Qual é papel da Fundação Santander na Educação?
Quando lançámos a Fundação há dois anos decidimos que nos devíamos focar na Educação exatamente por causa de quatro indicadores que revelavam essa necessidade. O primeiro diz-nos que 37% da população ativa, entre os 25 e os 65 anos, apenas tinha o ensino básico; o segundo é que 50% das crianças ficam no mesmo nível de educação dos pais, sobretudo as mais desfavorecidas.
A intervenção deve ser dirigida aos pais?
Sim. Tenho visitado muitas escolas e em quase todas elas dizem-me que 40% dos pais tem apenas o quarto ano. O terceiro indicador é que 20% da população está no limiar da pobreza, o que foi confirmado no último relatório nacional sobre a pobreza, sendo que um terço está empregada. Ou seja, as pessoas não terem qualificações, mais os níveis de pobreza, produz um efeito exponencial. É fundamental que as empresas tenham um papel relevante. É chocante que haja pelo menos um terço da população portuguesa no limiar da pobreza apesar de estarem empregadas.
E o outro indicador?_
É o que nos diz que 57% dos professores vão estar na reforma em 2030. Sobre este tema, já estamos a trabalhar com o Ministério da Educação para ajudar a aumentar o número de professores.
Perante estas evidências, qual é o vosso papel?_
Entre os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, nós estamos focado no quatro, que é dar uma educação de qualidade a todos, no 10, ou seja, reduzir as desigualdades, e no 17, que é fazer parcerias. A Fundação tem três grandes pilares: o primeiro pilar, no qual investimos cerca de 5 milhões por ano, é apoiar todos os jovens a cima dos 17 anos e o life long learning. O objetivo é capacitar os pais para que, através formação, consigam melhores salários, progressão e melhores condições. Neste programa, que inclui cursos tão simples como de Inglês, Excel ou Liderança e Programação, apoiamos cerca de 100 mil pessoas. O segundo pilar é para população abaixo dos 17 anos. Ou seja, garantir que as crianças chegam ao maior nível de escolaridade possível e que cheguem com as competências do futuro.
Que são?
Novamente temos as definições das Nações Unidas: criatividade, capacidade de resolver problemas e comunicação/cooperação. São os chamados três Cs. É neste âmbito que temos desenvolvido várias parcerias. Fazemos isto com o Tumo, a Escola 2030 da Fundação Aga Khan ou o Teach for Portugal. Neste último temos mentores em várias escolas que acompanham várias turmas e tem como objetivo de capacitar professores e acompanhar os alunos garantindo que não abandonem a escola e consigam chegar ao longe possível, que tenham a ambição de não desistirem.
E quanto aos aumento das desigualdades sociais na Educação?
Nós estamos em último lugar em termos de mobilidade socioeconómica a nível europeu. O nosso foco é implementar estas metodologias de ensino desde o primeiro ciclo, apoiar os jovens com o 12.º ano a continuarem a sua formação, capacitar os pais e apoiar os professores, para ajudar a diminuir esse fosso.
Por outro lado, somos o país da Europa onde há menos jovens a quererem ser professores e vão faltar 30 mil em 2030.
Se queremos ter professores precisamos de melhorar as suas condições. Eles têm de ter capacidade para estar deslocados, para alugarem uma casa, pelo menos. E não têm. Depois é toda forma e a hierarquia que vicia o sistema. Há três meses estive num município onde me encontrei com vereadores, diretores e professores e, curiosamente, o tema não foi o salarial mas sim a falta de motivação. Reclamam com razão a forma como são avaliados, a burocracia e a forma como toda a estrutura funciona. Eles não dedicam a maioria do tempo ao aluno, mas sim com o trabalho burocrático. Sendo que 25% é passado com os pais. É muito.
E quanto à falta de professores?
Uma das coisas é que incentivar os mentores do Teach for All a serem professores. Este ano vamos colocar 75 novos mentores mas queremos crescer muito mais. Queremos também ajudar a acelerar a formação dos professores. Foi agora aberta a possibilidade de qualquer pessoa com uma licenciatura ser professor, mas qual é a formação a mais que precisam, como é que podemos ajudar? As universidades têm de ser chamadas a ajudar a resolver esse problema, e temos falado com várias, seja para criar mais cursos ou criar módulos de formação abertos a qualquer pessoa com licenciatura e que preencha os requisitos estabelecidos pelo Ministério da Educação.
Em relação às metodologias inovadores no ensino, são o quê?
Temos dois projetos, a da Lego e Escolas 2030. O projeto da Lego está focado em crianças dos zero aos 12 anos e o objetivo é criar as competências de que falei dos três Cs. Aqui a metodologia é: como é que as crianças aprendem qualquer matéria através de uma brincadeira? As aulas de Matemática, por exemplo, são dadas no exterior, pois as crianças estão muito mais felizes e predispostas a aprender no exterior. Assim como estimular o movimento: se a criança estiver a movimentar-se consegue decorar e retém melhor do que se estiver sentada a decorar. Há muitas dinâmicas que existem e que a Lego Foundation ensina os professores a implementar. Faz-se muita coisa com materiais tão simples como papel, paus, palhinhas, caixas de ovos, não se compra nada. Temos escolas que têm apenas 100 ou 150 € por ano para fazer atividades.
Na prática como se concretiza?_
Lançámos um concurso que se chama ‘Quem brinca é quem é’ e pedimos que nos enviassem projetos que façam através de brincadeira. E tivemos 435 candidaturas de todo o país. A quantidade e qualidade de criatividade das escolas para implementar coisas diferentes é extraordinária. O que os bloqueia para fazer mais é o tempo e a burocracia. Qualquer um destes projetos é para capacitar os professores e através deles capacitar os alunos. Não é uma ação direta para os alunos.
A falta de tempo para brincar é um desafio.
Há uma diferença entre o que é aprender através de uma brincadeira e aprender simplesmente porque se está a brincar num espaço livre sem regras. O que é também muito importante. Na Dinamarca continuam a ter chão de areia, que em Portugal já não é permitido, e não há aquele medo das crianças caírem por subir a uma árvore. As escolas precisam de apoio para poderem desenvolver estes projetos, mas mais do que financeiro é terem tempo e espaço.
O uso dos telemóveis é um entrave a tudo isso?
Há muita tensão dentro das escolas, com as redes sociais, etc. e um dos objetivos destas parcerias é tirar estas amarras que têm origem nos telemóveis, de não conseguirem fazer amigos, falta de concentração, prevenir o bullying, etc.
E a Escola 20230, em que consiste?_
Também tem o objetivo de criar estas competências, mas foca-se em três idades, cinco, 10 e 15 anos, porque é nestas três idades que as crianças ficam mais perdidas, mais angustiadas, dificuldade de fazer amigos, porque mudam de ciclo e de turma. E mais uma vez foca-se em capacitar os professores para lidar com estas situações. São dados instrumentos aos professores para identificarem quais são os problemas que existem naquela escola e naquela turma e quais são as competências que é preciso desenvolver. E depois é criado um programa com os professor e os alunos para definirem o que fazer durante um trimestre para resolverem cada um deles. Seja arranjar o jardim ou fazer uma cozinha de lama. É tudo pensado entre alunos, professores e pais. Os pais também são chamados à escola o que faz toda a diferença. Não é preciso muito investimento, mas sim criar esta rede para que as s pessoas falem destes projetos e dar às escolas os meios de que precisam.
Quais são as vossas metas?
Na Escola 2030 queremos estar em cerca de 400 agrupamentos até daqui a três anos e formar 1500 professores. No Lego Foundation, é criar esta rede de escolas, das 400 que já concorreram, e aumentar o número de escolas que implementam esta nova metodologia. Não podem ser só 30.