Fast fashion vs grandes marcas. Concorrência desleal ou bode expiatório?

Fast fashion vs grandes marcas. Concorrência desleal ou bode expiatório?


Especialistas defendem ao i que Temu e Shein “são exemplos de empresas que têm o potencial de competir fortemente com grandes marcas no setor da moda e dos bens de consumo” mas não acreditam em “ameaça” até porque “se trata de um nicho diferente”.


É inegável dizer que o grupo Inditex, por exemplo, é uma máquina de fazer dinheiro. Dona de grandes lojas como a Zara, Pull&Bear, Massimo Dutti, Bershka ou Stradivarius, conseguiu um resultado líquido de 1,3 mil milhões de euros só nos primeiros três meses deste ano. Um crescimento de mais de 10% face ao mesmo período do ano passado.

Longe desses valores mas dona de um grande sucesso está também, por exemplo, a Primark que no último exercício fiscal, que terminou em setembro, faturou 9.008 milhões de libras (cerca de 10.387 milhões de euros), um crescimento de 15%. Podemos juntar-lhe outras cadeias como a H&M cujo lucro bruto do segundo trimestre registou um aumento de 11%, atingindo 2.962 milhões de euros, o que aumentou a margem bruta para 56,3% em relação aos 52,7% do ano anterior. Já o lucro operacional do grupo aumentou em 50% para 626 467 mil euros.

Apresentado o sucesso operacional destas marcas muito conhecidas do grande público, também é inegável dizer que marcas de fast fashion como a Shein ou a Temu são exemplos de sucesso. E se é certo dizer que o vestuário destas últimas podem até nem ter roupa de tanta qualidade, também não é mentira que para muitos, isso não é um fator condicionante.

Sem grandes ataques, as marcas continuam a fazer as suas vidas e a trilhar os seus caminhos mas quem frequenta as redes sociais consegue facilmente ver vários vídeos que comparam marcas como Zara e Shein e as imagens não mentem: as peças de roupa são, tantas vezes, tão similares que mal se nota a diferença.

O i tentou perceber junto de especialistas se estas empresas são uma ameaça às grandes marcas e se se trata de concorrência desleal. João Queiroz, Head of Trading do Banco Carregosa é da opinião de que a Temu e a Shein “são exemplos de empresas que têm o potencial de competir fortemente com grandes marcas no setor da moda e dos bens de consumo” e que o seu modelo de negócios, “altamente competitivo, concorrencial e de rápida resposta às variações das tendências de mercado e aos hábitos e padrões de consumo, coloca-as numa posição de destaque”. Por isso, entende que existe aqui um desafio que é “garantir que essa competição dependa, em grande parte, de boas práticas específicas, dessas empresas, relativamente ao cumprimento das normas laborais, ambientais e fiscais”.

João Queiroz lembra, no entanto, que as grandes marcas, como a H&M, a Inditex ou a Primark, “foram rápidas a repensar e adaptar as suas estratégias, seja através da inovação, melhorando a eficiência, ou adotando práticas mais sustentáveis, capazes de justificar preços mais elevados e menores margens”. Ao mesmo tempo, “cresce a pressão sobre os reguladores para alinhar o setor e as ofertas do mercado, procurando garantir que todas as empresas operem com base nas mesmas regras, o que poderá restringir algumas das vantagens competitivas que a Shein e a Temu atualmente possuem”. (ver páginas 4 a 7).

Por sua vez, Henrique Tomé, analista da XTB, diz não acreditar que as marcas de fast fashion sejam uma ameaça às grandes marcas, “até porque se trata de um nicho diferente”. O analista refere que “trata-se de fast fashion, mas num segmento um pouco mais diferente, pois não se tem em conta a qualidade face ao preço, mas sim apenas os produtos que vendem e que muitas vezes desiludem os consumidores”.

Desiludindo ou não, as vendas lá vão crescendo. Mas, tal como diz João Queiroz, os grandes grupos foram-se adaptando.

Para já, é preciso ter em conta que atualmente todas essas marcas possuem site. E se a desculpa for que na Shein ou na Temu se podem fazer compras online, nas outras todas também. Além de que a troca, que pode ser feita em loja, é muito mais fácil. Mas não é só.

O grupo Inditex, por exemplo, tem apostado muito na sua marca low cost – a Lefties – para fazer face ao aparecimento das concorrentes. “A presença da Lefties em vários mercados emergentes mostra que é uma forma de a Inditex chegar a consumidores que podem estar menos dispostos a gastar na Zara”, chegou a dizer Swetha Ramachandran, gestora da Artemis Fund Managers em Londres, que investe na Inditex. Um artigo da Reuters diz mesmo que a Lefties é a “arma secreta” do grupo Inditex contra a Shein.

E se a guerra entre estes grupos pouco ou nada se ouve, com outras marcas estrangeiras não é assim. Recentemente, o CEO da Jane.com – também uma empresa online – anunciou ser “impossível competir em preço” com sites como Temu e Shein, que dominam as compras online. E também o CEO da Etsy declarou que a Temu e a Shein estavam “quase sozinhas tendo um impacto no custo da publicidade”, especialmente quando se tratava do Google e do Meta. Em agosto, o vice-presidente executivo da Gap mencionou que a Shein era um dos vários concorrentes “a ganhar participação” e “a competir com os nossos clientes”. “Acho que temos muito a fazer para continuar a vencer neste espaço”, disse ainda.

Para já, parece não haver muitos problemas entre as grandes marcas e as fast fashion até porque, como disse uma fonte do setor ao i, “as pessoas continuam a preferir qualidade. E é possível qualidade a preços muito acessíveis”.