Índia. As extraordinárias vida e morte do Sultão Tipu

Índia. As extraordinárias vida e morte do Sultão Tipu


Os ingleses viam-no como o seu maior opositor contra as ideias expansionistas da Companhia Britânica das Índias Orientais. Aliou-se aos franceses de Napoleão e foi um administrador soberbo da governação mogol sobre os hindus. Morreu como os tigres que adorava recusando-se a ser um carneiro


Quando cheguei a Shrirangapattana fazia um calor tão bruto e tão húmido que não tenho dúvidas de que os ovos coziam dentro das galinhas. Os portugueses chamaram-lhe Seringapatão. Fica no Estado de Karnataka, a sul de Goa, perto da cidade maior de Mysore. Hoje é uma urbe pequena, com uma fortaleza pequena, versão reduzida daquela que albergou o sultão de Tipu, uma daquelas personagens tão extraordinárias, tanto na vida como na morte. O seu nome completo era Fateh Ali Sahab Tipu e nasceu no dia 1 de Dezembro de 1751. Recebeu o epíteto de Sher-e-Mysore, o Tigre de Mysore.

Tipu era o filho mais velho de Hyder Ali, que por via das suas excelentes capacidades militares se transformou no monarca de Mysore, um muçulmano imperando sobre hindus com o apoio das tropas francesas que disputavam a região contra a poderosa Companhia Britânica das Índias Orientais. Na hora da sua morte entregou ao seu sucessor um enorme reino que se estendia desde as margens do rio Krishna, o terceiro mais longo da Índia, que atravessa o Planalto doDecão, aos ghats do oriente, uma cordilheira que se estende pela Costa do Malabar até à Costa do Coromandel. E Tipu soube ser rei e soube ser tigre desde que assumiu o trono após a morte de Hyder Ali em 1782, durante a II Guerra Anglo-Mysore. 

Os ingleses encararam Tipu como um inimigo que era preciso destruir fosse de que forma fosse. Mas depararam com a popularidade de um monarca que não apenas encantara os franceses como fora, igualmente, capaz de cativar os hindus permitindo-lhes manter as suas devoções religiosas e os seus negócios dentro das muralhas de Shrirangapattana. Gostei do lugar.Mantive-me por lá uns dias. O calor não me afeta, mesmo que me derreta em suor. Tipu despertou-me a atenção.Visitei o que resta da sua presença. É pouco. Depois de o derrotarem, os ingleses, como piratas que sempre foram, dedicaram-se a um saque devastador. A história desse saque é contada com arte num livro chamado precisamente Saque, de TaniaJames. Falo dele mais à frente. Neste momento escrevo sobre Tipu e as suas extraordinárias vida e morte.

No ano de 1789, Tipu atacou os exércitos da Companhia das Índias (os Casacas Vermelhas) em Travancore, dando início à III Guerra Anglo-Mysore. Rasgava brutalmente, dessa forma, o Tratado de Mysore assinado por ambas as partes em 11 de Março de 1784. As coisas não lhe correram como previra. Aliado ao nizã de Hyderabad, o comandante das tropas britânicas, Charles Cornwallis, 1º Marquês de Cornwallis, repeliu a ofensiva. Em seguida avançou sobre Shrirangapattana levando tudo na sua frente. O conflito só teve o seu ponto final com a invasão da fortaleza. No dia 18 de Março de 1792, Tipu assinou a sua rendição. Foi obrigado a ceder metade dos seus territórios e a oferecer dois dos seus três filhos como reféns. Manteve-se, ainda assim, como sultão da cidade. E o seu ódio aos britânicos ganhou uma intensidade que lhe seria fatal.

Apaixonado por TIGRES

Tipu era um adorador de tigres. O seu trono, no qual jurou nunca se sentar até ter expulsado os ingleses do sul da Índia, prometendo persegui-los de costa a costa e lançá-los ao mar, tinha incrustadas duas soberbas cabeças de tigre em ouro com olhos de safiras; as suas tropas envergavam vestes riscadas como as dos tigres; tinha no pátio do seu palácio seis tigres enormes encarregues de devorarem os inimigos que entregava ao apetite das feras. Era, igualmente, um homem sábio e um administrador pleno de bom-senso, algo que lhe permitiu ser rei dos hindus a despeito de ser muçulmano e de só falar persa. Veio ao mundo em Devanahalli, não longe da atual Bengalu.

A sua mãe chamava-se Fatima Fakhr-un-Nisa e era, por sua vez, filha de Mir Muin-ud-Din, o governador do forte de Kadapa. Passou a infância num universo de ensinamentos: aprendeu urdu, a língua muçulmana dos hindus, persa, árabe, foi mergulhado nos ensinamentos doCorão, tornou-se um especialista na jurisprudência islâmica e perito no domínio de cavalos e de armas.

Sabendo das intenções de Napoleão em relação à Índia depois da invasão francesa do Egipto, Tipu, já como sultão, aceitou todo o auxílio que pôde por parte de oficiais franceses que formaram os soldados do seu exército. Foi o próprio Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, Príncipe de Talleyrand, que assumiu a aliança: «Mal tenhamos ocupado e fortificado o Egipto enviaremos uma força de 15 mil homens do Suez até à Índia de forma a juntarmo-nos aos homens de Tipu-Sahip e expulsarmos os ingleses». Algo que nunca aconteceu. Napoleão fracassou na sua tentativa de criar um império universal e teve de reduzir as suas ambições à Europa depois de Horatio Nelson ter derrotado François-Paul Brueys D’Aigalliers na Batalha do Nilo em 1798. Tipu limitou-se a receber velhos coronéis com noções de batalha em terrenos que nada tinha que ver com aqueles em que se movimentavam.

Por seu lado, os britânicos marcharam sobre a Índia em força. No ano seguinte, três exércitos, um dos quais comandado pelo general Arthur Wellesley, mais tarde Duque de Wellington, grande vencedor de Waterloo, avançaram sobre Mysore. Sitiaram Shrirangapattana e deram início à IV Guerra Anglo-Mysore, a definitiva. Mais de 60 mil homens da Companhia das Índias Orientais, apoiados por quatro mil voluntários europeus e cerca de dez mil sipaios (indianos colocados o serviço dos ingleses), destruíram os 30 mil soldados de Tipu e, ao fim de 48 horas, tomaram conta da fortaleza. O sultão não renegou a sua paixão pelos tigres e bateu-se valentemente ao lado das suas tropas: «Prefiro morrer como um tigre do que viver cem anos como uma ovelha», diz a lenda que ele disse. Foi morto por um desconhecido junto ao portão de Hoally à custa de tiros de mosquete. A lenda acrescenta que o seu assassino preferiu manter o anonimato para poder conservar consigo as joias que adornavam as vestimentas do sultão, sobretudo o rubi gigantesco que trazia no turbante e que não por acaso levava o nome de Olho de Tigre. No dia seguinte – 5 de Maio de 1799 – foi enterrado com pompa e circunstância num túmulo ao lado do do pai. A sua morte foi festejada na Grã-Bretanha com um feriado e com vários escritores britânicos da época a publicarem elegias. Tipu, a despeito das suas inequívocas virtudes, fora sempre considerado o maior inimigo dos britânicos na Índia. Hoje em dia, a data da sua morte é evocada em Shrirangapattana com procissões que honram o antigo monarca. Sobre o mausoléu de mármore que cobre o corpo de Tipu estendem-se panos com as riscas dos tigres.