Governo abana, mas aguenta-se


Há casos que comprometem a imagem do Governo, mas as sondagens são boas.


Nota prévia: Se fosse analisada na perspetiva de uma eleição presidencial direta da Europa, a vitória de Trump sobre Kamala seria curta (52% contra 48%, mais ou menos), apesar da democrata ter perdido 15 milhões de votos relativamente a Biden. Porém, no sistema americano, Trump varreu o país com o seu MAGA, que ultrapassa em substância (por ter ideologia) o regressado Presidente. O MAGA gerou uma resposta da classe média e média baixa ao wokismo universitário elitista, às questões fraturantes e a uma globalização que mina o Ocidente por via da concorrência desleal dos BRICS. Trump aproveitou essa saturação e focou o discurso na economia, na inflação, no custo de vida, no isolacionismo e na imigração, apoiado por redes sociais agressivas. O reeleito Trump é imprevisível. Antecipar comportamentos com base no passado, no que disse ou prometeu é inútil. Tanto pode cumprir, repetir ou fazer o contrário. O sistema de contrapesos internos está fragilizado pela dimensão da vitória, transformando Trump numa espécie de Dono Daquilo Tudo e de parte do mundo. Internacionalmente, é provável que reforce o apoio a Israel face ao Irão e mantenha a defesa de Taiwan frente à China, embora Musk possa matizar essa tendência, dados os seus interesses no país de Xi. Para os europeus é preocupante a hostilidade primária de Trump ao Velho Continente, a aversão pessoal a Zelenski e à causa da Ucrânia, a par de uma dependência de Putin que até parece resultar de chantagem. Com Trump, tudo pode acontecer, do mau ao muito mau. No limite, até se pode dar o milagre das coisas correrem bem.

1. Apesar de incómodos, os dislates da ministra Margarida Blasco não põem em causa de forma substancial a sua ação política. A titular da Administração Interna é inábil a comunicar e nos timings em que o faz. Mas não se pode dizer que seja incompetente a resolver os problemas de fundo. Reconheça-se o esforço, o empenho, o currículo e a civilidade com que trata as pessoas e os assuntos, embora esteja num lugar em que todos os dias algo de grave se passa, impondo reação pública do ministério ou das entidades que tutela. Basta olhar para o passado para verificar que todos os antecessores de Blasco passaram por momentos dramáticos e que não foi por serem bons comunicadores que aguentaram.

2. Bem mais complicada é a situação na área da saúde. A ministra Ana Paula Martins mostra-se incapaz de apresentar as soluções prometidas. Há áreas em que as coisas pioraram ou são maquilhadas por efeitos estatísticos e enigmáticas indicações a respeito de atendimentos que falham. Os casos negativos com grávidas são sistemáticos e o que se passa no INEM é arrasador em dias normais, quanto mais em tempo de greve, mesmo que limitada. É por isso inaceitável saber-se agora que o Governo não antecipou quaisquer medidas cautelares face aos movimentos grevistas de técnicos do instituto que estavam preanunciados. Se há coisa que não pode falhar é o INEM, nem que seja à conta de requisição civil. As falhas decorrentes da greve levaram ao não atendimento de centenas de chamadas e a atrasos que podem ter contribuído para a morte de pessoas. Para além da ministra, a deficiência na minimização dos efeitos da greve do INEM aponta para a secretária de Estado da Gestão da Saúde. Trata-se de Cristina Vaz Tomé, figura sem experiência na saúde e na governação, mais ligada à comunicação social, onde não terá impressionado pelo seu desempenho. O ambiente no ministério não pode ser sadio quando a ministra diz que não sabia de parte da greve e a secretária de Estado assegura que sabia. É certo que no topo da Saúde estão a ministra e o chefe do Governo, mas há níveis abaixo onde tem de haver gente muito preparada.

3. Segundo os jornalistas da Prova dos Factos da RTP, o Ministério Público está a investigar o secretário de Estado da Administração Local, Hernâni Dias, por ter aceitado faturas de 800 mil euros de trabalhos não realizados quando era presidente da Câmara de Bragança. A reportagem refere peritagens do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) sustentando que os factos ocorreram em obras de ampliação da Zona Industrial de Bragança. Hernâni Dias fica assim numa situação periclitante no governo, onde integra a equipa do ministro adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida. Este é uma das figuras chave da equipa de Montenegro. Tem a cargo a gestão dos fundos europeus, designadamente o PRR, cuja execução se encontrava catatónica há sete meses quando o PS deixou o Governo. A situação de Hernâni Dias é frágil. Se for constituído arguido terá de sair. Por agora vai cozer em lume brando, o que o diminui politicamente.

4. Sondagens recentes confirmam, entretanto, uma estabilidade nas tendências eleitorais com relativo crescimento da AD. A redistribuição de rendimentos e o desempenho sereno de Luís Montenegro justificam o olhar positivo dos portugueses. O PS perde, mas aguenta-se com Pedro Nuno Santos a visar as autárquicas. Como é habitual quando está fora do poder, o PS apresenta divergências internas que só se atenuam quando o partido a ele retorna. Aí a máquina ocupa alegremente o aparelho do Estado. Sempre assim foi e dificilmente as coisas mudarão no futuro. Daí que as tensões atuais, surgidas depois de declarações polémicas do presidente da câmara de Loures, sejam um mero pretexto para a luta interna. O autarca Ricardo Leão expressou apoio à tese do Chega de que se deve, “doa a quem doer”, aplicar sanções que podem mesmo implicar a perda da habitação social a quem participe em desordens públicas. Leão sentiu-se obrigado a demitir-se da liderança da poderosa Federação PS de Lisboa (FAUL) depois de Alexandra Leitão, a líder de uma crescente ala esquerda socialista, se ter demitido da comissão política da federação, abrindo uma crise. Articuladamente, surgiu, no Público, um artigo subscrito por António Costa falando em valores morais do PS e que todos perceberam ter muito a ver com um acerto de contas de Costa com Pedro Nuno Santos. Aproveitou-se o facto de PNS não se ter mostrado escandalizado com Ricardo Leão para o tentar isolar entre uma ala esquerda alexandrista e uma mais moderada de José Luís Carneiro. O episódio seguinte serão eleições para a FAUL. A intervenção de António Costa, que tem como parceiro no artigo o socrático Pedro Silva Pereira, é curiosa. Vem de quem se demitiu do governo sem ouvir o partido e de quem impôs a geringonça sem consultar os militantes num referendo. É também caso para perguntar a António Costa se é uma autocrítica a frase do artigo em que se afirma que “o valor do humanismo, sempre ligado ao sentido da responsabilidade, é uma marca do importante legado do PS”. Há algum desplante na afirmação, quando se sabe que Costa perdeu doze governantes em casos estranhos e tinha um chefe de gabinete em cuja posse foram encontrados 75 mil euros em notas.

5. Nas citadas eleições da FAUL posicionou-se logo Miguel Prata Roque, agora próximo da ala esquerda do PS e ex-secretário de Estado de Costa. Tem sido notada a sua participação na SIC-Notícias, onde semanalmente é arrasado pelo social-democrata Miguel Morgado para grande júbilo da direita nas redes sociais.

6. Apesar de recente, a Iniciativa Liberal tem sido abalada por crises internas e dramas sucessivos. O mais recente prego no caixão do partido, é o caso Mayan Gonçalves. Demitiu-se depois de se saber que falsificou assinaturas em dois documentos autárquicos que envolviam prémios e acesso a fundos. Mayan presidia à União das Freguesias da Foz do Porto, foi o primeiro candidato dos liberais à presidência da república e estava a concorrer contra Rui Rocha à liderança do partido. Agora não tem condições políticas para nada e os seus apoiantes estão traumatizados. Rui Rocha soma e segue num barco a meter cada vez mais água.

7. Na Madeira há nova confusão. O Chega vai apresentar uma moção de censura que o PS apoia. Mesmo assim, Albuquerque ainda pode conseguir safar-se e evitar sair da presidência do governo regional ou ir novamente a eleições. Se o exercício democrático no continente é muitas vezes deplorável, o da Madeira é uma vergonha que mancha todos os portugueses.

Governo abana, mas aguenta-se


Há casos que comprometem a imagem do Governo, mas as sondagens são boas.


Nota prévia: Se fosse analisada na perspetiva de uma eleição presidencial direta da Europa, a vitória de Trump sobre Kamala seria curta (52% contra 48%, mais ou menos), apesar da democrata ter perdido 15 milhões de votos relativamente a Biden. Porém, no sistema americano, Trump varreu o país com o seu MAGA, que ultrapassa em substância (por ter ideologia) o regressado Presidente. O MAGA gerou uma resposta da classe média e média baixa ao wokismo universitário elitista, às questões fraturantes e a uma globalização que mina o Ocidente por via da concorrência desleal dos BRICS. Trump aproveitou essa saturação e focou o discurso na economia, na inflação, no custo de vida, no isolacionismo e na imigração, apoiado por redes sociais agressivas. O reeleito Trump é imprevisível. Antecipar comportamentos com base no passado, no que disse ou prometeu é inútil. Tanto pode cumprir, repetir ou fazer o contrário. O sistema de contrapesos internos está fragilizado pela dimensão da vitória, transformando Trump numa espécie de Dono Daquilo Tudo e de parte do mundo. Internacionalmente, é provável que reforce o apoio a Israel face ao Irão e mantenha a defesa de Taiwan frente à China, embora Musk possa matizar essa tendência, dados os seus interesses no país de Xi. Para os europeus é preocupante a hostilidade primária de Trump ao Velho Continente, a aversão pessoal a Zelenski e à causa da Ucrânia, a par de uma dependência de Putin que até parece resultar de chantagem. Com Trump, tudo pode acontecer, do mau ao muito mau. No limite, até se pode dar o milagre das coisas correrem bem.

1. Apesar de incómodos, os dislates da ministra Margarida Blasco não põem em causa de forma substancial a sua ação política. A titular da Administração Interna é inábil a comunicar e nos timings em que o faz. Mas não se pode dizer que seja incompetente a resolver os problemas de fundo. Reconheça-se o esforço, o empenho, o currículo e a civilidade com que trata as pessoas e os assuntos, embora esteja num lugar em que todos os dias algo de grave se passa, impondo reação pública do ministério ou das entidades que tutela. Basta olhar para o passado para verificar que todos os antecessores de Blasco passaram por momentos dramáticos e que não foi por serem bons comunicadores que aguentaram.

2. Bem mais complicada é a situação na área da saúde. A ministra Ana Paula Martins mostra-se incapaz de apresentar as soluções prometidas. Há áreas em que as coisas pioraram ou são maquilhadas por efeitos estatísticos e enigmáticas indicações a respeito de atendimentos que falham. Os casos negativos com grávidas são sistemáticos e o que se passa no INEM é arrasador em dias normais, quanto mais em tempo de greve, mesmo que limitada. É por isso inaceitável saber-se agora que o Governo não antecipou quaisquer medidas cautelares face aos movimentos grevistas de técnicos do instituto que estavam preanunciados. Se há coisa que não pode falhar é o INEM, nem que seja à conta de requisição civil. As falhas decorrentes da greve levaram ao não atendimento de centenas de chamadas e a atrasos que podem ter contribuído para a morte de pessoas. Para além da ministra, a deficiência na minimização dos efeitos da greve do INEM aponta para a secretária de Estado da Gestão da Saúde. Trata-se de Cristina Vaz Tomé, figura sem experiência na saúde e na governação, mais ligada à comunicação social, onde não terá impressionado pelo seu desempenho. O ambiente no ministério não pode ser sadio quando a ministra diz que não sabia de parte da greve e a secretária de Estado assegura que sabia. É certo que no topo da Saúde estão a ministra e o chefe do Governo, mas há níveis abaixo onde tem de haver gente muito preparada.

3. Segundo os jornalistas da Prova dos Factos da RTP, o Ministério Público está a investigar o secretário de Estado da Administração Local, Hernâni Dias, por ter aceitado faturas de 800 mil euros de trabalhos não realizados quando era presidente da Câmara de Bragança. A reportagem refere peritagens do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil) sustentando que os factos ocorreram em obras de ampliação da Zona Industrial de Bragança. Hernâni Dias fica assim numa situação periclitante no governo, onde integra a equipa do ministro adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida. Este é uma das figuras chave da equipa de Montenegro. Tem a cargo a gestão dos fundos europeus, designadamente o PRR, cuja execução se encontrava catatónica há sete meses quando o PS deixou o Governo. A situação de Hernâni Dias é frágil. Se for constituído arguido terá de sair. Por agora vai cozer em lume brando, o que o diminui politicamente.

4. Sondagens recentes confirmam, entretanto, uma estabilidade nas tendências eleitorais com relativo crescimento da AD. A redistribuição de rendimentos e o desempenho sereno de Luís Montenegro justificam o olhar positivo dos portugueses. O PS perde, mas aguenta-se com Pedro Nuno Santos a visar as autárquicas. Como é habitual quando está fora do poder, o PS apresenta divergências internas que só se atenuam quando o partido a ele retorna. Aí a máquina ocupa alegremente o aparelho do Estado. Sempre assim foi e dificilmente as coisas mudarão no futuro. Daí que as tensões atuais, surgidas depois de declarações polémicas do presidente da câmara de Loures, sejam um mero pretexto para a luta interna. O autarca Ricardo Leão expressou apoio à tese do Chega de que se deve, “doa a quem doer”, aplicar sanções que podem mesmo implicar a perda da habitação social a quem participe em desordens públicas. Leão sentiu-se obrigado a demitir-se da liderança da poderosa Federação PS de Lisboa (FAUL) depois de Alexandra Leitão, a líder de uma crescente ala esquerda socialista, se ter demitido da comissão política da federação, abrindo uma crise. Articuladamente, surgiu, no Público, um artigo subscrito por António Costa falando em valores morais do PS e que todos perceberam ter muito a ver com um acerto de contas de Costa com Pedro Nuno Santos. Aproveitou-se o facto de PNS não se ter mostrado escandalizado com Ricardo Leão para o tentar isolar entre uma ala esquerda alexandrista e uma mais moderada de José Luís Carneiro. O episódio seguinte serão eleições para a FAUL. A intervenção de António Costa, que tem como parceiro no artigo o socrático Pedro Silva Pereira, é curiosa. Vem de quem se demitiu do governo sem ouvir o partido e de quem impôs a geringonça sem consultar os militantes num referendo. É também caso para perguntar a António Costa se é uma autocrítica a frase do artigo em que se afirma que “o valor do humanismo, sempre ligado ao sentido da responsabilidade, é uma marca do importante legado do PS”. Há algum desplante na afirmação, quando se sabe que Costa perdeu doze governantes em casos estranhos e tinha um chefe de gabinete em cuja posse foram encontrados 75 mil euros em notas.

5. Nas citadas eleições da FAUL posicionou-se logo Miguel Prata Roque, agora próximo da ala esquerda do PS e ex-secretário de Estado de Costa. Tem sido notada a sua participação na SIC-Notícias, onde semanalmente é arrasado pelo social-democrata Miguel Morgado para grande júbilo da direita nas redes sociais.

6. Apesar de recente, a Iniciativa Liberal tem sido abalada por crises internas e dramas sucessivos. O mais recente prego no caixão do partido, é o caso Mayan Gonçalves. Demitiu-se depois de se saber que falsificou assinaturas em dois documentos autárquicos que envolviam prémios e acesso a fundos. Mayan presidia à União das Freguesias da Foz do Porto, foi o primeiro candidato dos liberais à presidência da república e estava a concorrer contra Rui Rocha à liderança do partido. Agora não tem condições políticas para nada e os seus apoiantes estão traumatizados. Rui Rocha soma e segue num barco a meter cada vez mais água.

7. Na Madeira há nova confusão. O Chega vai apresentar uma moção de censura que o PS apoia. Mesmo assim, Albuquerque ainda pode conseguir safar-se e evitar sair da presidência do governo regional ou ir novamente a eleições. Se o exercício democrático no continente é muitas vezes deplorável, o da Madeira é uma vergonha que mancha todos os portugueses.