Ganhe quem ganhar as eleições de novembro, a próxima presidência dos Estados Unidos da América será sempre mais distante da Europa do que a atual. E daí em diante é de crer que será sempre a afastar-se. Mas uma das candidaturas implica um afastamento maior e mais agressivo. E isso é um problema acrescido para os europeus. E para o mundo.
Joe Biden foi, muito provavelmente, o último presidente americano europeísta. Fez toda uma carreira com proximidade à política externa, num tempo – várias décadas – em que a relação dos Estados Unidos da América com a Europa era o eixo fundamental da política externa, a ideia de alianças era a base da segurança americana e a liderança moral do Mundo Livre era o argumento. Essa era uma tradição que está a acabar.
O maior aliado, e até inspiração, de Ronald Reagan foi a primeira ministra britânica Margareth Thatcher; George H.W. Bush combateu na IIª Guerra Mundial, foi embaixador nas Nações Unidas e director da CIA; Bill Clinton estudou na Europa; George W. Bush, filho do homem que selou o fim vitorioso da Guerra Fria, foi o primeiro líder da NATO e presidente americano a invocar o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte depois do 11 de Setembro. Todos eles tinham, portanto, uma memória, uma relação e razões para valorizar a Aliança transatlântica e o papel de liderança americana do Mundo. Nenhum dos próximos tem essa história.
Kamala Harris acreditará na importância dos aliados e das alianças, e até da cooperação entre democracias, mas não tem no seu percurso político, nem sequer enquanto vice-presidente, um histórico relevante de relações com a Europa. Uma mulher vinda da Costa Oeste num tempo em que a China é a maior ameaça ao lugar da América no mundo e a região da Ásia/Pacífico o território de tensão, dificilmente olha para as relações com a Europa como a sua primeira prioridade. E menos ainda como a sua base. O seu vice, Tim Walz, não tem qualquer experiência de política de segurança e defesa internacional, e menos ainda de Europa.
Do outro lado, Donald Trump deixou claro o que pensava do mundo, do lugar da América no mundo e da Europa no seu primeiro mandato. Nunca falou do Ocidente e a certa altura chamou “inimigos” aos europeus. Para agravar, J.D.Vance nasceu uns anos antes do 11 de Setembro. Não tem memória da Guerra Fria nem do tempo em que a Europa dependia dos EUA para ser livre, e os EUA usavam essa dependência para reforçar a sua influência no lugar mais importante do mundo de então.
A grande transformação está, portanto em curso. O mal para a Europa, o afastamento, está lançado. A América tem uma nova grande preocupação: a China. E uma nova geografia prioritária, a Ásia/Pacífico. Em que medida é que um presidente pode ser pior que outro para o mundo, em geral, e para a Europa em particular? Na medida em que uma faz parte do afastamento, mas é herdeira de uma ideia de América e de mundo, e o outro, além do afastamento típico deste tempo, não acredita nessa ideia de América nem de mundo.
Quando Joe Biden tomou posse, anunciou que a América estava de volta. Esse regresso incluiu a saída abrupta do Afeganistão e a traição a França com o negócio ago-australiano dos submarinos. Mas, e este mas é muito relevante, a ideia central desse regresso da América assentava na convicção de que o interesse americano implicava a disponibilidade para suportar o custo de ser líder. A ideia fundamental dessa perspetiva de Biden é que a liderança tem benefícios, mas implica um custo. Até George W. Bush esse custo era tanto em armas e dólares como em homens. Biden quis reduzir ao mínimo o custo humano, mas manteve outros encargos. É isso que explica o tipo de empenho americano na Ucrânia. Se a Rússia ganhar, será Moscovo a ditar as regras da segurança na Europa, ou em parte dela. E os países que contam com os americanos para garantir a sua segurança deixarão de o fazer. É isso, mais do que a bondade da luta ucraniana, que explica, para Biden, o empenho americano na guerra da Ucrânia.
No caso de Trump, a grande questão é que a sua ideia de “America Great” não tem que ver com liderança moral, tem que ver com força bruta. A América de Trump não quer liderar o mundo ocidental, o mundo livre, conceito em que não acredita, nem quer ter aliados, prefere relações transacionais. Como explicou à Foreiucraniany, Elbridge Colby, um dos nomes que se fala para a pasta da defesa numa administração Trump, estes republicanos acreditam que as relações dos Estados Unidos da América com os “aliados” têm de ser mais transacionais. Mais “business like”, disse Colby, dizendo quase tudo.
Com todos os seus imensos defeitos e insuficiências, quem reconhece a democracia liberal ocidental como o modelo político herdeiro da tradição Greco-Romana e Judaico-Cristã, reconhecerá a importância de o preservar. E, consequentemente, o papel de liderança que os americanos tiveram na sua defesa e promoção, ao longo de mais de oito décadas. É essa a liderança moral americana. Os cínicos, os hiper-realistas e os antiamericanos rejeitarão a ideia de que a América teve, deve ter ou terá alguma espécie de liderança moral do Ocidente e do Mundo Livre. Trump concordará com eles. É esse o maior problema que uma presidência Trump representa para a Europa, o Ocidente e o Mundo Livre. O vazio preenchido por uma lógica transacional de quem prefere vender armas aos aliados a usá-las em sua defesa. É outro mundo.
Senior partner da EU Opportunity, professor universitário e consultor em Assuntos Europeus