Groundhog day, de 1993, em celebração do “dia da marmota”, uma re-descoberta televisionada de uma superstição enraizada na Pensilvânia rural Dutch, tem muito do olhar surpreendido do americano urbano lançado à estranha realidade de um dos Swing States. As eleições obrigam os candidatos a cativarem os eleitores indecisos de Estados onde se acredita na presciência das marmotas. Convertidos ao bucolismo político, seguíamos o prenúncio de uma repetição do dia 8 de Novembro de 2016, com uma nova vitória de Trump.
A desistência de Biden, anunciada a 21 de Julho (nunca um mês pareceu tão longe…), devolveu suspense à eleição. Ao dia de hoje uma vitória democrata é possível. Mesmo assim vale a pena pensar no que poderá ser um segundo mandato de Trump. Infelizmente o feitiço do tempo não ajuda à predição. Trump II, a acontecer, será muitíssimo pior do que Trump I. The Donald instalar-se-ia na Casa Branca com uma corte de fiéis, começando pelos familiares e afins, escolheria a dedo e com garantias de fidelidade todos os membros da sua Administração e contaria com o apoio de um Congresso em que quase todos os Republicanos lhe devem a eleição. O programa, não oficial, de Governo tem sido anunciado pela Heritage Foundation que reuniu, desde 2022, um conjunto de colaboradores para redigir as 920 páginas do “Mandate for Leadership: The Conservative Promise”, conhecido pelo petit nom “Project 2025” e dado à estampa em Abril de 2023.
Questionado sobre o “Project 2025” Trump é igual a si próprio: “não o conhece” mas, ao mesmo tempo “há lá boas ideias”. Nada como ler o incunábulo, tendo presente que muitos dos autores integraram a Administração Trump. Cabalistica e interessadamente sugiro a leitura do capítulo 13, dedicado ao ambiente, redigido por Mandy M. Gunasekara, que foi, com Trump, Chefe de Gabinete da Environmental Protection Agency (EPA). Mandy não perde tempo com elucubrações teóricas e apresenta um programa reformista para a EPA, percorrendo cada um dos departamentos e serviços e garantindo que cada um terá “a political chief of staff” (pp. 423), a nomear livremente pela Administração Trump, depois de atestado o bom comportamento político (“vetted”). Colhida a inspiração para a reforma da EPA no sistema de comissários políticos (“political appointees”, pp. 423, 428, 436, 440, 444), Mandy detalha o que a EPA deve fazer. In a nutshell: a EPA não deve interferir na actividade económica. Para evitar tentações, Mandy propugna um vasto programa de revogação da legislação em vigor, baseado em critérios genéricos: “Repeal Biden Administration implementing regulations […] that are unnecessarily stringent and costly” (pp. 425). A legislação ambiental necessária é assim construída como não sendo exigente e não tendo custos. O direito do ambiente passa à dimensão simbólica, uma espécie de jarrinha que se coloca em cima da mesa regulatória mas que se remove, sem custos, sempre que é preciso dar uso à mesa. A cartilha de Mandy também tem propósitos obscurantistas: “Repeal Inflation Reduction Act programs providing grants for environmental science activities” (pp. 440).
O programa de Trump para o ambiente poupa trabalho à campanha dos Democratas: não é preciso detalhar o que pretendem fazer, basta apontar aquilo que a equipa Trump pretende destruir. Para desgraça da campanha de Trump o que acontece com a política ambiental repete-se em muitas outras áreas: o programa trumpiano propõe-se revogar, eliminar ou asfixiar políticas públicas que se revelaram válidas e como tal são reconhecidas pela maioria dos eleitores.