Quem poderia imaginar que, em plena carnificina da Segunda Guerra Mundial, havia um sítio na Alemanha onde os prisioneiros de guerra se divertiam à grande, celebravam o Natal e até faziam pouco dos guardas? Uma prisão de alta segurança onde a convenção de Genebra era escrupulosamente respeitada? Onde o inimigo era tratado com respeito e humanidade? Para quem julgava que o Reich de Hitler se resumia aos deprimentes campos de concentração, a leitura de Colditz – Os Prisioneiros do Castelo (ed. D. Quixote) constitui um constante motivo de surpresa e assombro. «A primeira pedra daquela que se tornaria uma poderosa fortaleza foi colocada aproximadamente em 1043, e durante o milénio seguinte o castelo foi repetidamente expandido e modificado, destruído e reconstruído pelas grandes dinastias que lutavam pelo poder e pelo domínio na região», escreve o autor. Um dos seus inquilinos foi Augusto o Forte (1670-1733), «um homem com uma energia física inesgotável […] e um prodigioso mulherengo, pensando-se que terá tido entre 365 e 382 filhos». Comparado com ele, Ramsés II, que terá tido uma centena de filhos, era praticamente um eunuco. Outro dos hóspedes ilustres foi o desditoso filho do compositor Robert Schumann, numa época em que o velho castelo servia de asilo para os «loucos incuráveis».
Mas Colditz tornou-se um lugar quase lendário sobretudo por causa dos oficiais das forças aliadas que por lá passaram. Homens como o intratável aviador da RAF Douglas Bader, que tinha perdido as duas pernas num acidente enquanto tentava fazer um voo invertido demasiado perto do solo; ou o «oficial de cavalaria francesa, aristocrata, atleta olímpico na categoria de saltos de hipismo, campeão de polo» e «o prisioneiro mais elegante de Colditz», Pierre Mairesse-Lebrun; ou o espião e membro da alta sociedade nova-iorquina Florimond Duke, «o segundo paraquedista mais velho da força aérea americana».
Para passar o tempo, estes homens organizavam jogos, liam, comiam as vitualhas enviadas pela Cruz Vermelha, fabricavam vinho caseiro, apanhavam sol no pátio, encenavam peças de teatro. E, claro, planeavam fugas da fortaleza, a mais espetacular das quais envolveu um túnel de 45 metros com ventilação e tudo, a que chamaram apropriadamente Le Métro. «‘Era um trabalho escuro, apertado e infernal’, diria Cazaumayou», o escavador principal, que ganhou a alcunha de ‘A Toupeira’. «Por cima, o coro francês cantava energicamente para abafar o barulho. Um complexo sistema de vigias alertava para a aproximação de algum guarda».
Numa altura em que milhões de seres humanos eram escravizados e reduzidos a cinzas em campos de concentração e de extermínio por toda a Europa ocupada pelos nazis, iam parar a Colditz os oficiais estrangeiros mais problemáticos, normalmente com historial de fugas. O diretor da prisão-fortaleza, Reinhold Eggers, professor de profissão, mostrava uma paciência quase inesgotável para com estes homens, vendo-os quase como um bando de alunos malcomportados.
A história de Colditz, dos seus heroicos protagonistas e das inacreditáveis tentativas de fuga, já deu origem a filmes, séries e livros. Ben Macintyre faz-lhe inteira justiça numa obra-prima de investigação recheada de episódios emocionantes e pormenores deliciosos. Colditz – Os prisioneiros do castelo não tem uma única página – quase apeteceria dizer uma única linha – que se possa considerar aborrecida. Como o próprio autor nos diz, havia longos períodos de torturante tédio na prisão do castelo. Mas até esses são transformados em matéria entusiasmante.