Donald Trump é o novo Presidente dos Estados Unidos e, ao que tudo indica, vencerá em todos os sete swing-states. O que acha, em termos gerais, desta vitória?
Bom, primeiro que tudo, ao contrário da maior parte dos comunicadores sociais, especialistas e peritos em tudo em Portugal, não fiquei surpreendido. É evidente que quem ouviu apenas a comunicação social portuguesa, politicamente correta, deve ter ficado surpreendido. Até à última hora tivemos teorias extraordinárias sobre o voto de género, sobre o voto feminino. Havia grandes esperanças. Eu tive de ter paciência para ouvir teorias espantosas sobre o bem e o mal, sobre o mal que vem ao mundo com Trump, a Bela contra o Monstro e tudo isso. No fim também é curioso, porque esta gente que é toda muito liberal e muito democrata, acaba por ter teorias de um certo determinismo. O género determina, a raça determina, quer dizer, as pessoas de cor têm de votar de determinada maneira. As mulheres têm de votar de determinada maneira e mais ou menos em segredo, contra os maridos. Ouvimos teorias extraordinárias. Francamente, houve um ponto da vitória de Trump que me surpreendeu: a margem da vitória no voto popular. Confesso que não estava à espera de tanto, mas não me surpreendeu a vitória.
Falou na questão de que os liberais são muito democratas, mas depois revelam-se deterministas. Lembrei-me de uma frase do William F. Buckley Jr. Ele dizia que “embora os liberais falem muito em ouvir outros pontos de vista, por vezes choca-os saber que existem outros pontos de vista”. Acha que se aplica a este caso?
Sim, é isso. E o que é surpreendente é que têm uma narrativa completamente maniqueísta. É uma narrativa de bons e de maus. Eles procederam a uma Reductio ad Hitlerum, que parece ser o grande método de eliminar opiniões contrárias. Isso implica que teríamos de pensar que na América haverá 70 milhões ou mais de adeptos de Hitler. Portanto, eu acho que é essa narrativa em que nos encerraram. Alguém ontem também falava contra as redes sociais, mas apesar de tudo, acho que, de certo modo, a comunicação de referência, mesmo com todos os disparates que aparecem nas redes sociais, fechou-se de tal maneira que as redes sociais acabam por ser uma resistência.
E vimos também a falibilidade das sondagens, mais uma vez, principalmente naquela sondagem do Iowa, três ou quatro dias antes da eleição, que deu Kamala à frente por 3% ou 4% e Trump acaba por ganhar o Estado com 14%…
Também já se viu de há uns anos para cá, de certo modo, é um fenómeno que é muito antigo, há um certo voto envergonhado, produto deste terror que é influenciado pelo que é transmitido através da comunicação bem-pensante, politicamente correta. Há um terror, há um certo medo nas pessoas que têm opiniões conservadoras, mais de direita, de exprimir isso, mesmo nas sondagens. Portanto, é algo que já devia ser levado em conta nessas amostragens. Mas pelos vistos parece que não, não é?
Verificamos também, e indo ao encontro do que estava a dizer há pouco, o voto das minorias em Donald Trump. Que mensagem é que isto pode enviar à cúpula do Partido Democrata, cada vez mais representante das elites?
A cúpula do Partido Democrata tem bastante força e teve bastante controlo para em 2020 substituir Sanders por Biden, e agora para substituir Biden por Kamala. E, quer dizer, deve começar a pensar um bocadinho nos eleitores e deixar de estar assim tão dependente da correção política, não é?
Vai haver uma rutura na política externa com a administração Biden-Harris. Acredita que, desta forma, a supremacia americana, atualmente bastante ameaçada, possa voltar ao que era, pelo menos ao que era entre 2017 e 2021?
Não sei se vai haver tanta rutura. Por exemplo, há um ponto que acho que vai ser de continuidade, que é em relação à China, que, aliás, já foi uma política de continuidade de Biden em relação a Trump, designando a China como challenger, como uma potência ascendente e, de certo modo, o inimigo principal. Não me parece que isso vá alterar. Por exemplo, em relação a Taiwan, vimos os votos semelhantes dos dois partidos no Congresso e não me parece que vá haver alguma alteração. A administração Biden, como aliás até algumas administrações republicanas, estava muito dominada pelos neoconservadores, que se caracterizam por quererem exportar de qualquer maneira, à força, se for preciso, as instituições americanas e democráticas, para todo o mundo. Viram-se os desastres a que isso conduziu na Líbia, no Afeganistão, no Iraque, etc. Penso que esse é um ponto em que, de facto, a administração Trump vai ser diferente, e essa diferença vai introduzir um maior realismo nas relações internacionais e um menor clientelismo em termos de intervenções militares. Trump, no seu passado, não iniciou qualquer guerra e, portanto, vamos esperar, mas vai tentar, com certeza, encontrar um equilíbrio, não lesando muito também os aliados. Penso que ele vai procurar colocar um ponto final em alguns conflitos.
Era precisamente nesse prisma de voltar a abraçar a Realpolitik que eu estava a falar da rutura de Trump na política externa…
Sim, e vai haver rutura nesse aspeto. O próprio J. D. Vance, que é uma pessoa elaborada intelectualmente, já fez alguns discursos e apontou alguns caminhos de solução. Estou convencido que a guerra da Ucrânia, neste momento, vai terminar através de um cessar-fogo e depois logo se verá o que acontece no futuro. Podemos ter uma situação parecida com a situação nos anos 50 na Coreia. Quer dizer, Trump não vai, com certeza, facilitar uma vitória russa, mas também não vai fazer uma reconquista que possa arriscar a III Guerra Mundial. Penso que vai haver uma tendência para congelar o conflito e também haverá alguma introdução de mais realismo e menos ideologia no Médio Oriente.
Também Zelensky e o ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano mostraram-se bastante animados pela vitória de Trump, até porque o Presidente ucraniano aborda a doutrina da paz pela força. É algo que pode fazer cair por terra os argumentos da maior parte de opinion makers?
Pois. Quer dizer, não sei. Porque essa opinião resiste à realidade já há muito tempo, não creio que vá ser abalada pela realidade.
A retórica democrata assentou bastante na comparação de Trump a Hitler, rotulando-o de fascista, na disseminação do medo, do ataque à democracia, à Constituição… Acha que foi longe demais?
Sim. Aliás, curiosamente, Trump já teve quatro anos de exercício. Uma das razões pelas quais perdeu a eleição em 2020 foram aqueles comentários um pouco levianos sobre a Covid no início, embora sendo depois ele, que nesse aspeto despachou rapidamente soluções e remédios e todas essas coisas, mas fez aqueles comentários no início. E, depois, de facto, uma excessiva mudança de pessoal político, de conselheiros nacionais. Viu-se que agora todos tinham ficado muito zangados com ele e apareceram todos a contar histórias horríveis do seu convívio com Trump.
E acha que a experiência que ele teve nesses quatro anos agora vai ajudá-lo a escolher pessoal de forma mais acertada?
Acho que a escolha de Vance é muito feliz, porque é uma pessoa com ideias, com uma história de vida interessante, com ideias políticas bastante assentes, que tem provado ser um excelente challenger, algo que se viu nos debates, e tem obra escrita. Penso que Vance vai ter também algum papel, aquela corrente com que ele está alinhado, chamados pós-liberais, vai ser uma corrente interessante num futuro próximo nos Estados Unidos.
Acha que este mandato enquanto vice-presidente pode até servir de pré-campanha para 2028?
Sim, eu penso que sim. Aliás, há aqui uma coisa também na vitória republicana que é muito interessante. Praticamente, todos os órgãos do poder nos Estados Unidos ficam agora republicanos. O Senado está, o Supremo Tribunal já estava, a presidência está e a maioria na Câmara dos Representantes, quando for oficial, temos um fenómeno que já não acontecia, de facto, há muito tempo, que é uma representação maioritária de um partido nos quatro braços do poder.
O que pode dar a esta administração mais abertura para a implementação de reformas estruturais…
Sim. E há sobretudo uma coisa muito interessante sobre a qual acho que vale a pena meditar. Há uma certa introdução, digamos, na política americana, que era uma política muito ligada às questões económicas, em que se definia muito a direita pelo liberalismo económico e por uma fé cega no mercado. E agora aparece uma direita mais social e preocupada. Porque, de facto, como vimos, as classes operárias, maioritariamente na América e, como aliás, começa a ser também regra na Europa, vota nos partidos de direita conservadora e nacionalista ou populista, como lhe chamam os que não gostam. Vance introduz muito esse fenómeno e Trump, quando escolheu Vance, sabia que essa era uma forma de completar o ticket.
Para finalizar, há pouco falámos de como os democratas exageraram na retórica da ameaça de Trump à democracia, mas, em várias ocasiões, até o próprio desdém pela Constituição parecia vir, principalmente do lado esquerdo…
Sim. A esquerda, sobretudo, introduziu aqui um fator maniqueísta, de bons e maus, e essa narrativa é hoje predominante em todo o lado. É nos Estados Unidos, é aqui, é na Europa toda. É uma narrativa que tem como objetivo tornar o adversário político num inimigo do género humano, a tal figura de Hitler. É o tal Reductio ad Hitlerum, uma técnica que Hannah Arendt, aqui há uns anos largos, denunciou. Quando não se tem outro argumento, a técnica é dizer ao adversário ou ao inimigo que está a ser igual ao Hitler.