Setembro é o mês de todos os recomeços nas Universidades. Estudantes começam as suas licenciaturas, mestrados ou doutoramentos, ou regressam à Universidade para um novo ano, novas cadeiras e novos desafios. Para os professores, renovam-se os estudantes, sempre com a mesma idade, em permanente rejuvenescimento. Este ciclo, aparentemente imutável, tem sido afetado nos anos mais recentes com as oportunidades e os novos desafios criados pelos modelos de processamento de linguagem natural, ou “large language models”, como o ChatGPT, o Bard ou o Claude.
Neste contexto de forte mudança, aquilo que também fazemos como cientistas deve ser também transposto para as salas de aulas: para além do domínio técnico e científico dos assuntos ensinados, é também fundamental encontrar novos caminhos, procurar novas soluções ou alterar processos que acelerem a aprendizagem dos estudantes, medindo os resultados dos novos processos e reiniciando a reflexão em permanência. Nos últimos 3 anos, na cadeira de Descobertas da Física Moderna, discutimos alguns dos avanços e direcções mais importantes da física moderna, os seus desafios éticos e morais ou a importância da comunicação de ciência, com convidados tão diversos, como Henrique Leitão, Jorge Calado, e Joana Lobo Antunes ou antigos estudantes da Engenharia Física Tecnológica como Pedro Gil Ferreira (Oxford), Filomena Nunes (Michigan State University), Luís Bettencourt (Chicago), ou Nuno Loureiro (MIT). Naturalmente, todos os anos refletimos sobre a melhor forma de incorporar as novas ferramentas de processamento de linguagem natural, seguindo o que são as recomendações no Técnico para o papel da Inteligência Artificial no processo de ensino-aprendizagem [1].
As técnicas de aprendizagem ativa nas salas de aula, como as estudadas pelo Prémio Nobel da Física Carl Wieman (Stanford), e que estão na base das suas iniciativas para a reforma do ensino da ciência nas universidades [2], são particularmente adequadas ao contexto atual. Os estudantes têm, ao seu dispor imediatamente na sala de aula, modelos que, na excelente metáfora do matemático e Medalha Fields Terence Tao (UCLA), são poderosas “guessing machines”. Estas “máquinas de adivinhar”, que aprenderam com base em toda a informação produzida pela humanidade disponível na internet, podem, instantaneamente, colaborar com o estudante durante a própria aula, complementando o trabalho do professor durante a aula.
Na sua discussão sobre o potencial da aprendizagem automática na Ciência e na Matemática [3], Terence Tao sublinha o papel dos modelos de processamento de linguagem natural como colega virtual, disponível para discutir o nosso trabalho ou esclarecer dúvidas e suscitar alternativas, ou como colaborador sempre disponível para executar as tarefas que lhe são solicitadas. Ao cientista (ou ao estudante e futuro cientista ou engenheiro) cabe usar o seu espírito crítico (e para tal ser treinado) para focar o seu esforço no processo criativo, utilizando estes modelos para se libertar das tarefas mais rotineiras.
No ensino, a presença destas poderosas ferramentas acentua a importância da ética, da qualidade das fontes de informação/conhecimento, do desenvolvimento do espírito crítico, do domínio dos fundamentos científicos e técnicos, e do reforço da capacidade humana para questionar, testar e validar os resultados obtidos por via de processos automáticos.
A transformação que estamos a viver reforça a importância das dimensões verdadeiramente distintivas da educação universitária: a forte ligação à ciência, aos seus valores e aos seus métodos, o desenvolvimento do espírito crítico e a permanente necessidade de (re)criação. E também na educação universitária o novo ano letivo é, cada vez mais, sinónimo de novos desafios, renovação e recomeço.
[1] Documento “Reflexão Sobre Ensino e Formação na era dos Large Language Models” do IST (https://conselhopedagogico.tecnico.ulisboa.pt/files/sites/32/relatorio-reflet2-1.pdf) e documento enquadrador do Conselho Pedagógico do IST (https://conselhopedagogico.tecnico.ulisboa.pt/files/sites/32/ferramentas-de-ai-no-ensino-v8-1.pdf )
[2] C. E. Wieman, “Improving How Universities Teach Science; Lessons from the Science Education Initative”, Harvard University Press (2017)
[3] https://youtu.be/_sTDSO74D8Q?feature=shared
Professor no Departamento de Física, Instituto Superior Técnico
web: http://web.tecnico.ulisboa.pt/luis.silva/