No desempenho de funções governativas, como ministro da Defesa Nacional do Governo de Luís Montenegro e do PSD, Nuno Melo resolveu resgatar para a atualidade pública e mediática a reivindicação histórica de Olivença como território nacional, com base em acordos históricos entre o Reino de Portugal e o de Espanha. Entre o galifão e o marialva, ladeado de patentes militares em Estremoz e investido de funções de Estado da República, verberou o “Olivença é nossa!”, para gáudio dos ativistas da causa dificilmente partilhada pela população da dita, mais confortáveis com as condições de vida do outro lado da raia do que as vividas em território nacional pelas gentes do interior, amiúde entregues a si próprios, sem a adequada atenção e ação dos poderes de Lisboa e dos respetivos corredores alcatifados.
A fanfarronice em funções não terá sido articulada com o primeiro-ministro nem com o ministro dos negócios estrangeiros, sendo um irrevogável disparate político de quem confunde convicções pessoais com o exercício governativo a coberto de um albergue político e eleitoral que permitiu estancar a rota de definhamento do CDS-PP, qual Verdes com o PCP, sob a capa da CDU. Foi assim na República, nos Açores e na Madeira sob pena de se colocar em causa a representação parlamentar e eleitoral e a sobrevivência política de um partido histórico da democracia portuguesa, em míngua com o crescimento do Chega.
Em condições normais, a irrevogável ganância territorial quando não se trata adequadamente do que já é efetivamente nosso, qual ambição de extensão da plataforma continental portuguesa, tinha conduzido o protagonista desconchavado do perfil institucional de membro de um Governo da República à demissão, mas em tudo na política vigente o que prevalece é a sobrevivência e todos os votos são importantes para tentar viabilizar o Orçamento de Estado e assegurar mínimos de estabilidade. O PSD está refém da circunstância e conformou-se com esta abertura de tensão, ao nível dos calcanhares, com Espanha, quando as preocupações deveriam ser outras.
Por exemplo, enquanto a Europa aguarda o desfecho das eleições presidenciais norte-americanas e as instituições europeias intensificam os condicionalismos às relações comerciais com a China, cada vez mais alinhada com a Rússia para a sua estratégia de afirmação global, há estados membros a tratar da sua vidinha, na captação de investimentos e na abertura de mais mercados, como acontece com a Espanha e a recente visita do primeiro-ministro Pedro Sánchez a estabelecer linha aberta com Pequim e sustentar, tal como a Alemanha, moderação na imposição de limitações comerciais.
Em vez de Olivença, talvez não fosse mau avaliar se faz sentido o anterior governo, em rota de afago a Bruxelas, à NATO e aos Estados Unidos da América, com ganhos na atribuição da Presidência do Conselho Europeu, ter sido mais papista que o Papa na transposição de uma diretiva sobre cibersegurança com preconceitos de origem das tecnologias quando quase tudo que utilizamos no quotidiano tem alguma coisa “Made in China”. É que do outro lado da fronteira, em Espanha, a transposição foi mais moderada do que a imposição nacional dos falcões da segurança e dos interesses particulares dos políticos em funções, gerando um ambiente empresarial mais competitivo do que o que acontece em Portugal, já com reduções nas exportações e atrasos nos desenvolvimentos de soluções tecnológicas. Neste contexto, em que o ponto de partida da economia espanhol já é mais competitivo do que o nosso e com uma enorme escala, sendo ainda um mercado externo preferencial, fará sentido manter opções que introduzem distorções e atrasos, segundo a EY com impactos de cerca de mil milhões ao nível do 5G, para preferir verberar pretensões históricas em relação a Olivença?
Não haverá outras prioridades governamentais? Por exemplo, na gestão da água? Na gestão dos riscos? No desenvolvimento das atividades económicas? Ou na coesão dos respetivos territórios, com especial destaque para as zonas raianas? Certamente que sim e só mesmo a necessidade de não desestabilizar mais um quadro político tenso, pulverizado e parco em disponibilidade para os compromissos, salvou o irrevogável Nuno Melo de ser apeado de funções.
A menos que o marialvismo territorial tenha feito parte de uma estratégia de namoro a um certo eleitorado nas orlas do Chega ou para distrair as atenções das desgraças vigentes, umas estruturais, outras decorrentes da falta de ação consequente do atual governo, depois de ter gerado a ideia de que se resolviam de uma penada com uma gestão diferente, com impactos positivos imediatos, na saúde, na educação, nas expectativas e nas maleitas do país.
O CDS-PP saiu da rota da extinção, mas a existência é precária. Existe, como Os Verdes com o PCP, em albergue, sob a proteção eleitoral do PSD, salvo pequenos nichos autárquicos no país onde tem face própria e vai a votos de modo autónomo, não tem margem para reiteradas fanfarronices, depois das opiniões pessoais de Paulo Núncio sobre o aborto em campanha eleitoral. Ou se acomoda ao albergue ou se quer incomodar terá de ganhar asas próprias, para a prevalência das convicções individuais, eventualmente oprimidas, e um projeto político diferente do que vigora. Entretanto, sendo o protagonista irrevogável, é bom que se foque no país e nos seus interesses concretos, reais, do quotidiano e do futuro, que é o que estão a fazer do outro lado da fronteira. Definitivamente, o CDS-PP é o partido dos irrevogáveis.
NOTAS FINAIS
FAZER É UM BERBICACHO. Fazer, concretizar, ter iniciativa de ação é um problema em Portugal. Há uma cultura instalada de obstaculizar, de não facilitar a vida a quem quer fazer. E como o quadro mental e as regras são de bloqueio, emergem as formas espúrias de superar os constrangimentos. Não havendo cultura de concretização, não se percebe porque insistem os decisores públicos em reiterados anúncios de opções e medidas que tardam a chegar às pessoas, às empresas e aos territórios, gerando desilusão em relação aos protagonistas de turno e à democracia. Façam!
ESQUIZOFRÉNICOS DA LUZ, DA DEPRESSÃO À EUFORIA. Bastou uma mudança, expressões de uma nova atitude em campo e uma vitória para que a depressão desse lugar à euforia, reveladora da fragilidade dos pontos de equilíbrio e dos compromissos com o clube, em que a paixão não justifica tudo, nem os excessos, nem os oportunismos. Não estava tudo mal, não está tudo bem. Menos volatilidade, mais racionalidade.