A Escola de Alcanena é nova. Não há paredes rabiscadas ou portas empenadas, também não há miúdos nos cantos agarrados aos telemóveis e nem sequer cheira a escola. Há uma ordem desordenada de miúdos a brincar em todos os espaços do recreio. São os filhos dos donos das fábricas, os operários dessas fábricas, filhos de presidiários e de imigrantes. Não há grupo, apenas crianças.
Situada a uma hora e meia de Lisboa, esta vila ribatejana com cerca de 12500 habitantes foi muito castigada pela pandemia. «Não houve quase uma família em que não tivesse morrido alguém e os alunos vieram pós-pandemia muito diferentes. Com menos alegria e com menos apetência para aprender», conta a diretora da escola, Ana Cohen. Era preciso fazer alguma coisa, que tinha forçosamente de passar pelo «desenvolvimento de competências socio-emocionais».
Nasceu assim um projeto de levar a brincadeira para dentro da sala de aula. Era preciso fazê-los rir, darem-se uns com os outros e gastar energias acumuladas durante os períodos fechados em casa. Brincar, portanto. Primeiro veio a desconfiança dos pais, pouco convencidos de que as aulas possam ser uma brincadeira.
É com orgulho que a diretora explica o projeto Bee: «Desenhamos uma colmeia com dez favos de mel e cada favo corresponde a uma área do saber». Há o bee cientist que leva os miúdos durante uma semana para o centro de Ciência de Viva, onde andam no campo a recolher insetos e plantas, fazer análise laboratorial, entrevistam cientistas e vestem a bata branca. Há o bee da matemática mistura costura com matemática e envolve as costureiras da região. Bee Happy leva os alunos a passear, e ensino de técnicas de mindfulness para eles usarem esses mecanismos quando são grupos mais disruptivos. Ao todo, são 10 bees e a lógica é envolver toda a comunidade. Incluindo pais. «A escola não consegue fazer esse trabalho sozinha, a comunidade tem de ser co-responsável», sublinha Ana Cohen. Com diversidade de alunos, para que cada um consiga chegar o mais longe possível . Os portões foram abertos, para mostrar que a aprendizagem não tem forçosamente de ocorrer entre quatro paredes: pode ser numa fábrica, numa montanha ou num palco.
Há ainda o Escola Feliz. «Descobrimos que muitas crianças acham que a felicidade não está ao alcance deles». O objetivo é desmistificar isso. Como? Uma das primeiras coisas é os alunos trazerem símbolos daquilo que os faz feliz. E é, invariavelmente, a família. Também há o termómetro das emoções, o cubo das boas ações e o Ups e Agora. Neste, a escola pára quando o Manuel se passa e aperta do pescoço do António. Todos os alunos vão para as suas turmas pensar o que aconteceu, como se podia ter prevenido e o que cada um faria no lugar do Manuel ou do António. Empatia é a palavra chave deste exercício. Tudo isto é escrito num caderno, que serve para autoconhecimento, medir as emoções, escrever estratégias e levar para casa casa para registar um momento de felicidade. Um simples jogo de cartas com o avô chega.
No intervalo todos brincam. Cada duas turmas é responsável por organizar as brincadeiras da semana. Fardados de colete, organizam jogos, atividades, tempos, equipas e espaço. Três paus alinhados em paralelo servem para fazer um campeonato de saltos em comprimento, por exemplo. Havia bullying e já não há, garante a diretora. Todos têm de brincar e ninguém é deixado para trás sejam quais forem as suas apetências ou gostos. Esta escola foi uma das que ganharam a candidatura ‘Quem Brinca é Quem É’ (v. pp. 24-25), da Fundação Santander em parceria com a Lego Foundation. Recebeu 5 mil euros e uma viagem à Dinamarca. De lá, Ana Cohen percebeu a relevância do espaço e dos equipamentos: tudo deve ter um propósito. Os carpinteiros já foram chamados à escola.