Saúde. Ministra quer ‘limpar’ a casa

Saúde. Ministra quer ‘limpar’ a casa


Presidentes da ULS começaram a ser avisados que a saída está para breve. Garcia da Orta já foi e outros estão na calha. Ministra culpa as administrações pelo caos nas urgências e quer fazer a remodelação até ao final do ano e retirar competências às ULS.


A ministra da Saúde decidiu dar um murro na mesa e virar tudo ao contrário. O fecho das urgências e o atraso na abertura dos concursos para médicos de família e psicólogos, para cumprir o plano de emergência na Saúde desenhado por Eurico Castro Alves, foram a gota de água. A Direção-Executiva (DE) prepara uma limpeza de uma parte considerável das novas 39 Unidades Locais de Saúde (ULS) e as respetivas administrações serão substituídas nas próximas semanas e outras até ao final do ano. Umas vão ser já demitidas, como aconteceu esta semana com a administração do Hospital Garcia da Horta (ULS Almada-Seixal), tendo Teresa Luciano sido substituída pelo antiugo secretário de Estado socialista Jorge Seguro Sanches. A ideia é afastar o mais brevemente possível os dirigentes nomeados depois de 1 de janeiro, para que não passe um ano desde que assumiram funções, uma vez que todas as direções foram reconduzidas ou nomeadas na altura da criação das novas ULS, o que implicaria o pagamento de indemnizações conforme o estatuto do gestor público. A DE-SNS está também a aproveitar algumas saídas por iniciativa própria para remodelar toda a equipa. 

O braço-de-ferro entre as várias administrações que estão na mira da tutela e da DE-SNS presidida por Gandra d’Almeida, está a tornar-se «insustentável e com consequências graves para o todo o sistema. Não se justifica que este domingo tenham estado fechadas 17 urgências no país», o que passou mais ou menos despercebido devido à tragédia dos da queda do helicóptero, avançou ao Nascer do SOL uma fonte próxima da DE-SNS. Segundo a mesma fonte, é convicção da ministra Ana Paula Martins que algumas das administrações «são mesmo incompetentes» e não têm capacidade para gerir as novas e complexas ULS, tal como tinha afirmado numa audição parlamentar, o que levou à demissão da administração da ULS de Viseu. 

Os administradores da ULS de Guarda foram também informados esta semana das intenções da tutela; na ULS da Cova da Beira, o presidente João Casteleiro irá sair devido à idade, uma vez que tem 73 anos e já atingiu a idade da reforma, o que vai ser aproveitado para remodelar toda a administração. Soma-se ainda a ULS de Aveiro, onde a administração será remodelada brevemente, a ULS de Leiria, a ULS do Arco Ribeirinho (Barreiro), a ULS da Lezíria (Santarém), assim como a ULS do Oeste, ULS Medio Tejo e a ULS Trás-os-Montes e Alto Duro. Todas elas integram a lista negra de Gandra d’Almeida.

Ligações ao PS

A agitação é grande e a DE acusa as administrações hospitalares de má gestão e por não conseguirem evitar o encerramento de urgências gerais, pediátricas e de ginecologia e obstetrícia que se tem verificado este verão, em especial no final de agosto. Nem em 2023, o primeiro ano em que o país entrou em sobressalto com o encerramento de urgências hospitalares, «o cenário foi tão grave. Não se pode continuar a apontar a falta de médicos como causa principal. Uma boa a coordenação, gestão eficaz e previsão, além da contratação de tarefeiros, podia evitar as faltas que levaram ao encerramento», adiantaram ao Nascer do SOL as mesmas fontes. 

Grande parte destas administrações foi nomeada por Fernando Araújo no princípio do ano e outras reconduzidas, sendo muitos dos presidentes diretamente ligados ao PS. Como são os caso de Ivo Oliveira, militante do PS e adjunto de António Costa, de onde saiu para presidir ao CA da ULS de Trás-os-Montes; Teresa Carneiro, da ULS Arco Ribeirinho, ex-adjunta de Marta Temido e antes disso chefe do gabinete do secretário de Estado da Saúde; Casimiro Ramos, ULS Médio Tejo, ex-vereador e deputado do PS; João Casteleiro, que desde 2017 preside à Assembleia Municipal da Covilhã eleito pelo PS; ou Tatiana Silvestre, que está à frente da ULS Lezíria e que foi candidata pelo PS à Assembleia Municipal de Santarém. Também Teresa Machado Luciano, demitida esta semana pela ministra da Saúde do Hospital Garcia da Horta, cuja direção ocupava desde que desde agosto de 2022, foi secretária Regional da Saúde como independente do executivo dos Açores presidido pelo socialista Vasco Cordeiro. Cargo que ocupou durante um ano e meio, de julho de 2019 até finais de 2021, quando o PS perdeu as eleições regionais para o PSD. 

«Muitos deles esperam ser demitidos e já cruzaram os braços. Estão a bloquear o sistema por incompetência», adiantou ao Nascer do SOL a mesma fonte. 

O caso crítico de Leiria

Leiria é apontado pelos responsáveis do SNS como o caso mais crítico. Já no princípio do mês de Agosto, os deputados do PSD eleitos por este distrito questionaram a ministra sobre as urgências de obstetrícia que estariam encerradas até dia 19, ou seja, durante 18 dias. Durante este período, a ULS de Coimbra realizou 75 partos a grávidas da região de Leiria. No fim de semana de 24 de agosto e no passado fim de semana, as urgências voltaram a fechar. O atendimento foi interrompido a partir das 9h de sexta-feira e só retomou na segunda-feira passada, tal como tinha acontecido em todo os mês de Agosto. Além de obstetrícia, também a urgência pediátrica esteve encerrada durante o fim de semana no Hospital de Santo André, dirigido por Licínio de Carvalho desde 2019. Uma situação considerada «incompreensível» pela tutela. 

Dia 1 de setembro um recorde foi batido: 17 urgências de obstetrícia e pediatria estiveram fechadas em todo o país. Segundo o site do SNS, no passado domingo encerraram a urgência pediátrica na ULS de Chaves; a urgência de obstetrícia e ginecologia e a urgência pediátrica na ULS de Leiria; no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, as urgências de obstetrícia e ginecologia, e pediátrica; em Santarém, a urgência de obstetrícia e ginecologia; no Garcia de Orta, em Almada, a urgência de obstetrícia e ginecologia e mais oito das mesmas áreas em Lisboa, Loures, Barreiro, Torres Novas, Viseu, Abrantes, Torres Novas, Portimão e Viseu. Foi o pior fim de semana do ano. 

‘Isto não pode acontecer’

O sinal de que nada ficaria como dantes foi dado a meio da semana. Quarta-feira, a ministra da Saúde apresentou o balanço do Plano de Emergência e Transformação da Saúde que terminou no último dia de agosto e que se propunha a cumprir 54 medidas, entre 15 urgentes, 24 prioritárias e 15 estruturantes, que visam reformar o sistema de saúde. Depois de anunciar que 12 delas estavam concluídas (das 15 urgentes), 40 em fase de implementação e duas abandonadas, Ana Paula Martins confessou que nem tudo correu bem. Nomeadamente, as urgências de obstetrícia que estiveram em serviço intermitente nos últimos três meses, com especial gravidade no último fim de semana. O dedo foi apontada às gestões hospitalares: «Isto não pode acontecer. As unidades locais de saúde têm de garantir a sua missão de serviço público e uma gestão eficaz dos seus recursos humanos». Garantindo ainda que os responsáveis pelo SNS estão preocupados com os «bebés nascidos em ambulâncias. No próximo verão esta situação não deverá voltar a acontecer», afirmou publicamente. Nesse mesmo dia, várias administrações hospitalares foram contactadas e informadas de que irão ser substituídas em breve. Por quem é um dos grandes problemas, disseram ao Nascer do SOL algumas fontes. O atraso na abertura dos concursos é outra das fragilidades que a tutela aponta às administrações hospitalares. Desde julho que é competência das ULS a abertura de concurso para a contratação de novos médicos. Só que em finais do agosto muitas delas ainda não tinham iniciado os procedimentos. O que, no entender da DE-SNS e da ministra, justifica o não cumprimento de algumas das metas do Plano de Emergência que passam pela contratação de médicos de família e de psicólogos para o SNS. Perante este atraso, Ana Paula Martins anunciou que planeia reverter esta autonomia dada aos CA das ULS e voltar a ser o Ministério da Saúde a centralizar as contratações. 

«O balanco não é negativo em relação às especialidades hospitalares mas o mesmo não se pode dizer no caso da Medicina Geral e Familiar», afirmou a ministra. Adiantando: «Colocamos a possibilidade de voltar à metodologia anterior».