‘Não está porque ainda não recebemos financiamento, não está assegurado o financiamento’. E o que a lei diz é que, enquanto não houver financiamento, a responsabilidade é do Ministério da Educação. Isto é uma situação muito desconfortável.

E a falta de transferências impossibilita a realização de obras?
Sim, temos em Lisboa muitas escolas a precisarem de obras relevantes que estaríamos disponíveis para desenvolver, mas que, de acordo com a lei, que estabeleceu a transferência das competências, que estava dependente de financiamento que nunca ocorreu.

Não podem contratar professores ou resolver o seu problema de habitação?
Não, porque não são competências próprias da Câmara.

E na Saúde é a mesma história?
Na Saúde éramos praticamente os donos dos prédios, tínhamos que os arranjar, mas nem sequer tínhamos a chave por razões de proteção de dados pessoais e razões legais. Depois da experiência, que achámos que não foi boa, relativamente à transferência de competências na área de Educação, resistimos e não nos comprometemos com a transferência de competências na área da Saúde. Apesar de, na área da Saúde, termos um histórico, já que este Executivo manteve a construção de equipamentos que deveriam ser do Ministério da Saúde, por exemplo, Centros de Saúde. Fizemos vários centros de Saúde, que era uma matéria que devia ser o Governo a fazer, mas como sabíamos que o Governo não fazia e para melhorar as condições dos utilizadores que são lisboetas disponibilizámo-nos a fazer. Por exemplo, na área da Saúde, avançámos com um conjunto de respostas, como é o caso do Plano Saúde 65, e de duas clínicas de proximidade em bairros sociais, que fizemos este ano e vamos fazer mais dois no próximo ano. Temos um protocolo com os Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa que asseguram hoje o rastreio mamário às mulheres com mais amplitude do que o Serviço Nacional de Saúde faz. Estamos a alargar também rastreios para homens, permitindo responder a necessidades muito efetivas da população de Lisboa. Estamos muito mais preocupados em avançar nessa área, sermos parceiros complementares no Serviço Nacional de Saúde, do que estar apenas a tratar dos edifícios, que era o que estava previsto em termos de competências.

E em termos de contratação de médicos?
Para estes contratámos. Fizemos uma parceria com os Serviços Sociais que estão habilitados por lei a contratar médicos e conseguimos por essa via assegurar cuidados médicos. Nestas clínicas de proximidade temos um médico, um enfermeiro e um nutricionista. E a história deste ano mostra-nos que há imensa necessidade, imensa abertura porque face à dificuldade de resposta dos Centros de Saúde, os bairros sociais, onde foram implementadas estas soluções, têm aqui respostas de proximidade, que são complementares. As pessoas têm a oportunidade de ir ao médico, se for necessário vão ao Serviço Social de Saúde porque foi identificada qualquer coisa mais grave, mas há meios complementares de diagnóstico que também estão contratados com os Serviços Sociais. Estamos a dar respostas e ajudar a ultrapassar as lacunas que existem no SNS.

Nunca houve tantas queixas dos lisboetas de que há cada vez mais lixo nas ruas, que há mais baratas e ratos…
A questão da higiene urbana ou do lixo na cidade de Lisboa não é nova. Se recuarmos nos anos do anterior mandato, as queixas e as notícias sobre situações de lixo eram comuns. Não é nova, nem é única de Lisboa.

Há zonas em que é mais visível…
A perceção que temos, de acordo com as equipas do terreno, é que a resposta hoje não é igual em toda a Lisboa. Há zonas que têm mais problemas do que outras.

Essas competências são das Juntas ou da Câmara?
Um dos problemas é esse: há uma grande confusão, há uma grande dificuldade em perceber o que é competência de quem. E, normalmente, isso é um grande pretexto para as coisas não correrem bem, porque a tendência das entidades é atirarem a culpa para o outro e isso contribui para uma desresponsabilização. A recolha do lixo é da responsabilidade da Câmara, mas fizemos um protocolo, um acordo com as juntas, porque as juntas têm a competência de varrer e lavar as ruas e como tinham equipas de varrer fizemos um acordo com as juntas para que sempre que houvesse à volta dos ecopontos lixo, os varredores punham o lixo dentro. A recolha é nossa, mas depois se houver lixo no chão, a competência para pôr o lixo dentro já é da juntas. Ou seja, não é fácil para as pessoas perceberem o que é de uns e o que é de outros. E a verdade é que vemos que em determinadas zonas do território, as coisas correm melhor e não há queixas e a cidade é, em geral, limpa. Mas depois temos situações muito pontuais, onde há efetivamente muitos problemas. Não é por querer fugir à vontade de ter as coisas melhor, mas é curioso ver que nos inquéritos de quem nos visita, uma das razões que distingue Lisboa é ser uma cidade limpa.

Mas nunca se ouviu falar tanto de pragas de baratas e de ratos…
O ouvir falar não tem a ver com dados objetivos. Tem a ver com o facto de falarmos mais ou menos. E não tenho dúvidas que quem teve também responsabilidades no passado, que é o caso do PS, tem tido um grande enfoque nessa questão. Mas nem no tempo do PS as coisas estavam melhores – não há dados que evidenciem que assim seja – e, muitas vezes, procura-se promover um desgaste para que se fale muito. E isso não significa que as coisas necessariamente estejam piores.

O aumento do lixo nas ruas não estará relacionado com a questão de não haver recolha ao domingo?
Em relação à não recolha de lixo ao domingo foi uma situação que herdámos e percebemos junto dos sindicatos que não há abertura para que o domingo seja um dia de recolha de lixo como são os outros. Há alguma recolha, mas muito diminuta face ao volume da cidade. E, muitas vezes, as fotografias que circulam na internet são retiradas ao domingo ou à segunda-feira porque se sabe que são dias que estão mais expostos ao excesso de lixo. Sobre a higiene urbana, o que posso dizer é que o investimento e os orçamentos nesta área têm aumentado substancialmente. Estamos com um Orçamento 65% acima. Portanto, temos orçamentos maiores, estamos a fazer melhor investimento. Neste mandato, contratámos 400 trabalhadores para a higiene urbana. É um número bastante impressionante para a dimensão. É verdade que saíram muitos trabalhadores por reforma, mas mesmo assim o saldo líquido é superior a 160 trabalhadores. Neste momento estamos a preparar um concurso para que ainda este ano entrem mais 100 trabalhadores. Não digo que os problemas estejam todos resolvidos, longe disso.

A questão do domingo está perdida?
Vamos tentar negociar com os sindicatos para criar condições de limpeza na cidade. Percebemos que não temos condições para implementar uma medida dessas, mas isso também tem a ver com condições políticas.
Em relação às fontes de rendimento da Câmara, além das taxas turísticas também o IMI e o IMT têm grande peso…
Quer no IMT, quer no IMI temos as taxas mais baixas e no IMT apresentámos três vezes a proposta na Câmara para que houvesse uma isenção de IMT para os jovens com menos de 35 anos. Infelizmente, essa medida de proposta de isenção não vingou na Câmara e acabou depois por vingar por força da mudança do Governo que implementou essa medida. O IMT e o IMI são a base dos impostos mais relevantes de financiamento da Câmara, mas temos compatibilizado isso sempre com taxas mais baixas, ou seja, já estamos no mínimo que a lei nos permite e até posso dizer que para o ano estamos a prever uma receita muito menor do que aquela que previmos no Orçamento para 2024.

Se o Orçamento for de 1 359 milhões e se estão a prever menos receitas como conseguem o milagre?
Não estamos a prever menos receitas, só no IMT porque há outros impostos. A derrama, por exemplo, foi um imposto que cresceu neste ano e que estamos a prever que continue a crescer. Já o IMI é um imposto com menos variação. A receita do IMI está bastante em linha com os anos anteriores. Um Orçamento numa câmara é feito sempre a partir das receitas. É a previsão de receitas que determina o Orçamento que podemos ter porque, por força de lei, o Orçamento de uma câmara tem de ser de saldo zero. Ou seja, não podemos ter mais despesas do que aquelas que são previstas em termos de receitas.

No caso das taxas turísticas houve críticas por parte do setor por terem aumentado o valor sem terem gasto a verba toda…
Aumentámos a taxa turística porque consideramos que era imprescindível, até para a conciliação da cidade com o turismo. O turismo é uma atividade que sobrecarrega os serviços da cidade, quer do lixo, da manutenção do espaço público, quer do nosso Orçamento da cultura e é justo que os turistas também contribuam para esses gastos que a Câmara tem. As receitas foram todas distribuídas e as despesas ocorreram. A Câmara Municipal fez um estudo antes da taxa turística e o que o estudo dizia é que se tivéssemos uma taxa turística em linha com as despesas que a Câmara tem, decorrentes das visitas, teríamos uma taxa acima dos quatro euros. Os quatro euros não cobrem a totalidade das despesas que o turismo nos exige. Mas deixe-me também dizer que neste Orçamento cumprimos uma promessa eleitoral que foi a redução do IRS. Muitos lisboetas nem sabem isso, mas um lisboeta que paga impostos na cidade de Lisboa paga neste momento menos 4,5%. Se a proposta do Orçamento for aprovada passará a pagar menos 5% do que o município de uma outra cidade.

Tem de trabalhar em Lisboa?
Qualquer residente em Lisboa paga menos 5% de IRS do que um residente num concelho limítrofe da área metropolitana. Nos termos da lei, os municípios portugueses têm o direito de reter 5% do IRS e podem decidir se retém a totalidade dos 5% ou se devolvem uma parte. Há vários municípios que deliberaram, como Lisboa, não são muitos mas há alguns, que deliberaram devolver os 5%. Lisboa, antes de chegarmos ao Executivo, devolvia 2,5% e comprometemo-nos a passar a devolver até aos 5%. Por que fazemos isto? Porque temos um conjunto de medidas para os lisboetas. Primeiro, procuramos contrariar uma tendência que havia nos censos, em que percebíamos que a população de Lisboa estava a diminuir e nos últimos anos está-se a verificar que estamos a crescer. Porquê? Porque apesar do custo da habitação ser muito caro, temos de dotar os lisboetas de outros argumentos para que, na altura de decidir se vivem em Lisboa ou não, entrem em linha de conta com essa decisão. E, por isso, devolvemos o IRS aos lisboetas, damos passes gratuitos às pessoas com mais de 65 anos e aos estudantes, damos a possibilidade de a Gira ser gratuita se tiverem o Passe Navegante. Temos uma preocupação de atribuir um conjunto de benefícios aos lisboetas que, de alguma forma, os façam também ponderar a vantagem de poder viver em Lisboa, apesar dos outros custos que têm em relação a outros municípios.

Em relação ao Mais Habitação houve uma reversão no que diz respeito à atribuição de licenças no alojamento local, mas a Câmara manteve o travão…
O que a câmara sempre disse é que as decisões em matéria económica têm de ser previsíveis e têm de ser planeadas. Não podem ser abruptas e aquilo que sempre sustentámos é que a evolução ou não do alojamento local tinha de entrar em linha de conta com vários critérios, nomeadamente com a pressão turística em determinadas zonas. Não devia ser feita de maneira cega para todo o território de Lisboa, mas tínhamos de introduzir critérios de contenção, sobretudo nos territórios que estavam mais expostos a essa demasiada presença de turistas ou do alojamento local. Esse estudo, julgo que está prestes a ser apresentado e a nossa visão vai muito em linha com isso. Mas reconhecemos que o alojamento local foi uma atividade importante de reabilitação da cidade, foi uma forma de muitas pessoas canalizarem as suas poupanças para terem qualquer rendimento para compensar dificuldades no salário ou na reforma. Alimenta muitas famílias e não podemos ter visões cegas nem radicais, mas estruturadas e ponderadas.
Com a reversão do diploma podia haver uma maior liberalização…
Nunca fomos contra alguma regulação nesta matéria. Daí a dizer que de repente acabam-se os alojamentos locais, quem fez o seu investimento vai deixar de ter, é prejudicado ou é perseguido vai uma grande distância. É preciso reconhecer onde é necessária regulação tem de haver regulação, mas com razoabilidade, protegendo as expectativas de quem já canalizou o seu investimento mas, ao mesmo tempo, não deixando de olhar para a cidade e para a convivência entre moradores, residentes lisboetas e quem nos visita.

A câmara não acha que seja o alojamento local o grande problema da falta de habitação?
O grande boom do alojamento local deu-se no mandato anterior. Quando olhamos para os números vimos que foi até 2020 que o grande boom do alojamento local se deu e deveria ter sido aí que se deveria ter pensado e repensado algumas medidas. Achamos que as medidas são necessárias, alguma contenção, a regulação é boa, mas fazê-lo de uma forma informada e não cega como a oposição quis fazer em Lisboa.

Vemos Veneza e Barcelona, por exemplo, a porem restrições a turistas. Não vos preocupa que seja difícil encontrar um lisboeta? Rui Moreira diz que no Porto há dezenas de lojas de paquistaneses e de indianos…
Agora estamos a falar de estrangeiros e de imigrantes. São coisas, apesar de tudo, bastante diferentes. Podemos falar das duas se quiserem. E as duas representam um desafio grande. As lojas têm a ver com um outro tipo de realidade e têm também a ver com as imigrações que existem hoje no mundo. Também é um fenómeno ligado à globalização da economia e, sobretudo, a economias que estão mais expostas ao envelhecimento. Durante muitos anos ninguém queria ouvir falar do envelhecimento. Havia partidos que estavam sempre a chamar a atenção e mostravam preocupação com a natalidade e com o equilíbrio demográfico. Bem, isso foi completamente ignorado. Agora damo-nos conta que a nossa economia está efetivamente pressionada pela necessidade de mão-de-obra. É um facto. A imigração representa uma forma de contrabalançar esse desequilíbrio em termos demográficos. Mas também é preciso dizer que, no passado recente, Portugal criou uma perceção a nível global de que era fácil entrar no país e era fácil vir para aqui trabalhar. Isso não contribuiu para um certo equilíbrio que é indispensável nas sociedades e assistimos a problemas sociais, económicos, de pobreza, de dignidade. Por exemplo, o crescimento dos sem-abrigo esteve muito associado a isso e à falência do SEF e foram problemas que Carlos Moedas, na altura, com coragem teve a capacidade de denunciar. Na altura, quase que foi apelidado de racista. Agora já vemos António Vitorino a dizer que nem toda a gente que levanta questões relativamente a quem nos procura é racista. Precisamos efetivamente de imigrantes, mas temos de ter condições para os acolher e temos de assegurar condições de dignidade, não é porta aberta, venha quem vier e de qualquer maneira, não pode ser assim. E temos de ter políticas que sejam equilibradas. E nós, na câmara, falamos muito nisso.

Por um lado, conseguiram tirar os sem-abrigo da igreja dos Anjos, por outro lado, foram acusados de os deixar nas ruas detrás. E também são acusados de terem gasto 500 mil euros numa obra para impedir as pessoas de estarem ali…
500 mil euros, meu Deus. É muito curioso ver que algumas áreas suscitam em algumas forças partidárias um nervosismo que fala por si. Em vez de termos forças partidárias empenhadas em retirar as pessoas da rua, cada vez que se procuram tirar pessoas da rua, essas forças partidárias ficam muito nervosas. Parece que querem que as pessoas estejam na rua, defendem que as pessoas têm o direito de estar na rua, mesmo quando esse direito representa um atentado à sua e à nossa dignidade. Vivem nas piores condições. Estávamos a falar de ratos e baratas e nestas situações vimos condições sub-humanas que encontramos na rua, mas há forças partidárias que insistem que devem viver lá. As pessoas foram tiradas dos Anjos porque foi possível encontrar alojamento para essas pessoas e tomara nós termos condições para retirar todas as pessoas sem-abrigo da cidade de Lisboa.

Mas é uma solução temporária…
O alojamento é temporário e resulta da urgência até do ponto de vista da dignidade dessas pessoas. Recordam-se com certeza do problema que tivemos associado a uma comunidade de Timor-Leste que foi vítima de tráfico laboral e criminal e que estavam alojados nalgumas zonas da cidade, como o Martim Moniz e outras, e na altura, encontrou-se juntamente com o Governo e com o IHRU uma solução de emergência. E o que é que a resposta de emergência faz? Depois de ter a legalização das pessoas, saber quem são, quais são as competências, colocá-las no mercado e tentar encontrar trabalho. E aconteceu isso com a comunidade de Timor, por exemplo. Muitas das pessoas que foram identificadas foram trabalhar para outras cidades e algumas até vieram trabalhar para a câmara. E o mesmo aconteceu com estas que foram retiradas aos Anjos. Há uma preocupação que assim que temos um alojamento temporário perceber se há condições para algumas dessas pessoas encontrarem quadros de vida, nomeadamente que passem pelo emprego. E isso está a ser feito e foi feito.

Recuando ao turismo. Vai impor condições aos cruzeiros, nomeadamente ambientais? Por outro lado, em cidades como o Rio de Janeiro há uma coisa chamada tombar. O café Jobi, por exemplo, nunca poderá ser outra coisa que não o Jobim….
Cá temos uma proliferação de lojas de souvenirs de paquistaneses, indianos, que não diferencia em nada a cidade. A câmara não tem hipótese de pôr um limite, por exemplo, de dizer nesta rua não podem haver cinco mercearias, não pode haver quatro lojas de souvenirs?
Custa-me muito dizê-lo, mas a informação que recolhi junto dos serviços e o entendimento da câmara é que não tem, porque a partir do momento em que uma loja está licenciada para o comércio e há um determinado CAE pode ser desenvolvido, ou seja, desde que caiba no âmbito do licenciamento, já que a loja tem um licenciamento do comércio. Não me conformo com esta resposta, acho que todos nós temos de encontrar soluções e a câmara também tem de encontrar soluções para esse problema. Acho que ainda não fomos capazes de o encontrar e não é por falta de empenho. É um desafio novo que temos e que é difícil.

A Câmara quer acabar com o quê?
Com esses exemplos que estão a falar e é o que vejo, por exemplo, na Rua do Ouro, em que há um excesso de lojas de souvenirs que não vão ao encontro daquilo que queremos para uma rua, que seja um cartão de visita, uma rua com produtos portugueses com vária oferta, com lojas que falavam da nossa identidade.

A câmara está a desenvolver um projeto no antigo Jardim do Tabaco mas com aposta na restauração…
A Doca da Marinha está a ser explorada pela ATL e tem desenvolvido um conjunto de oferta a esse nível. Mas sobre o terminal dos cruzeiros há uma coisa que gostava de dizer porque, muitas vezes, ouço falar pessoas ligadas ao Partido Socialista e à oposição a dizer que o Carlos Moedas não faz nada contra o turismo. Realmente se tivermos de pensar numa obra que provavelmente a cidade mais lamenta é o terminal dos cruzeiros. Foi um investimento de grande dimensão e acho extraordinário que as pessoas que estiveram ligadas a esse processo, estiveram ligadas ao encorajamento, para não dizer à promoção desse tipo de turismo, agora virem criticar quem tem de gerir aquilo que eles fizeram e a aposta que fizeram. O terminal de cruzeiros é um desafio, mas é um desafio que não podemos esquecer que foi concessionado, tem contratos, tem expectativas e não podemos de repente começar a história toda do zero. Há aí uma responsabilidade histórica, temos de ver o que é que é possível retirar – também a bem da economia da cidade – do terminal de cruzeiros. Mas é preciso ter a noção que é uma obra recente e que tem um contrato de longa duração para a sua concessão.

Em termos ambientais vão conseguir? Vão pôr mais taxas às pessoas que saem dos cruzeiros?
Neste Executivo finalmente começámos a cobrar as taxas a quem vem de navio de cruzeiro porque até aí não pagava. Mas temos intercedido junto da APL, que é a entidade responsável pela eletrificação dos cruzeiros, e que é uma obra que consideramos essencial, mas é uma obra grande que obriga a uma perfuração de uma parte significativa da cidade. Estamos empenhamos para que se pudesse aproveitar o mais possível a obra do PGBL [Plano Geral de Drenagem de Lisboa]. Em alguns casos, não é possível por causa da eletrificação ser incompatível com a água, por razões que entendemos. É uma obra de que temos recebidas garantias, quer do Governo, quer da APL, que está em curso e vai ser concretizada. Mas não é uma obra da câmara, não temos competência na atividade portuária. Muitas vezes exige-se à câmara várias coisas que não são da sua competência. A cidade de Lisboa tem vários intervenientes com grande impacto. A atividade portuária é tutela da APL. Os comboios são tutela das Infraestruturas de Portugal, estamos com obras na linha de Cascais com grande impacto na cidade. Temos o Metro com grandes obras que não são da responsabilidade da Câmara e que temos de gerir. Mas é preciso perceber que uma cidade como Lisboa tem muitos donos de obra e não apenas o município. E muitas vezes levamos por todos e isso é um pouco injusto.

Carlos Moedas chegou a falar na hipótese de avançar com uma estátua de Vasco Gonçalves. Essa hipótese continua de pé?
Não, acho que não.

E como grande defensor do 25 Novembro pensa fazer uma estátua a Eanes?
O que posso dizer é que Carlos Moedas tem uma estima e uma admiração enorme pelo general Ramalho Eanes, repetidamente tem-no afirmado publicamente. Ainda esta semana estive na sessão do 25 de Novembro e foi muito notório. E aí está a ser porta voz de todos nós. O general Ramalho Eanes, pela importância histórica, pela condução do processo, nesse momento mais crítico, é uma pessoa que merece ter todas as distinções e, portanto, desde logo, as chaves da cidade. Mas acontece uma coisa com o general Ramalho Eanes, é que não é fácil de convencer. Já no ano passado queríamos fazer uma homenagem e não quis. E nós também não o queremos fazer contra a sua vontade.

Mas uma estátua é uma coisa que está em cima da mesa?
Para estar cima da mesa tem de ser uma coisa colocada primeiro, porque não vamos fazer nada contra a sua vontade.

Mas a câmara não tem vontade de fazer uma estátua?
Mas com certeza que em relação ao general Ramalho Eanes todas as homenagens são devidas.

E pode passar por uma estátua?
Eventualmente pode passar por isso.