A associação das creches privadas enviou ontem uma proposta ao Governo para poder dar resposta às famílias sem vaga no setor público e que esperam luz verde para inscrever crianças no privado usufruindo da gratuitidade do programa ‘Creche Feliz’. As creches já começaram a funcionar mas quem não pode pagar ficou em casa.
O tempo passa, o início do ano letivo está à porta e os mais novos começaram a frequentar a creche já esta semana. Mas há muitas famílias que continuam de fora e sem saber onde inscrever, porque não têm vaga na rede pública. O Ministério da Educação comprometeu-se a garantir uma solução e criou um grupo e trabalho para fazer «um levantamento detalhado da rede pública e no setor social e solidário de creches e de jardins de infância». Sendo assim realizado pela primeira vez um diagnóstico das necessidades das crianças beneficiárias da ‘Creche Feliz’ que passam para o pré-escolar (jardim-infância, que abrange crianças dos 3 aos 5 anos). Recorde-se que a ‘Creche Feliz’ é um programa que garante a gratuitidade na rede privada a todas as crianças nascidas a partir de setembro de 2021 e que não encontram vaga no setor público ou social. A empreitada exigida ao Ministério da Educação era difícil: para assegurar a universalização da educação pré-escolar aos 3 anos seria preciso abrir mais 19.600 lugares na rede pública
Sim, mas… nada aconteceu
Em 2 agosto foi divulgado o primeiro veredito. Anunciou o Governo: «Quando não for possível assegurar a transição, as crianças vão poder excecionalmente continuar a frequentar a creche». E sublinhou: «Tendo em conta os resultados do diagnóstico, de forma a respeitar a continuidade do desenvolvimento das crianças e cumprir com as expetativas das famílias, o Governo encetará esforços para garantir que as crianças que beneficiaram do programa ‘Creche Feliz’ e que completam três anos de idade em 2024 prossigam o seu percurso na educação pré-escolar. Caso não haja resposta na rede pública ou no setor social e solidário da freguesia onde se situa o estabelecimento de ensino, a transição para a educação pré-escolar no setor privado será considerada como uma solução subsidiária». Ou seja, «se não for possível garantir essa continuidade no setor público, será assegurada, excecionalmente, a permanência das crianças abrangidas pelo programa ‘Creche Feliz’ que completem três anos entre 16 de setembro e 31 de dezembro, preferencialmente no mesmo estabelecimento onde já frequentavam a creche».
Mas nada mais aconteceu desde 2 de agosto e, conforme afirmou esta segunda-feira a presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular, Susana Batista, ao jornal i, «até à data de hoje não apresentaram qualquer proposta para essa gratuitidade, nem chegaram a um acordo com os institutos privados. Pediram-nos propostas que nós apresentámos, mas que ainda não foram discutidas. Não há ainda uma resposta para os pais. Não há nada definido pelo Governo e é desesperante».
As mesmas regras para todos
Sem grande margem para esperar mais, pois os estabelecimentos ainda não tiveram qualquer indicação desta intenção do Governo e muitos deles estão a esgotar as vagas, Susana Batista enviou ontem uma proposta ao Governo –a que o Nascer do SOL teve acesso – para que o processo seja agilizado e para que as crianças que transitam para o pré-escolar integrem o programa ‘Creche Feliz’ nas mesmas condições.
Começando por lembrar que o Governo «anunciou a sua intenção de apresentar uma estratégia que assegure a continuidade na transição da creche para a educação pré-escolar (nomeadamente às crianças abrangidas pela ‘Creche Feliz’) e a qualidade pedagógica para as crianças entre os 0 e os 6 anos, mobilizando para tal os setores público, social e privado», Susana Batista recorda que «a rede pública existente continua a ser insuficiente para garantir a universalidade da educação pré-escolar», que «até à data ainda não foi divulgado pelo Ministério da Educação e Ciência um plano de ação que garanta a gratuidade na educação pré-escolar em 2024/2025 às crianças abrangidas pela ‘Creche Feliz’, nem como irá apoiar as famílias cujos filhos não tiveram acesso a uma vaga no ensino pré escolar público, nem a forma de acesso a outros estabelecimentos» e ainda que «as crianças nascidas após 1 de setembro de 2021 deixaram de poder continuar a frequentar a creche desde 1 de setembro de 2024». Além disso, «muitas crianças não conseguiram vaga na educação pré-escolar da rede pública e as famílias ainda não têm qualquer informação onde podem colocar os seus filhos gratuitamente, para poderem ir trabalhar, incluindo crianças com necessidades educativas especiais». Quanto à disponibilidade de vagas nos setor privado, a presidente da ACPEEP alerta para o facto de os estabelecimentos privados já terem retomado a sua atividade na segunda-feira, «muitos ainda têm vagas, mas não existe nenhum acordo ou programa com o Governo que permita a frequência gratuita por estas crianças, o que está a levar muitas famílias ao desespero, principalmente as que não têm capacidade para pagar as mensalidades e aguardam resposta do Governo».
Assim, a associação propõe ao Governo que, à semelhança do que já acontece no programa da ‘Creche Feliz’, «sejam aplicadas aos estabelecimentos de educação pré-escolar da rede privada que queiram aderir as mesmas condições que foram definidas pelo Governo e que vierem ainda a ser negociadas com os representantes dos jardins de infância das instituições particulares de solidariedade social, para garantir a frequência gratuita». E vão mais longe, pedindo que «sejam garantidos os mesmos direitos às crianças no acesso e na frequência dos estabelecimentos, independentemente da natureza jurídica dos mesmos, seguindo o princípio da igualdade de oportunidades».
Uns descontentes, outros… desesperados
Quando Carla Rodrigues quis colocar a sua filha na creche em 2022, já todas as instituições públicas do Lumiar, Telheiras e Alvalade estavam sem vagas e com filas de espera. «É mesmo incompreensível. Querem que aumente a taxa de natalidade, dizem-nos que as gerações não se estão a renovar, que as pessoas não têm filhos, mas nada fazem para que tenhamos condições para criá-los. Aliás, tal como vemos, as coisas têm piorado de ano para ano neste campo», desabafa com o Nascer do SOL. «Quanto às privadas, na sua maioria, são em lojas, quase sem luz natural e sem espaço exterior», acredita. No entanto, a única opção que encontrou foi colocar a sua filha numa privada. «Consegui encontrar uma boa – é uma moradia, com jardim e turmas pequenas – em Telheiras, mas não aceita o programa Creche Feliz», lamenta. «Estou a pagar 500 euros e é me muito complicado, mas pelos nossos filhos fazemos tudo e queremos sempre o melhor! Mesmo que isso implique sacrifícios», explica. «Neste momento tenho só uma menina, filha única e neta única, por isso, há algumas facilidades. Acredito que para pais que tenham mais do que um filho pequeno seja muito mais complicado!», afirma Carla Rodrigues.
Tal como ela, Neuza Patrício não teve sorte. «O meu bebé nasceu em novembro do ano passado. Antes dele nascer tentei inscrevê-lo nas creches – para ficar com isso assegurado. A maioria das instituições das quais recebi resposta, disseram que só podia fazer a inscrição depois do bebé nascer», conta. Porém, quando o bebé nasceu e pôde ir às creches fazer a inscrição já não era possível. «Agora tenho que esperar para inscrever a criança para o ano 2025/2026. A solução que encontrei é pagar a uma ama particular, porque a vida não para e é-me completamente impossível ficar em casa com ele até ao ano que vem», garante. «Isto é tudo muito confuso. A algumas mães dizem uma coisa, a outras dizem outra. Enquanto isso, andamos nós a fazer contas à vida e em busca de soluções. Não nos podemos esquecer que há quem não tenha qualquer apoio por parte de familiares e quem não tenha capacidade financeira para aguentar a situação enquanto esta não é resolvida!», alerta.
Felizmente, nem todos os casos são assim… Depois de inscrever o seu filho em 27 creches, Joana Amaral conseguiu que este entrasse em três. «Depois, foi conhecer os espaços e escolher o que mais nos agradava», conta. Ao contrário do que aconteceu com Neuza, Joana conseguiu começar as inscrições às 17 semanas de gravidez. «Foi feita uma pré-inscrição em todas, posteriormente, tive de fazer nova inscrição! Entrou em Setembro de 2024, com 7 meses e 25 dias. Não pagamos nada. Estamos ao abrigo do programa Creche Feliz. Tivemos sorte, mas sabemos que muitos casais não conseguiram o mesmo», conclui.